Resenha: Nós fazemos o mundo, de N.K. Jemisin

N.K. Jemisin já é uma das minhas autoras favoritas! Na Duologia das Grandes Cidades, Jemisin usa tropos clássicos da ficção científica e da fantasia para desconstruir autoritarismo, o racismo sistêmico, e o exclusão urbana, enquanto esboça os contornos de um futuro coletivo e equitativo. Porém, ela também não faz rodeios, mas não faz sermões nem propõe soluções fáceis. Jemisin não tem dó de quem está lendo.

Esta resenha pode conter spoilers do primeiro livro!

Parceria Momentum Saga e Ed. Suma

O livro
A metrópole de Nova York tenta se restabelecer desde que a cidade ganhou vida, com a sua alma dividida entre várias pessoas que são “avatares” dos bairros da Big Apple, bem como uma para a cidade como um todo e outra para a adjacente Jersey City, Nova Jersey. Todos foram reunidos para lutar contra um inimigo alienígena que atacou enquanto a cidade nascia. Nova York tenta persuadir as outras cidades vivas do mundo a se juntarem a ela na luta por toda a humanidade contra R'lyeh, a cidade alienígena que abriga horrores genocidas e é representada pela sinistra Mulher de Branco, enquanto os avatares da cidade enfrentam novos desafios.

Resenha: Nós fazemos o mundo, de N.K. Jemisin

A cidade está em movimento, e o movimento está ficando mais rápido com o tempo. A cidade está caindo, indo em direção ao tronco da árvore e ao brilho insuportável das raízes.

Cada avatar tem características próprias, complexas e intensas, tal como seus bairros originais. Uma rápida recapitulação dos avatares: há o quieto e taciturno Manny, a personificação viva de Manhattan; o artista Bronca, que é o Bronx; político/advogado (e ex-rapper) Brooklyn, que é, bem, o Brooklyn; o estudante e brilhante matemático Padmini, que é Queens; a ansiosa Aislyn, avatar de Staten Island que decidiu não se unir aos demais nas batalhas do livro anterior; e Veneza, que é Jersey City, e interveio quando Staten se afastou.

Mulher de Branco tem chefes a quem deve explicações, utilizando táticas modernas para combater o crescimento destas cidades sencientes. Não é apenas Nova York que está em perigo, mas o mundo inteiro (e os mundos, para incluir o multiverso aqui). A Mulher de Branco influencia as pessoas e enfia seus tentáculos nas mentes dos cidadãos, tentando não apenas mudar o povo de Nova York, mas mudar a própria história da cidade e sua essência. É hora de Nova York e as grandes cidades reagirem de todas as formas que puderem.

Uma coisa que a autora deixa bem óbvio no primeiro livro e neste aqui é que esta é uma obra inspirada na divisão entre aqueles que abraçam as diferenças e aqueles que procuram um mundo sem elas, com um saudosismo colonial onde o mundo lhes parecia mais simples. É também um livro sobre a resiliência de uma cidade, neste caso Nova York, vista por muitos como a capital do mundo e justamente por isso muito visada, basta lembrar do 11 de Setembro de 2001. Mas além da tragédia, da exclusão e do racismo, esta é uma cidade que resiste e que pode evoluir para abraçar a diferença e torná-la um símbolo de força.

No posfácio, Jemisin foi bastante honesta sobre a produção deste livro. Originalmente era uma trilogia, que se tornou apenas dois livros. Nos últimos anos nós passamos por uma pandemia, por traumas coletivos e pessoais, e isso teve um efeito na escrita da autora. O maior ensinamento dessa saga é que merdas acontecem. Tal como mundo real, às vezes o mundo se torna perigoso e insalubre, as coisas parecem que nunca mais serão as mesmas, mas a gente segue lutando, segue matando um leão por dia. Seguimos em frente com a cara e com a coragem, com o apoio da família, dos amigos, mas de alguma forma a gente continua.

Quem não conhece a escrita e o estilo da autora pode achar esse começo de leitura um pouco confuso. Achei o começo até bem chato em um primeiro momento. Algo que fica bem evidente neste livro é que ele é mais corrido e apressado que o primeiro e os motivos Jemisin explica no posfácio. Uma vez que você conhece os personagens, submerge no dia a dia da cidade e na ameaça iminente, a leitura começa a fluir muito bem, pois a criação de mundo de Jemisin é criativa e cativante.

O livro segue a capa original em inglês. Logo no começo temos um mapa estilizado de Nova York, com nomes de alguns avatares. Achei a letra pequena e um pouco desconfortável de ler, tal como no primeiro livro, pois parecia que uma página se multiplicava em duas. A tradução foi de Helen Pandolfi e está ótima. O livro não tem problemas de revisão ou diagramação.

A gente dá conta. A gente é Nova York.

Obra e realidade
Milton Santos dizia que se você jogar uma bomba de nêutrons sobre uma cidade, tudo o que é orgânico vai perecer, mas as construções permanecerão de pé. É o fim da cidade. Uma cidade não se constrói com paredes, portas e janelas. Ela se constrói com pessoas. São as pessoas que dão significado e função a uma cidade. É o vai e vem de pessoas que determina a existência do transporte público. São as pessoas que determinam a existência de bairros e casas. Sem as pessoas tudo o que você tem são ruínas.

É por isso que cidades abandonadas, ruínas, ou a cidade vazia e parada durante a pandemia, dão uma impressão tão ruim. É a presença humana que anima uma cidade, que lhe dá vida, que lhe dá significado. Somos nós que damos sentindo aos espaços. Isso era uma coisa que eu falava para os meus alunos logo no começo das aulas, sobre o que era a geografia. E eu falava sempre da cidade, de como estudamos uma favela, um conjunto empresarial, um morro, um rio, olhando todo o conjunto do espaço e seus significados. Quando vemos a cidade pela perspectiva das pessoas e de suas necessidades, passamos a entender melhor as desigualdades e desafios das metrópoles.

Assim que li a sinopse do livro de Jemisin, me transportei novamente para as aulas de Geografia Urbana, quando nossa professora deu o exemplo da bomba de nêutrons. Tal como os avatares, precisamos defender a cidade - esse grande caldeirão de significados e pessoas - dos males ancestrais.

N.K. Jemisin

N.K. Jemisin mora no Brooklyn, é psicóloga e conselheira educacional de formação e hoje é escritora em tempo integral. Foi resenhista do The New York Times por três anos e é também autora da Trilogia Legado, lançada no Brasil pela Galera Record, da trilogia da Terra Partida e da duologia Dreamblood, pela Morro Branco. Mora com seu gato, Ozzy.

PONTOS POSITIVOS
Bem escrito
Trabalho gráfico
Crítica ao racismo e intolerância

PONTOS NEGATIVOS
Pode ser lento em algumas partes


Título: Nós fazemos o mundo
Título original em inglês: The World We Make
Duologia Grandes Cidades
1. Nós somos a cidade
2. Nós fazemos o mundo
Autora: N.K. Jemisin
Tradutora: Helen Pandolfi
Editora: Suma
Páginas: 416
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Se você procura uma fantasia que não envolva dragões, elfos e magos, então achou! Aqui os personagens não usarão varinhas mágicas, mas se valerão da própria arquitetura da cidade para lutar. Personagens perfeitamente irritantes e imperfeitos, muita discussão sobre desigualdades e preconceito e, claro, tudo isso em Nova York. Acho que poderia ter sido um livro apenas, mas ainda assim é uma grande saga. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 🏙️

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