Os robôs de Extant

Extant durou apenas duas temporadas. A primeira foi muito difícil, apesar de ser uma série bem feita, pois envolvia aliens, robôs, inteligência artificial, gravidez não autorizada e viagens espaciais, tudo ao mesmo tempo. Era muita coisa para lidar. A segunda temporada mudou a série radicalmente, porém a audiência não subia e o cancelamento foi inevitável.

Mesmo assim, a série tocou em vários pontos extremamente pertinentes no que se trata de robótica. Desde Humans que o assunto é meio recorrente aqui, mas temos visto muita inteligência artificial rodando pela mídia na forma de séries de TV, especialmente, pois isso reflete um temor dos nossos tempos, mas com ecos do passado: a de que a raça humana possa ser superada por robôs. E Extant trabalhou com isso de forma muito bela na figura dos robôs Ethan e Lucy.

Os robôs de Extant



Ethan
Primeiro de tudo é preciso parabenizar o ator mirim Pierce Gagnon, pois sua interpretação de Ethan é incrível. Ethan é um robô. Ele é filho do criador do conceito por trás da Humanichs, John Woods. A filosofia da empresa é a de criar androides que possam aprender com e como os seres humanos. Assim como as crianças aprendem com os adultos, os robôs não podem ser programados com empatia ou inteligência, nem podem desenvolver uma consciência do nada, eles precisam crescer e evoluir como se fossem crianças, na visão de John.

John é casado com Molly, que é astronauta. Os dois adotaram Ethan, que é um protótipo da empresa e o tratam como um filho de carne e osso. E é uma relação familiar muito bonita, pois é possível perceber o amor dos dois pelo garoto. John leva Ethan para apresentações pelo país para mostrar que é possível ter robôs mais humanos se pararem de tentar programar coisas que não podem ser programadas. Para ele, os robôs só podem ser como os seres humanos se forem tratados como um, aprendendo e crescendo, amadurecendo ideias como um.

Obviamente o projeto enfrenta o preconceito das pessoas. Robôs podem ser uma ameaça à humanidade, uma ameaça ao emprego, à liberdade e, quem sabe, até à vida. Mas John consegue financiamento, novos laboratórios e equipamentos para continuar sua pesquisa. Ele firmemente acredita que um robô mais parecido conosco quebrará a robofobia que existe e o medo da inteligência artificial.

O que é mais interessante da história de Ethan é vê-lo aprender continuamente, adquirindo um repertório emocional cada vez maior. Podemos ver Ethan na frente do espelho estudando expressões faciais. Podemos vê-lo tendo empatia por um robô no parque, que foi vandalizado e de como ele se identifica com aquela máquina, até mais do que com os humanos, que muitas vezes o rechaçam, por se tratar de um robô. Ele é uma criança em todos os sentidos, exceto que não é humana. Ele precisa ser ensinado através do exemplo em diversas situações como qualquer criança.

A ideia original é criar a consciência do robô e injetar conhecimento nelas, porém munido de experiências, antes de transferi-los para um corpo. Foi assim com Ethan, que "nasceu" em um servidor, interagindo com humanos, lentamente, da mesma forma que acontece com um bebê que aprende a se equilibrar, a engatinhar, a andar, balbucia palavras. O que Ethan faz é nos colocar frente à frente à profundas questões filosóficas a respeito da possibilidade de uma inteligência artificial consciente se tornar real e de como agiremos caso isso aconteça.

Ethan e a mãe, Molly

As implicações morais são enormes. Se robôs como Ethan, ou como Niska, de Humans, possuem consciência, podem sentir dor e medo, amor e alegria, eles possuem direitos? Que tipo de obrigação ética nós teríamos com os robôs? Se eles tiverem seus direitos negados, poderão se voltar contra nós? E aqui entra uma grande diferença entre Ethan e Niska: enquanto o menino robô está aprendendo, crescendo e amadurecendo ao longo dos anos como uma criança, Niska é criada como uma adulta, mas possui o temperamento de uma criança, que não compreende uma série de coisas e reage da única forma que sabe e, no caso de Niska, é na base da violência.

Não é mais uma questão de programar as três leis da robótica nos robôs. Se a tecnologia continua evoluindo a passos largos, seria somente questão de tempo termos robôs domésticos. Humans e AI, Inteligência Artificial, demonstraram até onde vai a robofobia, com arenas de destruição de robôs para o deleite do público para reafirmar nossa humanidade. Se robôs ganharem direitos, o que a humanidade perderá, se é que perderá algo?

É aí que entramos no caso de Lucy.


Lucy
Lucy é a segunda geração de Humanichs. E a atriz Kiersey Clemons também deu um show no papel da robô. Ela vinha sendo alimentada no servidor da empresa com experiências e conhecimento, assim como foi com Ethan. Porém, a ameaça alienígena que assombra a Terra e as autoridades demandam que esses robôs sejam de uso militar, algo que John nunca quis. Sua visão era de interação entre humanos e máquinas no social, nunca como máquinas de guerra.

John é morto e quem assume a Humanichs é uma de suas especialistas, Julie Gelineau, que também assume a tutela de Ethan com a internação de Molly numa clínica psiquiátrica. Com o crescente interesse dos militares, e também com uma crescente pressão por resultados, ela apressa o experimento de Lucy e pula diversas etapas de desenvolvimento que seriam obrigatórias de acordo com os protocolos originais.

Lucy é moralmente ambígua. É engraçada, inteligente, mas é impulsiva, não é muito boa em aprender limites e não gosta de ser contrariada. Ao invés do corpo de criança de Ethan, ela "nasce" em um corpo de uma jovem adulta. Porém, os limites impostos pelos criadores dos Humanichs para impedir abusos de robôs imaturos não foram colocados em Lucy. Ela foi criada para ser uma arma caçadora de híbridos alienígenas e o faz muito bem. Ela vira uma máquina militar extremamente eficiente.

Tão eficiente que, quando tentam desligá-la, Lucy reage. Ela agiu de maneira totalmente diferente de Ethan, que se sacrificou para salvar a vida da mãe (mas depois consegue voltar em um novo corpo). A eficiência dos robôs é muito mais importante do que consciência, desenvolvimento e empatia. Um robô com empatia não pode matar, certo? Sendo assim, os militares pedem por todo um batalhão de Humanichs tendo a programação de Lucy como base para combater e caçar os híbridos alienígenas.

Lucy

Lucy age como Niska. Elas não passaram por todo aquele período de crescimento e desenvolvimento infantil, de aprender com os exemplos como no caso de Ethan. A principal reflexão destes robôs é sobre o que significa ser humano. Se um robô quiser ser um ser humano pleno, se quiser saber o que é ser como nós, ele terá que passar por todos os estágios de desenvolvimento que nós passamos. É algo semelhante a um clone. Nosso clone não terá nossas memórias, nem nossas vivências. No máximo terá nossa idade, mas em essência é um bebê num corpo adulto. Um robô dotado de consciência seria a mesma coisa.

Não temos ainda robôs domésticos tão avançados para limpar a casa, cuidar de idosos ou para crescer e se desenvolver como uma criança. Mas a tecnologia para isso está ao nosso redor. O carro sem motorista, o Siri, da Apple e o Google Now são hoje ferramentas impressionantes, que nos antecipam. Eles apenas não têm um corpo físico humano, mas podem nos fornecer respostas e dados sem que precisemos de muito esforço.

Fiquei espantada com o Google Now no dia em que ele me avisou que o trânsito estava muito ruim minutos antes de eu sair para o médico. O que ele fez: utilizando-se do localizador do smartphone, ele armazenou o trajeto que faço de ônibus até o consultório, calculou o tempo e a frequência com que saio de casa e estabeleceu a rota. Além de me dar a rota com o trânsito e o tempo previstos, também me informou do clima e o horário da linha do ônibus do bairro. Não é um Ethan, mas certamente é uma ferramenta de incrível precisão.

Nós não percebemos estes avanços porque eles estão em constante melhoria. Será que isso acontecerá com os robôs a ponto de eles desenvolverem consciência e só percebemos quando for tarde demais? Ou isso nunca acontecerá, pois nunca chegarão ao ponto de desenvolverem consciência? Nossa tecnologia não é capaz de simular consciência? Ou ela é uma evolução certa? São muitas as dúvidas. Mas o conceito da Humanichs é ótimo: ensinar os robôs igual faríamos com uma criança para que ele seja o mais humano possível.

Pode ser que não tenhamos robôs evoluindo e crescendo conosco, mas que tenhamos inteligência artificial em nossos gadgets e computadores. Eu teria saído de casa se a rota mostrasse acidente de trânsito?

Até mais!


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