Fim da civilização: água

Aprendemos, desde muito cedo, que água é vida. A vida não pode existir sem água, que nós todos somos formados por 80% de água, que o planeta Terra é formado por ¾ de água (doce e salgada) e apenas ¼ de terra (continentes e ilhas). São informações há muito tempo cristalizadas na nossa mente e levamos isso adiante sem realmente parar para pensar sobre o que isso significa. Sabemos que ela é algo vital para a sociedade, mas mesmo assim desperdiçamos e poluímos em níveis perigosos para a manutenção da civilização. E este é mais um post escrito por duas mentes maravelousas.







Alguns números sobre a água:

  • volume aproximado de água na Terra é de 1.360.000.000 km³
  • cobre 71% da superfície do planeta
  • 97% está nos oceanos
  • 2,4% em geleiras e calotas polares
  • 0,6% em rios, lagos e lagoas
  • 0,001% na atmosfera como vapor, nuvens e precipitação
  • 70% a 75% do corpo humano é composto por água
  • cerca de 783 milhões de pessoas vivem sem água potável no mundo
  • 1L de óleo contamina 20 mil litros de água potável

Além de tudo isso, existe a água que você não vê, mas que está lá:


Ou seja: a água é algo tão intimamente ligado à sociedade, à indústria e à manutenção da civilização que, sem ela, nós não duramos muito tempo.

Clima, água e o IPCC

A verdade é que nosso clima sempre mudou. O planeta passou por eras glaciais (e os seres humanos puderam testemunhar algumas). Essas eras foram desencadeadas por uma série de eventos: vulcanismo e variações orbitais foram os principais fatores. Nosso planeta passou por extremos de temperatura (houve um tempo em que não havia gelo na Groenlândia, só como exemplo). Atualmente, boa parte do nosso planeta é monitorada meteorologicamente, ou seja, há um satélite, um radar ou uma estação meteorológica fazendo medidas da atmosfera em quase todos os pontos do planeta. Muitas dessas medidas são feitas há mais de 100 anos. Em outros casos, utiliza-se a paleoclimatologia para se estudar o tempo no passado (através da análise de testemunhos de gelo e de anéis de crescimento de árvores). Além disso, os modelos computacionais são importantes ferramentas dos meteorologistas. Com os modelos, podemos prever o tempo e o clima, resolvendo as equações que descrevem os movimentos das massas de ar e as trocas de energia.


Usando os dados medidos e os modelos meteorológicos, podemos fazer um prognóstico do tempo no futuro. E são essas ferramentas que os pesquisadores que fazem parte do IPCC utlizam. Esses pesquisadores (cerca de 300), indicados pelos governos de mais de 70 países participantes, analisam toda produção científica sobre mudanças climáticas. Relatórios são divulgados desde a década de 1990. O relatório mais recente dá informações alarmantes: as mudanças climáticas estão acontecendo em um ritmo muito acelerado. Além da elevação da temperatura média, mais eventos de secas ou chuvas intensas tem sido registrados. Recentemente, assisti algumas palestras sobre esse novo relatório do IPCC e a seca extrema em São Paulo, no último verão, foi mencionada.

Cientistas que fizeram parte da elaboração do relatório afirmam que as mudanças tem acontecido num ritmo mais intenso do que já se foi registrado antes. O derretimento do gelo, sobretudo no Ártico, e nos topos das montanhas mais altas, foi um ponto muito abordado. Será que podemos esperar que o mundo acabe como no filme Waterworld? Mesmo que todo o gelo derretesse, ele não cobriria todos os continentes. Temos terras altas, onde poderíamos viver. Mas a questão da elevação do nível do mar tem outras implicações.

Se o mar avançar para o interior dos continentes, além de acabar com cidades costeiras - e boa parte da população mundial vive a menos de 100km do litoral - pode contaminar reservatórios de água doce. Essa água deixará de ser própria para o consumo humano. Além disso, muitas comunidades andinas dependem da água do degelo para sobreviver. Um dos pontos levantados no último relatório é a segurança hídrica, que está ameaçada. E nesse relatório, dois pontos importantes foram tratados: o avanço da água salina e o recuo da água das geleiras permanentes nos topos das montanhas. A situação na América Latina é muito grave, com projeções de falta d’água já nesse século. Imagine viver em um mundo onde cada gota d’água é disputada? Talvez as gerações seguintes não saibam o que é um banho de piscina ou um banho demorado. Ou mesmo nem venham a saber o que é um banho diário em um chuveiro.

1,5 milhão de crianças morrem todos os anos por beberem água poluída.

Com a elevação das temperaturas e com a mudança nos regimes de chuva e seca, teríamos enormes desafios na produção de alimentos. Muitos especialistas falam que os alimentos geneticamente modificados, para sobreviverem às novas condições climáticas, são a chave para evitar a fome em massa e para reduzir o custo dos alimentos. No entanto, alimentos geneticamente modificados ainda é um tema muito debatido. Não se sabe, por exemplo, se a ingestão desses alimentos é totalmente segura.

Além da questão da mudança climática, precisamos lembrar que alteramos muito o ambiente, não apenas emitindo gases de efeito estufa. A contaminação dos solos e das águas, a erosão e o mau uso da terra são somados à questão climática, criando condições completamente desfavoráveis para o nosso desenvolvimento. Nós degradamos nossa própria água. Cachorros e gatos, normalmente, não fazem xixi na água de beber. Mas nós fazemos isso. É só observar o Rio Tietê, que cruza a cidade de São Paulo totalmente morto e o Rio Pinheiros que é mais uma lagoa morta do que um rio.

Se não mudarmos nossa forma de produzir e consumir, teremos sérios problemas e, de acordo, com as previsões do IPCC, já estamos sentindo as adversidades, o que se agravará nos próximos anos. Haverá muita fome, associada ao aumento da miséria e, infelizmente, a população pobre dos países em desenvolvimento será a mais atingida. A ganância é um grande mal que consome a humanidade e a crise climática vai criar novos pobres e vai fazer aprofundar ainda mais o abismo social. Somadas, poderemos vislumbrar a morte de milhões de pessoas unicamente por falta d'água.

Reservatório do Sistema Cantareira

Guerras por água

É possível até pensar em um futuro distópico, pós-apocalítico, com uma terra devastada coberta por ossos, miséria, pobreza, solos em que nenhuma alimento cresce ou animal sobrevive. Quem leu a série A Torre Negra (por favor, pessoas de Hollywood, façam uma adaptação), sabe que Roland Deschain vive no Mundo Médio. Por lá, o mundo seguiu adiante. Há paisagens ressecadas, terras devastadas, máquinas quebradas (sobras de um mundo desenvolvido, o mundo dos antigos) e que ninguém sabe para que servem. O nosso mundo pode ficar assim também, se seguir adiante dessa maneira. O livro Silo, de Hugh Howey segue por um caminho semelhante, mostrando um mundo tóxico, que obrigou a população a viver em um imenso silo subterrâneo e quando precisa punir pessoas, as envia para fora.

Em 1995, o vice-presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, afirmou que "as guerras no próximo século acontecerão por causa da água". Ao analisar o fenômeno do El Niño, que em ciclos de três a sete anos provoca aumento na temperatura e diminuição no volume de chuvas, pesquisadores descobriram que, nos 90 países tropicais afetados pelo fenômeno climático entre 1950 e 2004, o risco de uma guerra civil dobrou, passando de 3% para 6%. Associada a fatores sociais, políticos e econômicos, onde já existem tensões latentes, o clima pode ser a fagulha que faltava para uma guerra civil. O filme 007 Quantum of Solace tratou da questão da privatização da água e seu monopólio por empresas privadas, tirando este recurso essencial de populações mais pobres.


Em 2000, 1,2 bilhão de pessoas não tinham acesso à água potável. Até 2025, serão 3,4 bilhões. A seca e a falta d'água para manter os habitantes levaram a civilização maia à queda. É bem provável que a civilização do Vale do Indo também tenha ruído por conta das mudanças regionais no clima que levaram à seca prolongada. No Sudão, parte do conflito civil é pelo acesso à água, bem como o controle das Colinas de Golã, no Oriente Médio, onde nasce o Rio Jordão. A humanidade está disposta a pagar o preço por sua negligência?

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