Saíram os vencedores do Hugo Awards!

Prêmio Hugo
A premiação aconteceu neste final de semana, madrugada de sábado, 22, para domingo, 23, no Brasil. Este que é considerado uma das mais altas honrarias na ficção científica e fantasia finalmente foi entregue e nos mostrou que os Puppies não eram a maioria, tampouco tinham todo o peso que afirmavam ter. E quem ganhou muito com isso? A gente, claro!





Entendendo a treta
Como o babado é longo, vou deixar aqui os links para você saber o que aconteceu tim-tim por tim-tim.


Um resumo bem rápido: valendo-se das regras flexíveis de indicações ao prêmio, dois grupos de reaças insatisfeitos criaram painéis de votação e emplacaram entre os indicados autores e obras que eles gostariam de ver premiadas, de homens, brancos, cisgêneros e heterossexuais. Na cabeça deles, o prêmio foi dominado por uma conspiração esquerdista feminazi gayzista dos unicórnios satânicos e a maioria "perseguida" de homens-brancos-cis-heteros estaria sendo discriminada.


Os Puppies
Os ombros da comunidade de FC e Fantasia estavam tensos e não era para menos. Desde o chorume liberado pelo Gamergate e por todos os episódios machistas na Science Fiction & Fantasy Writes of America que as coisas andavam bem ruins. Já tem alguns anos que uma insatisfação de meninos brancos mimados em fóruns vinha rolando e crescendo, pululando aqui e ali, até que chegamos aos Sad e Rabid Puppies. Todos eles são homens, são brancos e são escritores de FC. Chegaram a ser indicados ao Hugo e nunca ganharam.

Só para a gente ter uma ideia, Vox Day (Theodore Beale), criador dos Rabid, falou que a ficção científica escrita por mulheres, que ele chama de "Pink SF" é uma invasão superficial que conta as mesmas histórias bobas e narcisistas, livros de "menininhas", que foram contadas várias vezes nos livros da Harlequin e em contos infantis de Hollywood. Ele ainda diz:

Pink SF é um câncer. É uma perversão parasitária. É aquela morte pequena que mata todo sub-gênero literário. (...) Pink SF são as meninas vindo brincar na caixa de areia dos meninos e cagando nelas como gatos.

Duvida? O original está no blog dele, mas para não gerar link, usei o naofo.de. Este é um sujeito que pensa que mulher só escreve romances e histórias de amor, e não há nada de errado nisso. É um sujeito tão desprezível que fica difícil encontrar uma classificação para ele no reino animal.

A principal alegação de Puppies e derivados é: os painéis criados por eles visavam reconhecer bons trabalhos, ao invés de apresentar uma agenda política. Entretanto, este argumento cai por terra ao analisarmos os indicados. Eles não escolheram escritores com enredos "divertidos", com ficção científica "de raiz". Eles optaram por indicar pessoas como John C. Wright, que disse que homens devem abominar homossexuais em nível visceral e Theodore Beale, que diz que os direitos das mulheres são ruins para a sociedade e que negros são incapazes de construir uma civilização avançada. A única intenção para a criação desses painéis era a de agredir e caçoar dos avanços rumo à maior diversidade e representatividade do gênero, com a inclusão de novas vozes na FC.

John C. Wright foi indicado cinco vezes para o Hugo deste ano e perdeu em todas as categorias. TODAS. Com mais uma ele podia pedir duas músicas no Fantástico. Wright é do tipo que não consegue escrever uma personagem feminina sem carregar nos esterótipos de gênero, que acha que devemos ser femininas e delicadas, a típica mocinha que vai gritar e ser resgatada pelo herói.


A reação do público
Para votar nos indicados ao prêmio é preciso pagar a membresia de US$ 40. Isso lhe dá o direito ao voto e lhe confere acesso às obras indicadas todos os anos. Em 2015, desde o anúncio dos painéis dos Puppies, o número de votos e de novos membros subiu vertiginosamente. Foram quase 6 mil votos, 65% a mais do que nos anos anteriores. As categorias emplacadas pelos Puppies e que mais incomodavam o público receberam No Award, ou seja, por não concordarem com os indicados, os membros optaram por conferir o prêmio a ninguém.

A ganhadora do Hugo 2015, Laura J. Mixon, na categoria de Best Fan Writer, fez um dos melhores discursos da noite:

Há espaço para todos nós aqui. Mas não há meio-termo entre 'nós pertencemos' e 'você não'. Acredito que devamos encontrar maneiras menos tóxicas para discutir nossos pontos de vista conflitantes. Estou com as pessoas dos grupos marginalizados que procuram, simplesmente, serem vistas como seres humanos. As vidas dos negros importam. [Laura é branca]

Uma coisa que os Puppies não perceberam, bem como todo mundo que apoiou os painéis (incluindo aí alguns autores brasileiros), é que não existe uma conspiração de esquerda. O que existe nestes últimos anos e na geração de autores e leitores é uma mudança de mentalidade. O mundo avançou - apesar de precisar de mais avanços - nas questões sociais, garantindo igualdade de direitos e maior visibilidade para as minorias que antes eram relegadas à obscuridade. Se Prêmio Hugo teve entre seus indicados livros que representem essa literatura, não é por uma conspiração, foi pelo gosto do público.

Paradise, I am coming, arte de Kimonas

Quem pegar uma obra clássica de FC pode observar toda uma ideologia ou uma crítica embutida no enredo. A FC nunca foi apolítica. Sempre houve uma ideologia que por muito tempo permaneceu dominante. Narcisistas inflados pelo ego frágil, como os Puppies e todos os seus apoiadores, se sentiram incomodados por verem que tinha mais gente escrevendo, mais gente tendo relevância no mercado do que eles e se irritaram. Isso não passa de pirraça.



Mike Resnick foi indicado 37 vezes ao Hugo, ganhando 5 foguetes. Em 1989, seu primeiro prêmio foi para Kirinyaga, um enredo que explora o conflito entre os valores ocidentais e as sociedades tradicionais africanas. Joe Haldeman, em Forever War, de 1975, falava de uma sociedade em que homossexualidade era a prática padrão. Robert Henlein, que ganhou o Hugo em 1960, com Tropas Estelares, fala de uma meritocracia futurista onde o serviço militar é uma virtude.

Mas esses caras são homens brancos. Eles podem e sempre escreveram dessa forma. O que realmente incomodou os Puppies é que não eram mais caras brancos fazendo todos esses enredos e até dando pinceladas de críticas, e ainda criando grandes aventuras espaciais. O problema foi mulheres escrevendo sobre mulheres, negros escrevendo sobre negros, gays escrevendo sobre gays, trans* escrevendo sobre trans*. As minorias se atreveram a escrever e isso lhes é intolerável. Os caras brancos podem ter voz e escrever sobre os outros, às vezes bem, muitas vezes mal, mas dar voz àqueles que a querem é um desafio para as pessoas que sempre estiveram no controle. Um desafio e uma afronta.

No prêmio de 2014 mais mulheres foram indicadas do que os homens. E entre os ganhadores temos Ann Lackie, com Ancillary Justice, um livro incrível onde não há distinção de gênero; The Water That Falls on You from Nowhere, de John Chu, sobre homossexualidade, e; o ensaio de Kameron Hurley, We Have Always Fought. Mais do que em qualquer ano, 2014 trouxe mulheres, negros e comunidade LGBTQ. Não é de se estranhar o que aconteceu em 2015.


Mas o recado nítido que foi entregue esta semana, onde quase 1/3 dos prêmios teve No Award, é: nenhum tipo de cruzada contra as minorias será aturada, muito menos premiada. Preconceito não é opinião. A comunidade reagiu da maneira que esperávamos e estará atenta para manobras torpes que visem destruir não só a ficção científica como também a possibilidade de trabalhos bons e de escritores marginalizados serem reconhecidos. O espaço é de todos e obras de caráter mais conservador existiram e sempre existirão, mas elas não podem dominar os painéis de votação, nem devem ser o padrão da produção porque não há padrão na raça humana.

Sabendo dividir, todos terão acesso e direito a competir de maneira igual. Só queremos espaço.

Até mais!

O bom trabalho foi premiado e as más ações penalizadas. Um pequeno grupo de pessoas tentou jogar com o prêmio em benefício próprio e um grupo ainda maior de pessoas valorizou a integridade da premiação, escolhendo No Award sobre os indicados dos painéis que manipularam o sistema.

John Scalzi


Leia mais:
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No ‘Puppy’ Love at Science Fiction’s Hugo Awards
What The Complete Puppy Shutout Means And Doesn’t Mean
Hijacking the Hugo Awards Won't Stifle Diversity in Science Fiction
Sad Puppies, Rabid Chauvinists: Will Raging White Guys Succeed in Hijacking Sci-Fi’s Biggest Awards?

PS: um fórunzinho de nerds reaças estava defendendo um dos líderes dos Puppies, dizendo que não tinha nada de preconceito na campanha já que um deles era casado com uma negra. Deixo esse texto aqui sobre a questão.
Deixar de ser racista, meu amor, não é comer uma mulata!



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