O livro de Michelle Perrot tem uma premissa enganosamente simples: traçar a história das mulheres, todas nós. Achei que o livro não fosse exatamente me surpreender, porém foi um tapa. A forma como a história simplesmente não conta nossas vidas e como não se interessou por ela durante milênios é chocante, porém esperado. Michelle investiga como nós não fomos devidamente retratadas, registradas e investigadas, trazendo à tona todo o desdém e ignorância que ainda perduram e como instituições e pesquisadoras estão tentando gravar nossos legados e nossas vozes.
O livro
Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. É garantia de uma cidade tranquila. Sua aparição em grupo causa medo.
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O livro nasceu de um programa de rádio de grande sucesso na França, pela rádio France Culture, onde Michelle sintetizou para o público não especializado 30 anos de pesquisas sobre a história das mulheres e reflexões a respeito. Permitindo-se a dar uma visão pessoal em muitos assuntos, o livro se tornou outro grande sucesso e foi traduzido em vários idiomas.
Dividido em cinco capítulos, Michelle aborda o porquê de se escrever sobre a história das mulheres no primeiro capítulo. No segundo, fala sobre a historicidade do corpo feminino. Em seguida, é a alma, abordando aí religião, cultura, educação, o acesso ao saber e sua criação. No capítulo sobre o trabalho das mulheres, acompanhamos o cotidiano, a vida e os afazeres e protestos de mulheres do campo, da cidade, criadas e domésticas, a vida das operárias, as professoras, vendedoras e atrizes. E por fim, o último capítulo, é sobre a mulher na cidade, sua história de lutas e aventuras, os direitos civis, sociais, políticos e a luta contra o patriarcado.
Devo salientar que o livro foca, principalmente, na figura da mulher ocidental e branca. Mesmo falando de criadas e empregadas, o recorte racial é bem específico, até pela formação da própria autora. Então este é um livro que inicia uma discussão que se aprofunda, que deve ser aprofundada para poder avaliar e destacar a história de mulheres não brancas, inclusive na esfera queer.
Mas por que estudar a história das mulheres? Não há registros? Aí que tá: não tem. As mulheres ficaram relegadas à obscuridade dos eventos históricos, "fora do tempo", como Michelle coloca, "confinadas no silêncio de um mar abissal". Um dos principais motivos é o fato de as mulheres ficarem confinadas, fora do espaço público durante muito tempo. Dentro das casas, das cozinhas, estavam fadadas à invisibilidade. Seus corpos são cobertos, medidos, usados, mutilados. Enquanto os homens são sinônimo de humanidade, a mulher é desumanizada, muitas perdendo a história da família ao adotar os sobrenomes dos maridos.
Se a mulher é pouco vista, ela é pouco falada e há poucos registros sobre ela. Os vestígios escritos, os registros das mulheres são poucos e escassos, sendo que muitas mulheres, ao chegarem em um determinado ponto da vida destruíram os registros que fizeram. Em outros casos, as mulheres não eram letradas, não tinham como se expressar pelo meio escrito e suas histórias se perderam para sempre.
Como muitos cronistas eram homens, eles não se importaram com a história que as mulheres. Mas muitos se preocuparam em criticar os avanços por nós conquistados. Muitos homens desfiaram inúmeros motivos para que mulheres não fossem educadas, nem alfabetizadas; questionaram se tínhamos alma e até alegaram que o acesso à educação perturbaria a harmonia do lar com mulheres fazendo perguntas que homem nenhum quisesse responder. O capítulo que trata sobre o acesso ao saber e sua proibição foi o que mais me enfureceu.
Sabe o que é mais enfurecedor? É saber que não faz tanto tempo assim que homens questionavam se mulheres deveriam ou não ter acesso à alfabetização, ter ou não acesso ao ensino básico, ter ou não o acesso ao ensino superior e às ciências. Não faz nem 100 anos que as principais universidades do mundo, como Harvard, passaram a aceitar mulheres em suas carteiras. Veja o quanto nossas conquistas são recentes e como precisamos lutar para mantê-las.
Outro ponto relevante do livro é Michelle mencionar a criação de bibliotecas específicas para guardar os registros das mulheres, para ter certeza de que no futuro não teremos mais lapsos na história da trajetória feminina. A Bibliothèque Marguerite Durand, em Paris, por exemplo, vem guardando registros variados e a produção de inúmeras mulheres e universidades estão criando Arquivos do Feminismo com o mesmo propósito.
A leitura, apesar da densidade do tema e das fontes, não é maçante. Ela flui bem e prende até o fim. O livro acaba rápido, o que reforça o caráter introdutório do livro nas pesquisas sobre a história das mulheres. Não encontrei problemas de revisão ou digitação e a tradução ficou por conta de Angela M. S. Corrêa.
É preciso ser piedosa ou escandalosa para existir.
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Obra e realidade
Apesar de focar na mulher branca ocidental, o livro é uma introdução importante para quem quer começar a estudar a história das mulheres e nos ajuda a compreender por que nossa história ficou relegada às sombras por tanto tempo. Uma vez que a gente compreende essa questão, tudo fica muito óbvio e você fica irritada por não ter pensado nisso ou não ter reparado certas coisas. É um livro que vai me deixar pensativa por muito tempo.Michelle Perrot (1928) é uma historiadora francesa, precursora nos estudos sobre a história das mulheres no ocidente e tida como a grande mestra da área. Originalmente estudiosa da história social, começou na história das mulheres já como docente universitária ao ministrar o curso "As mulheres têm uma História?", no qual apresentava temas possíveis de pesquisa para os trabalhos de conclusão de curso dos/as estudantes.
PONTOS POSITIVOS
Bem escrito
Bem pesquisado
Muitas fontes e notas adicionais
PONTOS NEGATIVOS
Visão da mulher branca ocidental
Acaba rápido
Bem escrito
Bem pesquisado
Muitas fontes e notas adicionais
PONTOS NEGATIVOS
Visão da mulher branca ocidental
Acaba rápido
Avaliação do MS?
Fiquei muito feliz em ter lido esse livro, mesmo tendo ficado emputecida com o descaso da história com as mulheres, aliado à violência patriarcal e o desconhecimento do feminino. Fico feliz, pois agora é uma fonte para onde podemos voltar para analisar os conceitos essenciais para possibilitar uma maior pesquisa a aprofundamento da história e trajetória das mulheres. E que essa pesquisa consiga abranger a todas as mulheres, não apenas as brancas e ocidentais. Uma leitura essencial e obrigatória!Até mais! 👩🎓
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