Crie, escreva, registre

Mensagens enviadas no dia 8 de março costumam me cansar muito. Porque é sempre o discurso manjado sobre como as mulheres são especiais, sem falar na exaltação da feminilidade com cupons para salão de beleza e depilação, mas zero lembranças de como merecemos respeito nos outros dias do ano. De como a própria história das mulheres é apagada e sublimada porque algum homem ficou com o ego ferido. De como ainda ganhamos menos e temos menos progressão na carreira apenas por sermos mulheres.

Crie, escreva, registre

👉🏼 Resenha: Minha história das mulheres, de Michelle Perrot

A historiadora francesa Michelle Perrot é famosa por seus estudos a respeito da história das mulheres. Ainda que hoje esta seja uma área bastante estudada, por muito tempo a mulher foi um personagem secundário na história mundial, um coadjuvante, um figurante na grande história dos acontecimentos e das personalidades masculinas. Como a própria autor diz, para a mulher ser lembrada pela história ela tinha que ser "escandalosa ou piedosa".

Um dos motivos apontados pela autora dessa participação pífia das mulheres na história é justamente a invisibilidade. Relegadas ao ambiente doméstico, quem tinha o domínio do espaço público era o homem. A ele cabia o espaço público, as carreiras, as posições políticas, enquanto à mulher lhe cabia a esfera doméstica, do lar, da criação dos filhos e da administração da casa.

A falta de uma educação formal às mulheres era outro entrave para se manter registros de próprio punho. Por um longo tempo os bancos escolares eram proibidos às mulheres e muitos homens discutiam que bem faria a educação formal para uma mulher. Chegamos às escolas e muito tempo depois às universidades, mas ainda assim os registros das mulheres continuaram escassos.

Outro motivo é a ausência de registros escritos. Se uma mulher é pouco vista, ela é pouco falada. Pouco falada e pouco registrada também. Os registros deixados por mulheres em cartas e diários eram, muitas vezes, por elas mesmas destruídos ao chegarem ao final da vida, como se elas estivessem expurgando as memórias, acreditando em uma insignificância que lhes foi imposta. Talvez pensassem que ninguém se interessaria pelas memórias de uma mulher. Talvez temessem o julgamento da história e dos homens.

A história é feita de registros, de documentos, de vestígios. Também é feita por cronistas e estudiosos que por um longo tempo foram homens e não pensaram que as histórias das mulheres pudessem ser relevantes. Rainhas? Talvez. Mas a mulher comum pouco espaço tinha nas estantes das bibliotecas. É por isso que em décadas recentes muitas universidades vem criando bibliotecas femininas, de forma a guardar os registros, cartas, diários, fotografias, de mulheres de várias origens.

Por isso que neste 8 de Março, em meio a uma pandemia, quero pedir que você crie, escreva, registre. Não pense que seus pensamentos são irrelevantes, não acredite na insignificância imposta pelos outros, não se deixe abater por aqueles que temem o que você tem a dizer. Preencha cadernos com suas ideias, suas emoções, seus desenhos e rascunhos. Esvazie a cabeça, deixe página coloridas com suas canetas, lápis e pincéis. Deixe seus traços pela internet, crie seus portais para o registro de seus trabalhos, troque escritos com outras mulheres importantes da sua vida.

Não seja engolida pela história; transforme a história no seu palco.

Porque quanto mais presentes estiverem nossos escritos, mais difícil fica para a história nos ignorar.

Um grande abraço, até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. que reflexão importante né? é uma coisa tão óbvia mas tão enraizada que é difícil perceber o apagamento. lendo o texto fico feliz que minha namorada escreva poemas, que ela faz como se fosse um diário. ali tem boa parte das cargas de sentimentos e reflexões dela sobre o mundo. sempre incentivei que ela escrevesse os poemas porque eu passei muito tempo num hiato de escrita pessoal que acho que me atrasou algumas reflexões importantes pra construir minha visão de mundo e acredito que ela deve evitar esse hiato. ela posta esses poemas no instagram e agora eu to super querendo ver essa página crescer pra que a escrita dela atinja outras pessoas, provoque e revolucione quem ler

    obrigado, Sybylla. mais um excelente texto seu <3

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  2. Super necessário as mulheres lerem isso. Infelizmente, vivemos em uma sociedade estratificada, em que existem desigualdades estruturais, que são provocadas por ideologias racistas, machistas e preconceituosas. Temos sim a capacidade de registrarmos a nossa história. A mulher é um indivíduo singular e complexo demais, mas mesmo assim a história é dominada por visões e estudos feitos por homens... Esse texto me motivou muito, espero que motive mais mulheres. Obrigada.

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