Não consigo ler!

Conversando com algumas pessoas pelas redes sociais e até lendo suas postagens, tenho notado um sentimento generalizado: o de não conseguir levar adiante suas leituras. Sei porque está acontecendo comigo. Se você também está passando por isso, sem problemas, não está só e nem precisa se descabelar. Esses são tempos estranhos.

Não consigo ler!

Fiz uma postagem no Instagram essa semana que passou falando do meu problema com a leitura. Minha concentração nem tem sido exatamente o problema, eu consigo ler e terminar os livros que começo, mas o problema tem sido justamente o tipo de leitura que tenho feito. Se antes a ficção científica sempre foi o meu refúgio, de uns tempos pra cá ela não tem me abrigado mais.

Mesma coisa com livros como thrillers de mistério, livros que falem de casos de crimes famosos. Nada disso tem sido satisfatório. Tenho investigo na leitura de divulgação científica, algumas de não-ficção, quadrinhos, mas a minha amada ficção científica simplesmente não está mais funcionando. É algo absolutamente inimaginável para mim. Então, o que está acontecendo?

O fato de estar acontecendo com outras pessoas já é um indicativo de que é algo generalizado. Estamos passando por uma pandemia, as pessoas estão assustadas, tendo que redobrar cuidados com higiene, tendo que ficar longe de seus entes queridos por segurança própria e a deles. Estando isolados em casa sobraria mais tempo para leituras. Mas a cabeça não coopera, não ajuda, a concentração evapora e os livros se acumulam. E nem é só relacionando à leitura. Tem gente incapaz de se concentrar em qualquer coisa, sentindo-se inútil por não poder focar sua atenção em algo importante ou algo que sempre lhe deu prazer antes.

A ansiedade que se criou sobre o caos na saúde, a doença, o medo, seguir as recomendações de segurança, a paranoia de sair e ir ao supermercado, o ódio profundo do presidente e de seus asseclas fazendo de tudo para acabar com a quarentena, tudo isso afeta nossa capacidade de se concentrar. Até mesmo nas atividades prazerosas, como a leitura, não sobra espaço na mente para aproveitar a leitura ou então nossos hábitos ficam completamente estranhos.

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Tem gente aproveitando a quarentena para botar as leituras em dia, tem gente que não tem conseguido ler. Tem quem esteja escrevendo livros e contos, tem quem esteja com problemas em pôr uma palavra depois da outra. Não precisa se remoer e se recriminar porque a mente não está funcionando como deveria. Ninguém está devidamente funcional nesses dias. Estamos passando por um evento que não se via há mais de 100 anos, então como podemos reclamar de não estarmos preparados para ele?

Enquanto o medo tem um alvo identificado, como o medo de contrair a doença, o medo de contaminar os outros, a ansiedade é sobre o desconhecido, sobre algo que não podemos controlar, é sobre algo incerto. Exatamente como no caso da pandemia. O vírus é invisível aos nossos olhos, contamina a esmo e mata pessoas. Não é à toa que estamos mais ansiosos, temerosos e praticamente em pânico. Quem não está, não entendeu nada.

O Covid-19 e a quarentena se tornaram um coquetel poderoso de ansiedade que mexe com a química do nosso cérebro. Ele é invisível, não temos controle sobre ele e a quarentena nos força a mudar nossos hábitos para que possamos nos proteger e proteger os outros.

Do ponto de vista neurobiológico, medo e ansiedade são processados por diferentes circuitos no cérebro. Existem várias neurotransmissões associadas a eles e você pode alterar seletivamente um ou outro. E se você altera a resposta ao medo de um animal, não necessariamente elimina a resposta de ansiedade ou vice-versa.

Oliver J. Robinson, neurobiólogo

E o que fazer então? Não há respostas definitivas para isso. É uma emergência de saúde, é um estado que está se prolongando há semanas. Acho que a respostá procurar fazer aquilo que nos dá prazer. Ler não está adiantando? Tente abrir aquele seu jogo favorito, sem se cobrar em terminar ou não. Apenas jogue. Vá assistir aquela temporada da sua série favorita. Vá para a cozinha, teste receitas novas. Tire uma tarde na frente da TV com seu bichinho de estimação.

E não esqueça: vamos passar por isso. Isso é temporário. Em 1918 as pessoas também viveram com a ansiedade e o medo e o mundo prosseguiu depois disso. Nós também vamos conseguir.

Fiquem bem. ♡

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Estou passando exatamente por isso agora. Sou mais um nesse grupo.

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  2. Felizmente eu tenho outras atividades e algumas habilidades para substituírem a leitura quando essa "empaca" e não avança de jeito nenhum.

    E interessante: em um artigo que você trouxe no Twitter há, em determinado trecho, a correlação entre governos que lidam mal com a pandemia e a sensação de insegurança, o que eleva a ansiedade, o estresse e o medo. Em um país como o nosso onde todos os dias o governo federal oferece algo novo e bizarro, fica difícil se concentrar em outros tipos de leitura.

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  3. Eu tenho me refugiado em romances de fantasia, mas com um viés romântico e necessário final feliz. Minhas tentativas mais consequentes, precisaram ser lidas em conjunto com fanfics fluffys ou coisas do gênero. O mais difícil é que a mente associa tudo, repensa, reconecta e tem horas que só jogar paciência no celular ouvindo música a todo volume parece promover alguma sanidade. E o que a gente faz? Se culpa, porque afinal, auto-indulgência é feio. Sério, viver em um mundo produtivista até nos nossos prazeres não é fácil.

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  4. nossa,
    eu o mesmo. Não consigo me concentrar mais em livros de ficção científica, ou distopias ou fantasias...
    Acho que é uma desilusão com o futuro. Ou a ficção ter se tornado um pouco real de mais.

    Consegui ler Os Testamentos, e fiquei com um gosto bastante amargo. Muito mais do que o seria, se fosse meses atrás.

    Escrever, sem chance.

    Por outro lado, a porta da música abriu. Tenho tocado e realizado muito mais melodias. E mesmo a distância da banda, percebi que todos começaram a tocar e criar bem mais, se arriscar, fazer belas peças.

    O problema é que a maioria dos livros bons tem a Morte como personagem central, é só perceber.... Ela está lá, como um impulsionador, como algo a ser evitado, algo a ser superado. Até em comédias, há a morte, a efemeridade presente.

    Então a literatura é muito direta em nos lembrar da mortalidade.

    Acho que é uma questão de baque. As palavras escritas são muito fortes. Vai demora rum pouco para nos calejar. Tenho certeza que algo de bonito irá vir depois, como o Renascimento após a Peste Negra. Como a ficção científica mudou muito pós guerras mundiais.

    A cultura dará a resposta adequada para adequar o mundo, só respirarmos um pouco.

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