Você passaria no Teste Voight-Kampff?

Um tempo atrás eu joguei no Twitter a seguinte pergunta: a criatura do romance Frankenstein, de Mary Shelley, passaria no Teste Voight-Kampff, de Blade Runner? A pergunta surgiu depois que eu escrevi um texto comparando as obras de Mary Shelley com os filmes de Blade Runner. Achei que seria interessante trazer a discussão para cá e ampliá-la. Será que você passaria no Teste Voight-Kampff?

Frankenstein e sua Noiva, arte de Mike Bell
Frankenstein e sua Noiva, arte de Mike Bell

O Teste Voight-Kampff é um procedimento fictício em Blade Runner em que se usa uma máquina voltada para o olho do suspeito. A imagem da íris é projetada em um monitor para facilitar a observação de suas reações. O investigador faz uma série de questões que deverão provocar uma reação na íris dos interrogados, baseado nas emoções por eles emitidas ou sentidas conformes as questões vão sendo feitas.

Em geral, um caçador de androides precisa de pouco mais de 20 questões para determinar se uma pessoa é ou não um androide. Mas não é bem assim que a coisa funciona na prática, como bem sabemos. Rachel passou por uma sabatina de pelo menos 100 perguntas para que Deckard pudesse determinar que ela era de fato uma androide. E depois se apaixonou por ela.

O teste tem um certo pé na realidade se pensarmos no Sistema Internacional de Imagens Afetivas, que inclui imagens perturbadoras de acidentes, cadáveres, guerras, coisas do tipo, com um equivalente número de imagens de flores, bebês sorrindo e gatinhos (esse teste foi aplicado em Niska na série Humans para determinar se ela era consciente ou não).

É possível medir a resposta emocional de uma pessoa através da velocidade com a qual ela repara na imagem e pela magnitude das reações que ela terá com cada uma. Pode haver reações como um aumento na sudorese, na frequência cardíaca e dilatação da pupila e por aí vai. O teste aplicado em pessoas com danos cerebrais mostrou reações fisiológicas até mesmo com imagens das quais elas eram incapazes de lembrar como de membros de sua família.

O Voight-Kampff não é um teste de inteligência, como algumas pessoas podem achar. O teste na verdade é um medidor de empatia. Basta ver o tipo de perguntas que Deckard fez à Rachel e ao primeiro androide. É sobre como eles reagiriam caso uma tartaruga estivesse de barriga pra cima ou caso o seu marido quisesse colocar um poster de uma bela mulher na parede. É como as pessoas reagiriam a determinadas situações. Na verdade, a própria Rachel aplica um teste em Deckard quando ele chega na sede de Tyrell. Ela pergunta:

- Gosta da nossa coruja?

Ela não pergunta algo como "impressionando com a nossa coruja?" ou "o que pensa da nossa coruja?". Rachel pergunta se ele gosta do animal artificial, ainda que Deckard não demonstre qualquer reação à coruja. A pergunta implícita de Rachel é para tentar pescar qualquer reação emocional de Deckard e é aí que muita gente considera que o caçador de androides também seja um. Aliás, Ridley Scott já afirmou que acredita que Deckard seja um androide que conseguiu se misturar aos humanos de tal maneira que agora aposenta os outros iguais a ele.

E aí vamos pensar em Frankenstein e em todos os androides humanos que conhecemos da ficção científica. Vamos pensar nos Cylons, de Battlestar Galactica. Alguns deles não passariam no teste, mas outros sim. Como distinguir cylons de humanos? O Dr. Baltar criou um teste em que identificava componentes sintéticos no organismo cylon, mas nós vimos no decorrer da série que nem todos os cylons concordavam com o extermínio da raça humana. E aí? Morte a todos eles?

A criatura de Viktor Frankenstein se torna um monstro quando não demonstram empatia por ele. Mas de início tudo o que ele quer é ser amado e aceito. E não é o que todas nós queremos? E Data, de Star Trek? Se o teste denota empatia, Data sem dúvida teria passado e com louvor.

Se o Voight-Kampff é um medidor de empatia, o que dizer dos psicopatas? Sabemos que psicopatas são bons em simular emoções, em analisá-las para depois imitá-las à perfeição. Mas não são capazes de sentir empatia, e nos casos extremos, chegam a matar. Um psicopata passaria no Voight-Kampff? Bem provável que não. Bem provável que muitos de nós, nervosos por termos nossa humanidade analisada acabasse não passando no teste também. Se tem gente que acaba reprovada no detector de mentira, um teste altamente duvidoso, o que dizer de um medidor de empatia?

É aí que a gente volta para a questão de "o que nos torna humanos?". Somos muito mais do que nossos genes. Somos toda uma intensa ampliação dos genes, da interação humana, da imitação e da complexa relação interpessoal ao longo da vida. Você não nasce humano, você se torna humano. Basta ver os casos de crianças que foram criadas na vida selvagem, na companhia de animais. Elas quase nunca se integram à vida em sociedade, andam de quatro, grunhem, caçam como animais. Se a capacidade de se tornar humano não for desenvolvida, ela nunca vai conseguir falar, estudar, crescer e se desenvolver.

Os androides em Blade Runner e, de certa maneira, os Cylons, em Battlestar Galactica, não nasceram, nem cresceram e se desenvolveram. Eles são cultivados. Podem até ter um corpo biológico, aparência humana, mas não passaram pelos estágios de crescimento e desenvolvimento de uma criança que se torna um adulto. E aí, eles são humanos? Note que nem estou falando de robôs conscientes. Estou jogando a pergunta sobre a humanidade deles. Simular emoções não é o mesmo que ter essas emoções e senti-las. E agora? Seriam os replicantes psicopatas?

São muitas questões. Eu nem pretendia responder a todas elas. Só queria jogar a discussão e trazer você para dentro dela. E aí, você passaria no Teste Voight-Kampff?

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