Resenha: Guerras por Água, de Vandana Shiva

Comprei este livro na época das aulas de Hidrologia na faculdade. E fiquei bastante impressionada com a situação da água ao redor do mundo, em especial nos países pobres. O Brasil, por sua riqueza de corpos d'água, rios caudalosos e piscosos, tem gente que se dá ao "luxo" de varrer a calçada com o esguicho. Mas em outras partes do planeta, as pessoas morrem por não terem acesso ao bem mais básico da humanidade: água.





O livro
Vandana Shiva é uma física e ambientalista indiana. Pensadora e ativista ambiental reconhecida mundialmente, ganhadora de vários prêmios por seu trabalho de conscientização sobre o uso correto dos recursos naturais, especialmente a água. Sua militância se concentra na Índia, onde luta pela preservação das florestas, pelo reconhecimento das sementes como patrimônio da humanidade e dirige vários projetos de viés ambiental, feminista e sustentável.

Resenha: Guerras por Água, de Vandana Shiva


Guerras por Água: privatização, poluição e lucro, mostra a maneira como a água tem se tornado mercadoria em várias partes do mundo, privando as pessoas do acesso básico a algo que deveria ser gratuito. Ele analisa a privatização da água e a ligação dela com a agricultura comercial, especialmente as monoculturas, o que tem levado a agricultura tradicional e autossustentável do interior dos países à decadência.

Relata como que no interior da Índia uma massa de desempregados tem migrado para as cidades, pois as pessoas perderam suas propriedades no interior ao não poderem pagar pela água privatizada para arar seus campos, já que ela está agora nas mãos de companhias inglesas e norte-americanas. As estimativas sugerem que quase 2 bilhões de pessoas não possuem água adequada para beber no mundo. É uma tragédia sem precendentes.

Cerca de 4500 crianças de 0 a 5 anos morrem todos dias por falta de água potável para consumir. Os relatórios da ONU indicam falta de água de crônica a aguda em: Israel, Índia, China, Bolívia, Canadá, Gana, Estados Unidos e em quase todas as grandes regiões metropolitanas do mundo, inclusive no Brasil. São Paulo já consome água de Minas Gerais para abastecer apenas a Grande São Paulo. A situação é tão grave que o governo da Malásia instituiu a pena de morte para quem for pego contaminando e poluindo os corpos d'água. O vice-presidente do Banco Mundial em 1995, Ismail Serageldin, disse:

Se as guerras deste século foram disputadas por petróleo, as guerras do próximo século serão travadas por água.


Não estamos muito longe dessas estatísticas. Grandes cidades sofrem com alagamentos absurdos nas estações chuvosas, mas são incapazes de limpar seus rios e de fornecer saneamento básico e água limpa de qualidade para sua população, o que preveniria problemas de saúde que custam milhões de reais ao sistema público. E cada vez mais há estados brasileiros privatizando suas companhias de água, indo na contramão do restante do mundo desenvolvido, que estatizou várias empresas depois da catástrofe neoliberal.

O livro é bem curtinho, o que é uma pena, pois a prosa de Vandana faz com que a leitura seja agradável de acompanhar, ainda que o tema seja urgente. Uma pena que a tradução peque em vários momentos. Por exemplo, nenhuma medida foi convertida para o nosso sistema métrico. Então a menos que você saiba de cabeça quantos litros têm em uma galão, terá que fazer a conversão.


Obra e realidade
Em 2008, Quantum of Solace, um dos filmes da franquia de James Bond, tratou sobre a guerra entre países e empresas pelo controle de um líquido vital para a civilização. Ao contrário do que se poderia pensar não era sobre petróleo que eles falavam e sim sobre a água. Empresas e mafiosos negociavam golpes de estado por contratos sobre a água dos países e em troca financiariam as revoluções.

No filme, o exemplo é a Bolívia. De fato, o país privatizou o sistema de água de sua terceira maior cidade, Cochabamba, em 1999 sob pressão do Banco Mundial, o mesmo banco que declarou a citação acima. A pressão foi feita, pois o banco não renovaria o contrato de US$ 25 milhões de ajuda financeira a menos que melhorias fossem feitas na estrutura de distribuição do país. As tais melhorias na rede vieram com aumentos de 100% no valor cobrado pela água, que deveria ter sido repassado apenas às indústrias, e muitos moradores não puderam arcar com isso.

Até mesmo a água da chuva ficou proibida de ser colhida e usada. Passeatas e protestos de produtores rurais, agentes de saúde, moradores e comerciantes da cidade levaram à desordem civil. As revoltas populares foram tão grandes, que o governo precisou impôr lei marcial, mandou o Exército às ruas ferindo e matando os protestantes, e depois de um impasse contra os revoltosos, o contrato de privatização foi cancelado em abril de 2000.

Não foi apenas na Bolívia que isso aconteceu. Protestos ocorreram no Paraguai, na África do Sul e nas Filipinas. Os protestos baseiam-se principalmente:

  • nos riscos aos recursos naturais com a privatização da água;
  • implicações econômicas sobre a mercantilização da água e dos sistemas de distribuição;
  • privatização de um bem mundial que deveria ser gratuito e seu controle por empresas estrangeiras;
  • desigualdade na distribuição desta água;
  • exclusão das comunidades tradicionais das tomadas de decisão;
  • a privatização pode ser irreversível caso não dê certo;

A falta de água está matando e não apenas crianças. Lee Kyung Hae, líder dos agricultores sul-coreanos, vindo de uma região onde as pessoas morriam e matavam pela crise de água, subiu na cerca onde a reunião da Organização Mundial do Comércio acontecia, e enfiou uma faca no coração em protesto às privatizações e o controle da água por megacorporações. Ele morreu no hospital horas mais tarde. Este é o novo colonialismo, apenas não vem em navios.

A autora dá um bom exemplo de como a água privatizada utilizada na agricultura industrial tem causado mais danos do que benefícios. Cultivos altamente consumidores de água têm ocupado o espaço de culturas antes nativas, que preservavam o solo e as fontes de água. A Revolução Verde empurrou o mundo para os cultivos de trigo e arroz, que necessitam cerca de três vezes mais água do que as variedades nativas.

A introdução de mais água em um sistema que não tem capacidade para suportar tal drenagem, gera inundações, salinização e desertificação. Cerca de 25% das terras irrigadas nos Estados Unidos sofrem com salinização e desertificações. O maior aquífero dos Estados Unidos e um dos maiores do mundo, o Ogallala, que cobre uma área de 450.000 km², e que não tem recarga (entrada de água no sistema), já se encontra debilitado e tem deixado de abastecer cidades e plantações.

Vandana Shiva


Vandana Shiva é uma filósofa, física, ecofeminista e ativista ambiental indiana. Ela é diretora da Fundação de Pesquisas em Ciência, Tecnologia e Ecologia, com sede em Nova Déli, e uma das líderes e diretoras do Fórum Internacional Sobre Globalização.


Pontos positivos
Ótima análise da água mundial
Preocupação com a privatização
Visão das comunidades tradicionais e sua relação com os recursos hídricos
Pontos negativos

Medidas não foram convertidas para nosso sistema métrico


Título: Guerras por Água: privatização, poluição e lucro
Título original: Water Wars: Privatization, Pollution And Profit
Autora: Vandana Shiva
Tradutor: Georges Kormikiaris
Páginas: 178
Editora: Radical Livros
Onde comprar: na Amazon


Avaliação do MS?
Para entender o grave quadro de crise da distribuição da água, o desperdício, a privatização e as guerras que virão se nada for feito (e duvido que seja), este é um livro muito importante e ouso dizer essencial. A autora não nos poupa do quadro crítico de alguns países do mundo e descreve os cenários que recairão sobre as nações se as políticas de distribuição, consumo e preservação da água não sejam voltadas ao abastecimento da população. Leitura essencial.

Até mais!


Veja também:
The New Economy of Water (em PDF e em inglês) Blue Gold - o documentário está no Youtube, legendado em português. Clique e vá para a página.


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