Resenha: Anatomia, de Dana Schwartz

O que me chamou a atenção neste livro foi essa capa lindíssima. Ver essa dama de vermelho com um vestido em forma de um coração anatomicamente correto, inclusive com suas veias e artérias me deixou muito curiosa. Comecei a ler sem nem ter passado os olhos pela sinopse e não me arrependi. Livro indicado pelo Clube de Leitura de Reese Witherspoon, um romance gótico, uma história de amor, mas não como você imagina!

O livro
O cenário é a Escócia do século XIX. A cidade nesta época era um caldeirão fervilhante de novas ideias e intelectuais. Mas caso uma mulher quisesse fazer parte deste círculo, seu acesso seria negado. Hazel Sinnett nasceu em uma família rica, influente e está prometida a um primo pomposo desde o nascimento. Mas ela é uma moça curiosa, inteligente, que devora os livros na biblioteca do castelo e enche cadernos de anotações anatômicas até manchar os dedos com tinta. Seu maior desejo: se tornar uma cirurgiã. Porém, ela sabe o quanto isso é difícil, ainda mais sem ter apoio da família, que praticamente não a nota depois da morte do irmão mais velho para a temível febre romana que assolou a cidade anos antes.

Resenha: Anatomia, de Dana Schwartz

Essa era a lição ensinada a moças de todos os lugares durante toda a vida - não seja seduzida pelos homens que conhecer, proteja sua virtude - até, claro, chegar o momento em que sua vida inteira vai depender da sedução pelo homem certo. Era uma situação impossível, uma contradição da sociedade: obrigar mulheres a viverem à mercê do homem que as desejasse, mas criticá-las por fazer qualquer coisa para que um homem as desejasse. Passividade era a melhor virtude.

Na mesma cidade onde avanços científicos incríveis acontecem, principalmente na área da medicina, uma necessidade macabra se faz bastante presente: cadáveres frescos para dissecação. Conhecidos como ressurreicionistas, Jack Currer é um deles e ganha uns trocados desenterrando corpos frescos que vende para a Sociedade Real de Anatomistas da cidade. É um trabalho perigoso, muitas vezes ingrato, meio nojentinho e totalmente ilegal. Porém, homens estranhos rondam os cemitérios e até alguns de seus colegas estão desaparecendo na noite. Jack sente medo, é claro que sente, mas fazer o que? Ele precisa da grana.

Os caminhos de Hazel e Jack se cruzam quando ela toma uma decisão: vai prestar o exame de medicina e se tornar cirurgiã depois de fazer um acordo com o coordenador do curso. Só que para fazer isso e aprender o necessário, Hazel precisa de cadáveres. Como estudar o corpo humano e suas doenças sem um corpo, não é? É aí que Jack entra e uma amizade improvável começa. Bem como uma parceria bem-sucedida. Jack acha Hazel uma dama peculiar, inteligente, determinada, muito diferente de outras damas, mas também acaba se afeiçoando a ela, querendo ajudá-la, enquanto lady Sinnett encontra em Jack uma parceria que, até então, não tinha encontrado com ninguém, já que ela é bastante sozinha por ser como é. Que mulher brilhante nunca se sentiu assim?

Os capítulos se alternam entre a visão de Hazel e de Jack, ainda que a visão dela seja maioria. Gostei muito da forma como a autora utiliza as paisagens de Edimburgo e seus arredores, principalmente seus cemitérios, para compor a narrativa, enquanto acompanhamos os protagonistas na ingrata tarefa de escavação de corpos. O ambiente gótico está muito presente e bem descrito, um prato cheio para quem ama este tipo de cenário. É possível sentir a brisa, o odor da mata, a chuva e o frio, bem como a textura dos tecidos e o odor dos componentes químicos no ar. Mesmo trabalhando com anatomia, não há termos complicados que possam deixar a leitur arrastada.

Esta não é bem a Edimburgo real, pois há diferenças sutis aqui e ali que foram liberdades tomadas pela autora que podem acabar incomodando leitores que esperam uma história mais puxada para o real. A mim não incomodou. Por exemplo, nesta época médico algum tinha noção da assepsia ou de infecções bacterianas, mas Hazel trata feridas e as limpa, inclusive suas mãos, prática que não era comum nem aceita na época.

Apesar de ter suspeitado do motivo para o mistério dos desaparecimentos, até mesmo de quem poderia ser o responsável, desde o começo, a maneira como Dana narra a história te deixa envolvida desde o começo e me vi incapaz de parar de ler porque queria saber o que aconteceria a Hazel e a Jack. Algumas cenas nojentinhas vão surgir, como descrições de cadáveres não tão frescos e dissecações. Dana quase consegue fazer com a gente sinta o cheiro do anfiteatro cirúrgico e do feno espalhado no chão para absorver o sangue, o odor adocicado da podridão dos cadáveres. E ela definitivamente sabe como escrever personagens cativantes, indiferentes, cruéis, chatos e apaixonantes, pois o livro está cheio deles.

O livro está bem revisado e diagramado, com uma ótima tradução de Guilherme Miranda. Uma pena ele não ter um mapa, já que a geografia de Edimburgo está tão bem descrita ao longo da leitura.

Obra e realidade
A medicina vinha evoluindo a passos largos, enquanto a lei não acompanhava tais avanços. Antes da Lei de Anatomia de 1832, no Reino Unido, a única maneira de se realizar estudos em cadáveres dentro da Lei era esperando que os tribunais enviassem para as escolas de medicina os corpos das pessoas condenadas à execução por crimes graves. Aliado às péssimas condições de refrigeração, era uma tarefa bem complicada conseguir corpos frescos para as faculdades de medicina. Assim começou um mercado de roubo de corpos, muitas vezes requisitado por professores e estudantes que entendiam que a violação das sepulturas era um mal necessário em nome da ciência.

Surgiram assim os ressurreicionistas e seu trabalho consistia em roubar cadáveres ainda frescos de seus túmulos, de preferência no mesmo dia em que foram sepultados, no máximo até o dia seguinte. Em algum momento, os roubos se tornaram tão comuns que famílias com dinheiro suficiente pagam para vigiar os túmulos de seus entes queridos. Outros colocavam grades sobre o túmulo ou até mesmo compravam caixões de metal. Os ressurreicionistas ainda tinham o cuidado de deixar os itens de valor e as roupas com os corpos para não terem ainda mais problemas com a lei.

Dana Schwartz

Dana Schwartz é roteirista de televisão e criadora do podcast de história Noble Blood.

PONTOS POSITIVOS
Romance gótico
Leitura rápida
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Pode ser nojentinho


Título: Anatomia
Título original em inglês: Anatomy
1. Anatomia
2. Imortality
Autora: Dana Schwartz
Tradutor: Guilherme Miranda
Editora: Intrínseca
Páginas: 320
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura gostosa, divertida, meio nojentinha, mas certamente instigante o suficiente para me prender a cada página. Hazel é uma grande personagem, alguém com quem é fácil simpatizar e se identificar e é alguém que certamente vai me prender no próximo livro da duologia. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 🫀

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