Resenha: Ela se tornou o sol, de Shelley Parker-Chan

Esse lançamento já tinha chamado minha atenção quando saiu na gringa. Por isso fiquei super feliz quando o livro foi anunciado por aqui. Livro de estreia, a autora reimagina um conturbado período da China, quando o imperador Hongwu, fundador da dinastia Ming, chegou ao poder no século XIV em meio aos conflitos com os mongóis.

O livro
Começamos nossa jornada conhecendo a vida difícil de camponeses que estão morrendo lentamente de fome. Um homem vive com seu filho mais velho e sua filha mais nova em situações precárias, quase sem ter o que comer. Um dia, a menina ouve que seu irmão tem um destino grandioso, enquanto ela está destinada ao nada. Devido aos preceitos machistas da sociedade, a garota mal come, é responsável por cuidar dos dois parentes e ainda é obrigada a ouvir todo tipo de disparate, como quando bandidos invadiram sua casa e seu pai propôs que levassem sua filha embora. O pai apanha tanto que morre no dia seguinte. Seu irmão começa a definhar sem a presença do pai e também morre, deixando a garota sozinha.

Resenha: Ela se tornou o sol, de Shelley Parker-Chan

Quando o seu desejo é a coisa mais importante do mundo, o que você não faria para conquistá-lo?

A filha decide assumir o nome do irmão, Zhu Chongba, e finge ser um menino para encontrar refúgio em um mosteiro budista. Nunca pensou em ser monge, mas ao menos era um lugar onde poderia viver e comer em paz. A vida é difícil, mas Zhu tem um lugar para dormir e o que comer. Seu segredo é uma perturbação em sua vida, pois teme ser jogada para fora do monastério. Porém, quando o abade acaba irritando os mongóis, o monastério é destruído pelo general Ouyang, deixando Zhu à deriva mais uma vez no dia de sua ordenação como monge. Mas Zhu já tem seus planos e decide sue juntar aos Turbantes Vermelhos, rebeldes que se ergueram em insurreição aos mongóis do Grande Yuan.

A narrativa é dividida entre dois pontos de vista: o da própria Zhu, tratada como homem em boa parte do enredo, e o do general Ouyang, um homem de etnia Han que foi castrado e escravizado pelos mongóis devido à traição de sua família. Admito que em vários momentos essa foi a narrativa que mais me cativou. Ouyang é um personagem fantástico e sempre queria saber mais sobre ele. Ele se ressente da vida que leva, mesmo sendo homem de confiança do príncipe mongol, Esen. Essa dualidade agressiva em Ouyang o torna muito interessante, mais até do que Zhu.

Não é que Zhu não seja uma personagem complexa e com seus próprios desejos. Ela é e em vários momentos foi uma pessoa intragável, daquelas que você quer estapear, principalmente perto do final quando muita coisa acontece. O problema é que a forma como Zhu sobe na hierarquia dos Turbantes Vermelhos e se torna uma figura proeminente me soaram muito fáceis. Poderíamos achar que por ser seu destino ela consegue cumprir as etapas com maestria ou então que ela se valeu de muita estratégia e inteligência, refinadas por tantos anos no monastério, mas ainda assim as resoluções me saíram fáceis demais. Para alguém sem qualquer experiência militar, ela chegou muito rápido ao ápice e suas ações parecem descoordenadas tamanha a facilidade com que isso acontece.

Era característico da inveja: só se pode senti-la por pessoas iguais a você.

Neste mundo reimaginado por Parker-Chan, o Mandato do Céu é uma chama literal que pode ser convocada pelo Imperador. Com a ruptura do Império, tanto o Imperador quanto outros com o poder de desafiá-lo podem invocar o Mandato do Céu. Então esse poder não é apenas figurativo, ele existe e é cobiçado por muitos. Zhu descobre também que pode ver fantasmas, mas eles meio que não têm muita função nesse livro e ficam meio soltos lá pelo meio, sendo mencionados aqui e ali. Em campos de batalha me parece meio óbvio que existiriam vários deles, mas Zhu só os menciona brevemente. Espero que no próximo livro isso seja melhor explicado.

Parker-Chan não vai ter dó alguma de quem está lendo. Vamos passar por momentos intensos de batalha e descrições sobre os ferimentos, mas principalmente vamos desfilar por emoções e sentimentos conturbados de Zhu e Ouyang, que entrarão em rota de colisão em vários momentos. Há momentos em que você jura que esses personagens não serão capazes de fazer algo e aí eles vão lá e fazem. Foi um período brutal e violento e a autora quis ter certeza de usar todas as palavras possíveis para descrever sentimentos tão conflitantes.

A edição está bem traduzida por Ana Beatriz Omuro e praticamente não encontrei problemas de revisão ou tradução nele. O que achei uma pena no livro foi ter tão poucas personagens femininas. E as que existem ou são subjugadas, ou são damas fatais.

Obra e realidade
O livro aborda temas como gênero, sexualidade e identidade diaspórica. A autora descreveu o livro como uma "reimaginação queer da ascensão ao poder do imperador fundador da dinastia Ming". Em vários momentos, ela brinca com as noções de gênero, trabalhando a masculinidade asiática e queer, frequentemente obliteradas pela masculinidade branca e heterossexual.

Zhū Yuánzhāng, também conhecido como Hongwu, foi o fundador da dinastia Ming. À medida que a fome, as pragas e as revoltas camponesas aumentavam em toda a China no século XIV, Zhu Yuanzhang subiu na hierarquia para comandar as forças do Turbante Vermelho que conquistaram a China propriamente dita, encerrando a dinastia Yuan liderada pelos mongóis e forçando a corte Yuan remanescente (conhecida como Norte Yuan na historiografia) a recuar para o planalto mongol.

Se a autora se valer da história para seu próximo livro, então podemos esperar muita violência quando esses personagens retornarem.

Shelley Parker-Chan

Shelley Parker-Chan é uma ex-diplomata asiática-australiana e consultora de desenvolvimento internacional que passou quase uma década trabalhando em direitos humanos, igualdade de gênero e direitos LGBTQIA+ no Sudeste Asiático.

Mas como se feria alguém que não sentia nada além de dor?

PONTOS POSITIVOS
Ambientação histórica
Ouyang
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Preço
Poucas personagens femininas

Título: Ela se tornou o sol
Título original em inglês: She Who Became the Sun
Duologia do Imperador Radiante
1. Ela se tornou o sol
2. He Who Drowned the World
Autora: Shelley Parker-Chan
Tradutora: Ana Beatriz Omuro
Editora: Alta Novel
Páginas: 416
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura longa e cheia de percalços enquanto caminhava ao lado desses personagens tão inquietos e bem construídos. O livro tem alguns problemas que me incomodaram, mas a ambientação histórica e seus personagens históricos são um ponto alto da obra, que me deixou bem curiosa para o próximo livro. Quatro aliens para Ela se tornou o sol e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! ⚔️

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