Alien 3: uma metáfora para a AIDS

Entre os fãs da franquia Alien, uma opinião parece ser bem comum: a de que o terceiro filme é o pior de todos (eles ainda não tinha assistido a Alien Covenant). Infelizmente, o filme teve problemas desde o começo, do roteiro à edição final, da montagem às interferências constantes do estúdio no trabalho de David Fincher, mas é possível olhar para o filme e encontrar mensagens que são bem visíveis aos expectadores mais atentos. Uma delas diz sobre a epidemia da AIDS e de como o filme age como uma metáfora para ela.

Alien 3: uma metáfora para a AIDS?

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) foi reconhecida em meados de 1981, nos Estados Unidos, a partir da identificação de um número elevado de pacientes adultos do sexo masculino, homossexuais e moradores de São Francisco ou Nova York, que apresentavam sarcoma de Kaposi, pneumonia pneumocística e comprometimento do sistema imune.

Enquanto os dois filmes originais de Alien usaram sexo e violência na figura do alien e do facehugger, Alien 3 nasceu em uma geração que via o sexo como um ato que poderia ser mortal, vindo na esteira da epidemia da AIDS na década de 1980, com todas as novas precauções e a apatia de muitos governos conservadores em abordar o assunto com a população, já que os principais afetados pela AIDS vinham da população LGBTQIA+. O terceiro filme lida com a metáfora de uma maneira profunda, partindo da linguagem visual até mesmo às falas de seus personagens.

Dillon (Charles S. Dutton) é um dos prisioneiros e principal aliado de Ripley na caça ao alien pelas instalações da prisão. Dillon faz a homenagem a Newt e Hicks quando os corpos são cremados e ele diz neste momento: “Por quê? Por que os inocentes são punidos?” O discurso de Dillon sobre a morte de inocentes é igual ao utilizado pelo coletivo Gran Fury, compostos por artistas de vários segmentos que lutavam pela conscientização a respeito da AIDS. Um dos cartazes mais conhecidos do coletivo utilizava a frase: “Todas as pessoas com AIDS são inocentes”. E mesmo sem saber sobre a presença do alien nas instalações, a frase de Dillon também diz respeito à crueldade do monstro, que acaba por representar a AIDS no filme.

Dillon também personifica outro ativista pela conscietização, Larry Kramer, que nos final dos 1980, criou o ACT UP (AIDS Coalition to Unleash Power), de maneira a dar voz a uma comunidade silenciada, doente e morrendo, sem contar com a ajuda de seu governo. Em 1987, Kramer parafraseou seu artigo “1.112 and Counting” ao fazer um discurso para um grupo de pessoas LGBT+ em Nova York e esbravejou: “Se meu discurso esta noite não te assustar, estamos em sérios apuros. Se o que você está ouvindo não desperta raiva, fúria, fúria e ação, os homens gays não terão futuro aqui na terra. Quanto tempo leva para você ficar com raiva e revidar?"

E Dillon, no subsolo da prisão, reunido com seus irmãos, com Ripley, tenta convencê-los de que a companhia não virá para salvá-los e que se eles quiserem sobreviver, precisarão resolver isso eles mesmos: “Todos nós vamos morrer. A questão é como você prefere. Você quer isso de pé ou de joelhos... implorando?! Não sou muito de implorar. Ninguém nunca me deu nada. Então eu digo foda-se essa coisa. Vamos lutar contra ela!”

AIDS 1 em 61
A prisão onde a ação passa, Fiorina Fúria 161, também tem simbolismo. Quem procurar a iconografia LGBT dos anos 1980 vai se deparar com muitos pôsteres e materiais do coletivo Gran Fury. Um dos mais famosos diz que 1 em cada 61 bebês nascidos na cidade de Nova York naquela década tinham o HIV. Olha o 161 aí. O planeta em si é descrito como desolado, árido, rochoso, com temperaturas gélidas. É inóspito e isolado, um lugar para onde aqueles considerados perigosos para a sociedade eram enviados para serem esquecidos, como um leprosário. Mesmo depois de desativarem a prisão, um grupo de detentos decidiu ficar.

Sabemos por Dillon e depois pelo médico da instalação, Dr. Clemens (Charles Dance), que os reclusos cometeram crimes graves, como assassinato e estupro. Comparar a comunidade LGBT infectada pelo HIV dos anos 1980 com eles é um discurso preconceituoso, mas era exatamente esse o pensamento do público e até do governo, que achava que a AIDS era uma "punição divina". Pessoas LGBT foram jogadas nas ruas, condenadas ao ostracismo por amigos e familiares, vistas como se fossem tão perigosas quanto os criminosos presos em Fúria 161. Nas fases mais avançadas da AIDS, muitos hospitais agrupavam os pacientes em pisos isolados, onde acabariam por morrer, sozinhos e muitas vezes abandonados pela família e amigos. Tal destino recai sobre os prisioneiros de Fúria 161, que foram abandonados em uma rocha gelada e implacável, sozinhos e quase esquecidos.

Alien 3 foi o primeiro filme em que Ripley tem intimidade física com algum personagem. Para desviar a atenção do médico, que está suspeitando da história dela desde o começo, Ripley pergunta se ele a acha atraente. Em mais uma cena misturando sexo e violência, Clemens morre pouco tempo depois. E logo Ripley começa a demonstrar sinais de fraqueza, tossindo e cambaleando, até descobrir que está carregando um embrião de uma rainha no peito, recebendo um diagnóstico terrível, que simbolizava a morte. O alien representa o perigo, o contágio, a doença e agora Ripley se mostra doente e correndo contra o tempo. Tal como o embrião que cresce dentro dela, a AIDS também enfraquece as pessoas, tornando-as suscetíveis a outras doenças. As roupas largas, o aspecto magro de Ripley, apenas reforçam visualmente a metáfora.

É difícil saber se todas as metáforas foram intenções reais dos roteiristas, porque o filme recebeu tantos tratamentos antes das filmagens começarem, que é complicado traçar todas as origens. Igualmente difícil é olhar para o filme da mesma maneira depois de notar todas as semelhanças com os estágios da epidemia, seus simbolismos, dados e fatos. A ideia de que a alegoria está toda presente no filme não é nova e nem foi vista somente em Alien 3. Em O Monstro do Ártico, de John Carpenter, há semelhanças com os estágios da epidemia.

Também é preciso considerar que Sigourney Weaver foi a produtora executiva de Alien 3 e sempre foi ativista pelos direitos LGBT+, tendo perdido dois amigos para a AIDS durante os anos 1990. Ainda que nunca tenha falado abertamente sobre o filme e suas metáforas, é possível que de forma inconsciente a produção tenha trabalhado os temas ao perder membros da equipe para a doença? O ator Ralph Brown (85 no filme), por sua vez, em um podcast sobre Alien 3, explica os significados de cada um dos três filmes e afirma que Alien 3 é sobre a AIDS.

Seja como for, a ficção científica tem uma longa tradição de trabalhar metáforas em enredos fictícios. Este não seria o primeiro. Se você nunca reparou que Alien 3 trazia essa mensagem, dê uma nova chance ao longa.

Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

Form for Contact Page (Do not remove)