Um dos grandes nomes da ficção científica na década de 1950 está praticamente esquecida hoje em dia. Samuel Delany fez campanha para que o nome de Katherine Anne MacLean fosse incluído no roll dos Grandes Nomes da FC. Katherine foi a dama dos contos de ficção científica que abordavam o impacto que uma tecnologia poderia ter em uma sociedade.
É surpreendente que uma escritora tão influente em sua época, com trabalhos adaptados para o rádio e televisão, tenham tão poucas publicações, principalmente na forma de contos. Menos surpreendente é como seu nome acabou jogado de escanteio quando se fala da Era de Ouro da FC, na década de 1950. É muito comum alguns caras acharem que as mulheres começaram a escrever FC de uns 20 anos pra cá, o que mostra o profundo desconhecimento que eles têm de um gênero que dizem ler.
Katherine Maclean foi um nome influente na década de 1950, com vários contos publicados nas mais importantes revistas de FC. Escreveu poucos romances, cinco, sendo dois deles junto de um de seus ex-maridos; foi ganhadora do Nebulla Award de 1971 com o conto The Missing Man, mais tarde tornando-se um livro com o enredo expandido.
Katherine decidiu escrever ficção científica depois de começar a trabalhar como técnica de laboratório em uma fábrica de comida enlatada. Vários autores a admiravam por sua capacidade inata de conseguir mesclar a chamada "soft scifi", uma FC que lida com as ciências humanas, com a "hard scifi", que lida com ciências exatas. Formada em economia pelo Barnard College, com pós-graduação em psicologia, Katherine era multifacetada, tendo atuado em diferentes áreas, inclusive como professora de escrita criativa.
Ainda que assinasse seus contos com seu próprio nome, seu primeiro conto, "Syndrome Johnny", foi publicado com o pseudônimo de Charles Dye, seu marido na época. Além de tentar aliar diferentes áreas da ciência, Katherine também flertava com a nova onda da FC, que estava emergindo naquela década. Entretanto, sabendo que estava em um mercado misógino e que exigia o dobro de mulheres que quisessem escrever FC, Katherine não se focava em protagonistas femininas, precisando bailar conforme a música, inclusive tendo trabalhado com o notório racista, misógino e supremacista branco John W. Campbell, editor da Astounding Science Fiction, uma das mais importantes revistas do gênero.
Samuel Delany tem grande admiração pelo talento de Katherine e pleiteou que seu nome fosse incluído entre os Grandes Mestres da Ficção Científica da Science Fiction Writers of America (SFWA)duas vezes, em 2013 e em 2017. Em 2003, ela já tinha sido eleita pela SFWA como Autora Emérita, mas acabou falecendo em 2019, aos 94 anos, sem conseguir alçar ao posto de Grande Mestre. Pelo menos oficialmente, pois para muitos elas sempre foi uma mestra.
Seu conto clássico, "Incommunicado" (1950), foi uma grande inspiração para técnicos e engenheiros do Bells Labs. Katherine escreveu sobre a evolução dos computadores pessoais, onde há menções a tocadores de MP3 portáteis, PDAs, podcasts e dispositivos de busca para vídeos e livros online. Poucos anos depois da publicação do conto, Katherine estava tentando entrar em uma convenção de engenharia eletrônica. Sem nenhuma credencial visível, o segurança não queria deixá-la entrar.
Quando anunciou seu nome no balcão de entrada, um cara apareceu surpreso, perguntando se tinha ouvido certo, que ela era A Katherine MacLean, aquela que escreveu o conto "Incommunicado". Ela confirmou e o rapaz chamou os colegas para perto, acenando, todo contente. "Adivinhem quem está aqui? A senhorinha que escreveu "Incommunicado"! Eles eram todos engenheiros e pesquisadores do Bell Labs e leitores assíduos das revistas de ficção científica dos anos 1940 e 1950. Muitas inovações tecnológicas de hoje saíram desses laboratórios.
Seus contos e novelas foram republicados em várias coletâneas, hoje clássicas, de FC. Infelizmente, não há trabalhos de Katherine em português. Um dos grandes nomes da FC e sua Era de Ouro, que inspirou cientistas e desenvolvedores, não pode cair no esquecimento.
Até mais!
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Fico contente que o nome de Katherine não tenha caído no esquecimento!
ResponderExcluirNão a conhecia, tampouco o seu trabalho. Seu blog, Sybylla, é utilíssimo e traz tantas histórias de pessoas incríveis! Continue com o excelente trabalho!
Oi, Sybylla.
ResponderExcluirAprendo muito lendo o Momentum Saga. Conheci a obra da James Tiptree por aqui, a Roquia também... Preciso ler os artigos das outras autoras.
Lá no trabalho, setembro de 2019, colocamos uma seção de "autores misteriosos" , quem quisesse saber a verdadeira identidade precisava abrir o cartão... Quando as pessoas abriam o cartão James Tiptree... Eu aparecia do nada, haha, e começava a falar sobre quem foi ela, sua importância, mostrava as capas dos livros. Acho que o pessoal curtiu, principalmente as meninas.
Enfim, muito obrigada por trazer esse conteúdo.
Espero poder ler algo da Katherine MacLean em algum momento da vida.