Já li e ouvi várias vezes algumas pessoas falando que ficção científica é pessimista. Consigo entender porque elas acham isso, apesar de não concordar. Veja quantos enredos distópicos nós temos disponíveis, especialmente depois do sucesso de O Conto da Aia na televisão. As vendas dos livros clássicos como 1984, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451 aumentaram, pois as pessoas enxergam nos livros respostas e questionamentos para o nosso momento atual. A impressão que dá é que a FC só produz isso e, obviamente, fica uma impressão ruim na cabeça de alguns leitores. Será que não podemos ser melhores do que isso?
Sim, podemos. E olhe para a própria ficção científica. Veja Star Trek e diga se essa sociedade unida do futuro não é otimista. Doença, miséria, fome, todos os males da humanidade foram erradicados após o contato com os Vulcanos, que abriu as portas do universo para a raça humana que tomou consciência do quão ilógico o preconceito e a exclusão eram. Não é exigido que homens e mulheres estejam presos a estereótipos de gênero. Onde diplomacia e diálogo são mais importantes que torpedos fotônicos. Hopepunk é basicamente sobre isso.
Mas vamos às definições. Em um post no Tumblr, de 2017, a escritora norte-americana Alexandra Rowland escreveu:
O termo que ela usa no original em inglês é o grimdark, que é um gênero da ficção especulativa com tom, estilo ou cenário particularmente distópico, amoral ou violento. A Trilogia dos Espinhos, de Mark Lawrence, The Walking Dead, Batman, Worldbreaker Saga, de Kameron Hurley, O aprendiz de assassino, de Robin Robb, Berserk, de Kentaro Miura, são alguns exemplos de grimdark.
O hopepunk enfatiza aquilo que o grimdark rejeita: a importância da esperança e a noção de que há ideais pelos quais podemos lutar, não importa o quão difícil seja. É uma afirmação de resistir e lutar pelo o que é importante, é acreditar na mudança, é fazer uma escolha política consciente de lutar pelo o que é correto.
Nosso mundo violento, cínico e dilapidado por quem lucra mais, vê bondade, gentileza, fraternidade, como coisas de gente tola, de gente boba que vive sendo enganada pelos espertos. No Brasil isso é ainda mais exacerbado com a política do "jeitinho", de molhar a mão de alguém, de conseguir as coisas por baixo dos panos, de roubar a vaga entrando pela contramão no estacionamento só para sair ganhando. Quem firma o pé e diz não compactuar com isso é visto como um tonto.
O hopepunk diz que devemos nos importar com algo e que isso requer força, bravura. A questão aqui não é se submeter, nem aceitar as coisas como estão, mas sobre se levantar e lutar pelo o que você acredita. É defender outras pessoas, especialmente aquelas que não têm com quem contar, é exigir um mundo melhor, mais amável e tolerante e acreditar que podemos chegar lá se nós dermos as mãos e lutarmos juntos.
Podemos ver o movimento como uma contraposição ao momento atual do mundo, onde o individualismo, o radicalismo, estão crescendo e se apoderando de cargos políticos, desfazendo ou tentando desfazer o bem-estar social. Envolve desde a gentileza como forma de vida ao movimento slow work, que visa trabalhar o necessário para a sobrevivência, sem se matar 16 horas por dia num escritório. Basicamente é ir contra ao status atual de estar disponível 24hs por dia para o chefe, de se sentir mal por cultivar o ócio.
Podemos traçar um paralelo entre o hopepunk e o afrofuturismo no sentido de serem movimentos estéticos, envolvendo desde a literatura à música, as artes plásticas aos quadrinhos, cinema e dramaturgia. Aderir ao hopepunk não é fechar os olhos para as injustiças do mundo, mas sim reconhecer o potencial do bem e da gentileza na raça humana. Sabemos que somos capazes de grandes atos de crueldade e maldade, mas o mundo se uniu para ajudar o Haiti no grande terremoto. Obviamente que o país acabou abandonado depois disso, mas aquela centelha de ajudar o próximo, de mandar ajuda, chegou no momento de necessidade.
É essa a centelha do hopepunk. É lutar pelo o que é melhor, ainda que saibamos que não podemos ganhar a guerra, porque a batalha por si já prova o ponto do hopepunk. O movimento que tomou a comunidade de FC & Fantasia quando os Puppies tentaram tomar o prêmio Hugo é inerentemente hopepunk, pois a comunidade não deu prêmio para os indicados pelos painéis dos reaças e ainda impediu que eles tentassem novamente nos anos seguintes, levando aos indicados e ganhadores dos últimos quatros anos, como NK Jemisin e Cixin Liu. A mensagem da comunidade pra eles foi: racismo, misoginia e homolesbotransfobia aqui não.
Mas o que podemos considerar hopepunk na cultura pop?, você perguntaria. Algumas indicações:
O movimento que tomou a internet no Brasil logo após o resultado das eleições de 2018 é inerentemente hopepunk. A mãe da tatuadora, Thereza Nardelli, disse essa frase alguns anos atrás, quando a família passava por um momento delicado. Ele nos diz que mesmo com as adversidades, que mesmo com as nuvens escuras sobre nossas cabeças, não devemos nem podemos largar a mão de ninguém.
Arte de t1na |
Sim, podemos. E olhe para a própria ficção científica. Veja Star Trek e diga se essa sociedade unida do futuro não é otimista. Doença, miséria, fome, todos os males da humanidade foram erradicados após o contato com os Vulcanos, que abriu as portas do universo para a raça humana que tomou consciência do quão ilógico o preconceito e a exclusão eram. Não é exigido que homens e mulheres estejam presos a estereótipos de gênero. Onde diplomacia e diálogo são mais importantes que torpedos fotônicos. Hopepunk é basicamente sobre isso.
Mas vamos às definições. Em um post no Tumblr, de 2017, a escritora norte-americana Alexandra Rowland escreveu:
O oposto do gênero dark é o hopepunk. Passe adiante.
O termo que ela usa no original em inglês é o grimdark, que é um gênero da ficção especulativa com tom, estilo ou cenário particularmente distópico, amoral ou violento. A Trilogia dos Espinhos, de Mark Lawrence, The Walking Dead, Batman, Worldbreaker Saga, de Kameron Hurley, O aprendiz de assassino, de Robin Robb, Berserk, de Kentaro Miura, são alguns exemplos de grimdark.
O hopepunk enfatiza aquilo que o grimdark rejeita: a importância da esperança e a noção de que há ideais pelos quais podemos lutar, não importa o quão difícil seja. É uma afirmação de resistir e lutar pelo o que é importante, é acreditar na mudança, é fazer uma escolha política consciente de lutar pelo o que é correto.
Nosso mundo violento, cínico e dilapidado por quem lucra mais, vê bondade, gentileza, fraternidade, como coisas de gente tola, de gente boba que vive sendo enganada pelos espertos. No Brasil isso é ainda mais exacerbado com a política do "jeitinho", de molhar a mão de alguém, de conseguir as coisas por baixo dos panos, de roubar a vaga entrando pela contramão no estacionamento só para sair ganhando. Quem firma o pé e diz não compactuar com isso é visto como um tonto.
O hopepunk diz que devemos nos importar com algo e que isso requer força, bravura. A questão aqui não é se submeter, nem aceitar as coisas como estão, mas sobre se levantar e lutar pelo o que você acredita. É defender outras pessoas, especialmente aquelas que não têm com quem contar, é exigir um mundo melhor, mais amável e tolerante e acreditar que podemos chegar lá se nós dermos as mãos e lutarmos juntos.
Podemos ver o movimento como uma contraposição ao momento atual do mundo, onde o individualismo, o radicalismo, estão crescendo e se apoderando de cargos políticos, desfazendo ou tentando desfazer o bem-estar social. Envolve desde a gentileza como forma de vida ao movimento slow work, que visa trabalhar o necessário para a sobrevivência, sem se matar 16 horas por dia num escritório. Basicamente é ir contra ao status atual de estar disponível 24hs por dia para o chefe, de se sentir mal por cultivar o ócio.
Podemos traçar um paralelo entre o hopepunk e o afrofuturismo no sentido de serem movimentos estéticos, envolvendo desde a literatura à música, as artes plásticas aos quadrinhos, cinema e dramaturgia. Aderir ao hopepunk não é fechar os olhos para as injustiças do mundo, mas sim reconhecer o potencial do bem e da gentileza na raça humana. Sabemos que somos capazes de grandes atos de crueldade e maldade, mas o mundo se uniu para ajudar o Haiti no grande terremoto. Obviamente que o país acabou abandonado depois disso, mas aquela centelha de ajudar o próximo, de mandar ajuda, chegou no momento de necessidade.
É essa a centelha do hopepunk. É lutar pelo o que é melhor, ainda que saibamos que não podemos ganhar a guerra, porque a batalha por si já prova o ponto do hopepunk. O movimento que tomou a comunidade de FC & Fantasia quando os Puppies tentaram tomar o prêmio Hugo é inerentemente hopepunk, pois a comunidade não deu prêmio para os indicados pelos painéis dos reaças e ainda impediu que eles tentassem novamente nos anos seguintes, levando aos indicados e ganhadores dos últimos quatros anos, como NK Jemisin e Cixin Liu. A mensagem da comunidade pra eles foi: racismo, misoginia e homolesbotransfobia aqui não.
Mas o que podemos considerar hopepunk na cultura pop?, você perguntaria. Algumas indicações:
- Perdido em Marte, de Andy Weir
- A longa viagem a um pequeno planeta hostil, de Becky Chambers (e os outros livros da série)
- Uma coisa absolutamente fantástica, de Hank Green
- O ódio que você semeia, de Angie Thomas
- Carry On, de Rainbow Rowell
- Série Discworld, de Terry Pratchett
- Sense8
- Sailor Moon
- Parks and Recreation
- The Good Place
- Star Trek
- Brooklyn Nine-Nine
- Janelle Monae, Dirty Computer
O movimento que tomou a internet no Brasil logo após o resultado das eleições de 2018 é inerentemente hopepunk. A mãe da tatuadora, Thereza Nardelli, disse essa frase alguns anos atrás, quando a família passava por um momento delicado. Ele nos diz que mesmo com as adversidades, que mesmo com as nuvens escuras sobre nossas cabeças, não devemos nem podemos largar a mão de ninguém.
Até mais!
Aqui não há heróis ou vilões. Há apenas gente. Isso é hopepunk: esteja o copo meio cheio, meio vazio, o que importa é que tem água dentro dele. E isso é algo pelo qual vale à pena lutar.
Alexandra Rowland
Tem várias obras na listinha que eu adoro! rsrsrs Sense8, Star Trek e os livros da Becky Chambers sempre me trouxeram uma sensação de bem estar e esperança enormes, legítimos "feel-good"-movies-book-whatever! Vou procurar as outras indicações também.
ResponderExcluirBem legal!!! Ainda mais em tempo de obscurantismo, terra plana e alienação.
ResponderExcluirProf. Gilson
Olá! Achei o artigo muito bom e elucidativo. Ele me ajudou a ter uma ideia melhor sobre esse termo tão em voga, mas tão escasso de informação. Obrigado, capitã! Fim da transmissão.
ResponderExcluirPoxa, então meu livro Sobreviventes é um Hopepunk e não um Cyberpunk como imaginei. Não trabalho com heróis ou vilões, não há personagens centrais, mas núcleos de personagens e diversas tramas paralelas que geram consequências umas nas outras e todos querem apenas uma coisa, transformar o mundo de forma que possam viver do jeito que querem, nem que para isso precisem eliminar todos que se opuserem a isso (em alguns casos). Interessante. Excelente matéria, parabéns!!
ResponderExcluirÓtimo texto! A utopia existe para nos fazer caminhar!
ResponderExcluirAdorei. Conheci esse termo aqui no site. Lembro de ler o livro da Becky Chambers e sentir que aquela era a estória que eu gostaria de escrever, agora lendo sobre o hopepunk parece que estou me encontrando.
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