Ficção científica e o Princípio de Smurfette

Já comentei aqui algumas vezes sobre o Princípio de Smurfette. Não tinha escrito nada ainda porque outras blogueiras já tinham levantado essa bandeira e muito bem, mas percebi que não tinha ainda falado sobre isso com relação à ficção científica. Infelizmente, é possível ver que o princípio ainda permeia muitas obras de FC, seja no cinema, seja na TV. E até nas refilmagens de ótimas franquias ele tem dominado.





Caprichei nas imagens para que as Smurfettes fiquem visíveis em imagens de elenco e pôsteres dos filmes. Claro que existem filmes femininos ou voltados para o universo feminino, mas eles ainda constituem uma minoria na indústria do cinema e muitas vezes estereotipam as mulheres mais do que as representam.

Ficção científica tem todo o potencial para ser um gênero libertário, onde novas formas de sociedade, de vida e de relacionamentos poderiam ser explorados. Já falei sobre isso várias vezes e em como ela, normalmente, falha neste quesito. Sobre a falta da representatividade, sobre o sexismo, sobre arranjos familiares, esse tema é bem recorrente aqui no Saga.

No entanto, depois de ler o post da Gizelli, sobre o Princípio de Smurfette, é que comecei a reparar melhor em filmes e séries que normalmente assisto e curto. Ou mesmo filmes que nem sejam, especificamente, sobre ficção científica, mas que repetem essa fórmula à exaustão. Mas primeiro, uma definição sobre o que é este tal princípio, dada pela própria Giza, lynda e maravelousa:

Um dos clichês que envolvem a representação feminina na TV, quadrinhos, jogos, cinema, literatura e etc, é o "Princípio da Smurfette". O termo foi cunhado por Katha Pollitt em 1991, para o NY Times.O texto de Pollitt foi motivado pela dificuldade que ela encontrou em oferecer para a filha dela histórias em que houvesse uma representação feminina adequada. (...) Os smurfs eram pequenas criaturas azuis que viviam em uma comunidade exclusivamente masculina, exceto por uma personagem, a Smurfette. O princípio da smurfette trata exatamente dessa desigualdade numérica entre personagens femininas e masculinas que é recorrente.

Smurfette, se você lembra do desenho e do filme Os Smurfs, era a única mulher em meio a todos os smurfizinhos. Ela, na verdade, foi uma criação de Gargamel para atrair os Smurfs para uma armadilha. Ela, no entanto, gosta de ficar com eles e pede para Papai Smurf que ele a transforme e ela se torna uma smurf do bem. Até seus cabelos mudam de cor, de preto para o loiro dourado ao qual estamos acostumadas.

Um exemplo do princípio em Predadores. 

Este princípio é uma tentativa porca de fazer com que filmes ou séries, até mesmo livros, pareçam ser super democráticos ao incluir em seus enredos um representante que não seja branco, homem e heterossexual. É tipo um faz de conta para fazer parecer que tudo ali é super democrático para todos. Mas basta ver como essas obras abundam para notar que não tem nada de democrático nisso. E o princípio é mais aplicado às mulheres, mesmo que sejamos 51% da população mundial, ainda somos minoria em vários enredos.

Um exemplo do que estou falando é em uma das minhas séries favoritas, que é Stargate SG-1. A principal equipe da Montanha Cheyenne tem apenas uma mulher, a coronel Samantha Carter. E a série também repete o clichê clássico de ter uma mulher como chefe da área médica. E durante dez temporadas, quase que integralmente, tivemos um homem branco no comando, exceto por dois episódios.

Stargate SG-1.

Em Stargate Atlantis, a coisa melhora um pouco. Temos uma mulher como líder da expedição em Atlantis. Mas a outra mulher da equipe, Teyla, em geral, aparece com barriga e pernas de fora, representando um componente exótico da galáxia Pégaso. Mas Ronon, que também faz parte da equipe e é igualmente exótico, não anda desnudo pela cidade.

Stargate Atlantis.

A líder de Atlantis, dra. Elizabeth Weir, morre para salvar o grupo - de homens - na terceira temporada. A líder seguinte, coronel Carter fica um ano no comando e depois é substituída... por um homem. E também em Atlantis, temo um episódio - Whispers - na quinta e última temporada da série, onde aparece uma equipe composta apenas por mulheres. Os dois personagens homens da série, coronel Sheppard e o doutor Becket, comemoram o fato de estarem cercados de "garotas", com um cumprimento típico de quem se dá bem logo na abertura do episódio.

Whispers, sétimo episódio da quinta temporada - Stargate Atlantis. 

Star Trek, nos anos 60, foi pioneira em muita coisa. Uma mulher negra como oficial de uma nave, várias mulheres em posições de destaque, o primeiro beijo inter-racial da TV. Inspirou tanta gente ao longo do tempo, que sua importância para a sociedade supera as áreas do entretenimento. Mas na versão de 2009, as mulheres perderam seu lugar de destaque na nave, tendo aparições esporádicas e apenas uma mulher de destaque no filme inteiro.


O que dizer de The Big Bang Theory? Eu deixei de assistir porque não aguentava mais dois personagens nojentos, Raj e Howard, sem contar a patética mudez de Raj perante qualquer mulher e o modo como Penny era assediada e constantemente rebaixada, como se fosse completamente burra, em vários episódios. Eles colocaram mais mulheres? Claro, mas elas continuam carregadas de estereótipos ridículos. São várias as vezes em que mulheres têm seus gostos ou aptidões diminuídas perante a inteligência dos homens. E se alguma delas não conhece os pormenores do universo nerd e geek, ela parece ser algo de outro mundo. Para mim, TBBT é uma das séries mais nojentas que existem quando se trata de representatividade feminina na televisão.


Outros exemplos do princípio em FC e não FC:

60 Segundos

A Origem

Pacific Rim

Os Vingadores

Clube da Luta

Onze Homens e um Segredo

Aí, alguém (como sempre) vai rebater: "Aff, que exagero, você ignora as personagens que aparecem em outras partes dos filmes ou seriados". Sim, de fato, temos outras mulheres que aparecem, ocasionalmente, aqui e ali, muitas vezes sem falar uma palavra. Mas estes personagens são incidentais. Aliás, pode reparar que em vários dos filmes acima, se um personagem de pouca relevância aparece, ele quase sempre é uma mulher. Dos filmes e séries acima é quase uma regra: temos um universo controlado por homens e por seus problemas e dilemas existenciais ou financeiros, onde eles definem as regras, onde têm seus valores. As mulheres existem em função dos personagens masculinos, como acessórios ou decoração sexy. Transformers é um ótimo exemplo.

Uma coisa horrível de se ver é homens relativizando isso, como se a gente estivesse reclamando de barriga cheia. É o que eu sempre falo, privilégio cega e quando você acusa alguém de ser privilegiado e de não enxergar isso, normalmente a resposta é agressiva, com pitis e escândalos de que estamos sendo injustas. Apenas pare para pensar ao invés de reclamar e procure estudar os apontamentos feitos para entender não apenas o Princípio de Smurfette, mas também o Teste de Bechdel, que também aponta a parca representação feminina nos filmes, livros e séries.


Leia também:
What Is “The Smurfette Principle”?
Colchões do Pântano: O Princípio da Smurfette
The Smurfette Principle
Representação feminina: O princípio da Smurfette
O princípio Smurfette


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