Resenha: Frankenstein, O Prometeu Moderno, de Mary Shelley

Esta deve ser a terceira ou quarta vez que leio Frankenstein. O livro nunca cansa, nunca sai de moda, sempre tem algo para você na próxima página, não importa quantas vezes você tenha lido. A edição da DarkSide está primorosa, não apenas pelo capricho com a arte, a capa dura, mas com o cuidado de colocar os prefácios das edições de 1818 e 1831, contos de Mary Shelley no final e uma resenha de Percy Shelley.

Este é mais um livro do Desafio literário 2017!



Parceria Momentum Saga e
editora DarkSide


O livro
Começamos com uma introdução da editora DarkSide falando sobre o cenário no qual Mary Shelley estava inserida quando sentiu a inspiração bater para escrever sua obra-prima. Reunida com o anfitrião, Lorde Byron e amigos, em uma noite tempestuosa, jogando conversa para lá e para cá, os convivas foram desafiados a escrever uma história de fantasmas após terminar sua leitura de Fantasmagoriana. Como rivalizar com os talentos ao seu redor, Mary pensava?


Esta introdução é vital para entendermos a construção da obra e os desafios a ela impostos. A obra definitiva difere em alguns pontos daquela primeira edição, revisada e ampliada pela própria Shelley. Aqui entendemos o conceito por trás do uso de Prometeu, as discussões sobre a verdadeira identidade do monstro, o perigo de se tentar desvendar os mistérios da vida.

Depois dos dois prefácios, o primeiro escrito por Percy Shelley e o segundo pela própria Mary, entramos na história, onde o capitão Robert Walton escreve para sua irmã, Margaret a respeito de sua penosa expedição, as agruras de viver sozinho, a saudade da família e conta curiosidades e fatos que presencia. Então um dia, ele avista de seu navio uma pessoa à deriva. E ao resgatar a pessoa, ele toma conhecimento de uma terrível história narrada por ninguém menos que Viktor Frankenstein.

Viktor tenta alertar seu anfitrião a parar de buscar a ciência, de não enxergar na aquisição desenfreada de conhecimento um fim para todas as coisas. Assim, ele narra sobre sua vida, sua vida de cientista, seu maior erro e qual era sua verdadeira missão.

- Homem infeliz! Compartilha de minha loucura? Também sorveu um líquido intoxicante? Ouvi, deixai-me revelar minha história, e você arrancará a taça de seus lábios!

Página 45

O capitão Walton toma notas sobre a vida narrada por Viktor, que depois narra em cartas para a irmã. Viktor admirava a ciência, os antigos mestres, queria tomar para si o segredo da vida. Como criá-la, como manipulá-la, ter seu controle, ultrapassando os limites divinos. Ao aplicar seus estudos galvânicos em partes de cadáveres, ele anima uma criatura que montou em seu laboratório com partes de corpos e ela ganha vida. Ao contrário do que vemos no cinema clássico e nas inúmeras ilustrações, a criatura não é verde. Horrorizado com a aparência do ser que criou, Viktor, como o grande egoísta arrogante que é, foge dela, a renega, adoece, sendo resgatado por seu amigo Clerval.

Viktor e a criatura começam uma relação de amor e ódio, à distância, mas Viktor sabe que ela espreita. Desprovida de humanidade, de amor ou compaixão, quando as demandas da criatura são negadas por seu criador, ela se torna verdadeiramente má. E ela não é aquele ser desarticulado que o cinema perpetuou, mas sim uma pessoa polida, educada, culta, que se não fosse sua descomunal altura, passaria por um humano.

Mary Shelley discutiu bioética quando ninguém nem sabia o que isso era. Transportando essa discussão para o presente, podemos falar de clones, células-tronco. Mas também de como ainda excluímos o diferente, como ainda temos medo do desconhecido, como somos aterrorizados pela morte e obcecados pela juventude. Obviamente que não havia o conceito de rejeição de tecidos e fator rH de sangue na obra de Shelley, mas não é sobre a ciência da criação que Mary fala, e sim sobre a moralidade de quem se vale dela para usos imorais.

O que dizer da edição da DarkSide? Diferente de outros volumes da editora, peguei poucos erros de português ou de digitação. Com perturbadoras ilustrações entre os capítulos, a obra conta ainda com ilustrações do corpo humano ou partes dele. Foi muito acertada da decisão de colocar outros contos da autora no final, por onde ela segue tratando de assuntos como imortalidade, vida artificial, talvez guiados pela própria tragédia que significou a vida da autora.

Todavia, indago novamente, quem sabe contar os anos de metade da eternidade? Frequentemente tento imaginar por qual regra o infinito pode ser dividido. Às vezes, imagino o avanço da idade sobre mim. Já encontrei um fio de cabelo grisalho. Tolo! Eu lamento? Sim, o medo da idade e da morte muitas vezes se instala friamente em meu coração; e quanto mais eu vivo, mais temo a morte, mesmo abominando a vida. Tal enigma é o homem - nascido para perecer - enquanto guerreia, como eu, contra todas as leis estabelecidas de sua natureza.

O Imortal Mortal - Página 298


Ficção e realidade
Mary Shelley não deixa claro no enredo como que Viktor reanima o corpo da criatura, apenas mencionando o galvanismo em um dos prefácios. Assim podemos assumir que foi através da passagem de uma corrente elétrica, cena gravada no imaginário coletivo. Luigi Galvani foi um médico, investigador, físico e filósofo italiano, precursor dos estudos da bioeletricidade. Foi através de experiências com partes de animais que ele percebeu que uma perna se contraía ao ter uma corrente elétrica passando por ela, mesmo que o animal estivesse morto. Já existiam estudos sobre animais capazes de gerar descargas elétricas, como as enguias e isso levou Galvani a supor que existia um tipo de "energia vital".

Mas foi Alessandro Volta quem discordou dos experimentos de Galvani ao atestar que não havia necessidade de material animal para a condução da eletricidade. Foi assim que surgiu a pilha eletroquímica - a pilha voltaica - que usamos ainda hoje. Ninguém conseguiu criar vida a partir da eletricidade, mas o imaginário popular da época era esse e influenciava autores e cientistas do período.

Mary Shelley

Pontos positivos
Escrito por mulher
Ficção científica
Conflitos humanos
Pontos negativos
Personagens rasos
Viktor


Título: Frankenstein Ou o Prometeu Moderno
Título original: Frankenstein, or, The Modern Prometheus
Autora: Mary Shelley
Tradutora: Márcia Xavier de Brito e Carlos Primati (contos sobre a imortalidade)
Editora: DarkSide
Páginas: 400
Ano de lançamento: 2017
Onde comprar: na Amazon!



Avaliação do MS?
O que mais marca em Frankenstein é a dúvida que nos assola conforme avançamos na leitura: quem é o monstro? Um sujeito que, em nome da ciência, cria um ser que nem mesmo ele suporta e depois foge da responsabilidade ou uma criatura que foi feita à revelia, fruto da morte e de partes de cadáveres, que não consegue ser compreendida, é renegada e excluída? Quais são os limites para a ciência e para o cientista? O livro é marcado pelo abandono. Do capitão sozinho e isolado no Ártico, à criatura feita sem consentimento, a um Viktor frustrado, sozinho e aterrorizado.

Um livro para ler mais de uma vez. Recomendado fortemente.

Até mais!


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