Resenha: A Quinta Estação, de N.K. Jemisin

Eu sabia que tinha em mãos uma obra poderosa, não apenas multipremiada, quando a Morro Branco enviou A Quinta Estação aqui para a nave da capitã. E ao mesmo tempo que queria chegar ao final, não queria que o livro acabasse e tentei esticar a leitura o máximo possível. N.K. Jemisin não apenas merece todos os prêmios que ganhou com esta saga, como este é um novo clássico da fantasia e da ficção científica.

Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco

O livro
Há uma arte em sorrir de uma forma que os outros vão acreditar. É sempre importante incluir os olhos, caso contrário, as pessoas vão saber que você as odeia.

Página 15

Começamos o livro acompanhando a tragédia na vida de Essun, que chega em casa e encontra seu filho morto no chão. E ela sabe que foi seu marido quem fez isso e ainda por cima levou a filha embora. Essun não pensa na morte e no corpo do filho para não enlouquecer. Sua vida passa a ser a perseguição ao marido para fazê-lo pagar pelo o que fez.

Resenha: A Quinta Estação, de N.K. Jemisin

Este é o mundo da Quietude, um continente assolado por intenso tectonismo. Ele já passou por diversos revezes em sua história, com a queda de comus (cidades) e impérios, devido à atividade das placas tectônicas que causam terremotos, surgimento de pontos quentes sob a crosta e tsunamis. Aqui existem os quietos e os orogenes (de orogenia, processo de formação das montanhas). Estes últimos são capazes de controlar as forças da terra, de acalmar terremotos, de destruir barreiras de corais. Era de se esperar que eles fossem especiais e reverenciados, mas na verdade eles são perseguidos, temidos, mortos apenas por serem quem são. Eles inclusive são chamados pelo pejorativo nome de "roggas", neologismo criado pela autora derivado de "nigga", que vem de "nigger", termo ofensivo usado contra negros.

Você fecha os olhos, sentindo dor e tremendo e pensando. Não. Eu matei Uche. Por ser sua mãe. Há lágrimas em seu rosto. E, nesse momento, você pensou que não podia chorar.

Página 78

Acompanhamos a dolorosa jornada de Essun pelas estradas atrás do marido e da filha. Em seguida conhecemos Syenite, uma orogene que estuda no Fulcro, uma escola para disciplinar os orogenes e Damaya, uma criança que descobre ser uma orogene, mas tem a sorte de não ser morta pela família: ela é resgatada por um Guardião e levada para o Fulcro. A vida destas três mulheres está incrivelmente entrelaçada e quando percebemos como é um momento de explosão mental.

As críticas feitas pela autora são poderosas, atuais, dolorosas. Suas mulheres são fortes, independentes, cheias de raiva e ressentimento, forjadas pela dor de um mundo que as odeia. Ser um rogga já é motivo suficiente para ser morto, uma imediata alusão à morte de jovens negros nas mãos da polícia apenas por existirem. Roggas são cercados de mitos danosos, como o de não sentirem frio. Morrem espancados e abandonados pelas ruas, sem nenhum respeito. Mães e pais rapidamente esquecem que tiveram filhos quando descobre que um deles pode ser um orogene.

Uma das personagens, Syenite, precisa ter relações sexuais com um dos maiores orogenes do Fulcro, porque isso pode gerar orogenes mais poderosos. Assim, o sexo é só uma obrigação chata que ela precisa cumprir com um homem que ela odeia. Jemisin se utiliza de várias críticas como essa em suas personagens, relacionamentos poliamorosos, o controle do Fulcro pelos Guardiões, que por sua vez controlam os orogenes. São tantas camadas profundas de discussão que uma resenha só não conseguiria comportar todas elas.

O final em aberto foi proposital, pois este é o primeiro livro de uma grande trilogia. O livro contém um mapa da Quietude, além de anexos contando sobre outras Quintas Estações que o continente passou e um glossário com termos utilizados pelos habitantes. Jemisin ainda se utiliza de termos diferentes para xingamentos e reclamações, por exemplo, como "pelas ferrugens da Terra!"

A edição da Morro Branco está linda, mesmo sendo de capa comum, com a capa original da obra em inglês. Tradução muito boa e poucos erros de digitação ou diagramação, sendo que eles não atrapalham a leitura.

Obra e realidade
Livro vencedor do Hugo Awards, Jemisin foi alvo da fúria dos Puppies que sequestraram o prêmio dois anos atrás, quando ela ganhou duas vezes seguidas a estatueta de foguete. Segundo eles, em sua maioria supremacistas brancos misóginos, racistas e homofóbicos, o Hugo agora é dominado por uma "pauta esquerdista feminazi comuna dos unicórnios satânicos" e que por isso tantas mulheres, negros, gays, trans* estavam ganhando prêmios. De acordo com eles e sua alucinação coletiva, os verdadeiros trabalhos, com qualidade, não estavam sendo premiados.

O Hugo tenta refletir o gosto do público ao máximo. Se você for membro pagante da organização que gerencia o Hugo, você tem direito ao voto nas categorias. Com um maior acesso às editoras, plataformas online e financiamentos coletivos, pessoas que até anos atrás ficavam de fora do mercado literário, estão tendo a chance de contar suas histórias. Quem diz que N.K. Jemisin, Nnedi Okorafor ou Cixin Liu não têm qualidade, só posso supor que seja recalque e incapacidade de fazer algo melhor.

N.K. Jemisin

NK Jemisin mora no Brooklyn, é psicóloga e conselheira educacional de formação e hoje é escritora em tempo integral. Foi resenhista do The New York Times por três anos e é também autora da Trilogia Inheritance, inédita no Brasil, além de vários contos. Mora com seu gato, Ozzy.

A ideia de que não somos humanos é apenas uma mentira que eles contam a si mesmos para não ter que se sentir mal pela forma como nos tratam...

Página 422

PONTOS POSITIVOS
A protagoista
Personagens bem escritos
Ciências da Terra
PONTOS NEGATIVOS

Final em aberto

Título: A Quinta Estação
Título original em inglês: The Fifth Season
Série Terra Partida:
1. A Quinta Estação
2. O Portão do Obelisco
3. O Céu de Pedra
Autora: Nora K. Jemisin
Tradutor: Aline Storto Pereira
Editora: Morro Branco
Ano: 2017
Páginas: 560
Onde comprar: na Amazon

Avaliação do MS?
Eu nem tenho mais palavras para descrever este livro, porque eu amei cada página, cada angústia, cada porrada na cara. Por ser centrado na minha área de formação, as ciências da Terra, eu me deleitava com termos que me são conhecidos há muito tempo. É uma fantasia poderosa, tanto em sua construção quanto em suas mensagens e que deveria ser aqueles livros obrigatórios para qualquer fã de ficção especulativa. Mal posso esperar pela continuação! Cinco aliens para A Quinta Estação e uma forte recomendação para você ler também.


Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. esta resenha resultou na leitura e discussão desta obra no Leia Mulheres Porto Alegre de junho de 2019. Muito obrigada.

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