Resenha: Ele inundou o mundo, de Shelley Parker-Chan

Estava bem ansiosa para ler a segunda parte da duologia do Imperador Radiante, já que o primeiro volume foi uma das melhores leituras de 2023. Mas admito que terminei de ler ainda em 2024 e tive que digerir a leitura devido à quantidade absurda de violências presentes nele. Não é um livro fácil e mesmo assim foi uma leitura boa, dolorida e impossível de parar. Complicado, né? Lembrando que esta resenha pode conter spoilers do primeiro livro!

O livro
Começamos a jornada pouco depois do final do primeiro livro. Zhu não é a única a ter ambições imperiais. Muita gente graúda também está de olho no trono de grão-cã. Entre eles está a cortesã Madame Zhang, disposta a se aliar ao mais forte para conseguir o que quer. Paralelo a isso, está o general eunuco Ouyang, de longe um dos personagens mais interessantes da fantasia que já li. Ouyang é um guerreiro talentoso, mas é instável, movido por ódio e por dor, que sacrificou aquilo que mais amava para conseguir concretizar sua vingança contra o grão-cã, assassino de seu pai.

Resenha: Ele inundou o mundo, de Shelley Parker-Chan

Quem estaria disposto a toca na ferida visceral de outra pessoa, correndo o risco de contaminar-se?

Além desses, há um competidor pelo trono que ascende vertiginosamente ao longo da leitura e fazendo tudo (e digo TUDO) para conseguir qualquer vantagem que o leve para mais perto do poder. Tinha momentos em que eu parava de ler pra pensar: até onde esse sujeito vai? Wang Baoxiang, o erudito menosprezado do livro anterior, quer o trono apenas para destruí-lo, ridicularizá-lo, e transformar em pó tudo aquilo que sua família amava mais do que a ele. Esses são os personagens principais e em certos momentos você quer bater em todos eles. Também me pareceu uma amostra de como a falta de amor e cuidado pode transformar uma pessoa.

Se você busca um livro com traições, encontrou. Políticas da corte? Achou. Estratégia e conquista de impérios? Tá na mão. Arcos trágicos de personagens? Esse mesmo. Explorações de apresentação de gênero e sexualidade? Aqui tem. E violência, muita violência, inclusive sexual. Entendo que o universo dos personagens seja violento, mas tem coisas que eu preferia não ter lido e há momentos em que parece estar lá apenas pelo choque. Não é proibido retratar e discutir violências sexuais em livros, mas é preciso saber como fazer para não parecer gratuito. E aqui há momentos em que parece gratuito até mais, sem qualquer reflexão a respeito. E isso me incomodou demais, pois eu queria muito chegar ao final, ao mesmo tempo que sabia que teria de passar por tudo aquilo.

Zhu é uma grande personagem, desafiadora, corajosa, mas audaciosa ao ponto da imprudência e em muitos momentos as coisas dão certo apenas porque sim. Isso me incomodou no primeiro volume e acho que a autora usou menos neste volume aqui, mas ainda assim tem momentos em que as coisas ocorrem tão bem pra ela, que meio que perde a graça. Inspirado no fundador da dinastia Ming, Zhu Yuanzhang, Zhu subiu ao trono sobre os exércitos que conquistaram a China e derrubaram a Dinastia Yuan, forçando os mongóis a recuar para as estepes da Ásia central.

O que a autora fez foi criar um universo com magia, o Mandato do Céu, que alguns poucos personagens possuem e usam como motivo para competir pelo trono. Zhu é uma dessas personagens, uma garota que assumiu a identidade do irmão para poder atingir a grandeza que lhe foi prometida. A construção toda de Zhu foi fantástica, não tenho do que reclamar de Parker-Chan, exceto pela facilidade com que algumas coisas ocorreram. Ela também toma algumas decisões tão controversas que eu queria pular nas páginas para estapear Zhu.

Ouyang e Baoxiang são personagens brilhantes, ainda que detestáveis em muitos aspectos. Eles poderiam ter brilhado em várias cenas, mas sempre escolhiam as sombras, as maquinações, as traições para conseguirem o que queriam. Eles têm suas motivações, que são perfeitamente justificáveis, mas não o que estão dispostos a fazer para chegarem lá. A maneira como os personagens usam seus corpos em busca de seus objetivos, e como isso afeta a percepção externa, serve como um tema secundário significativo ao longo do romance. Nem Zhu está longe dessa crítica.

Um tema importante no livro é a subversão dos papéis de gênero. Zhu é o exemplo mais claro disso: uma mulher se passando por homem. Ou talvez uma pessoa que assume qualquer apresentação de gênero que se adapte às suas necessidades no momento. Ela não inveja os corpos dos homens, exceto enquanto seu tamanho e força maiores os tornam melhores em lutar; e ela não odeia o seu próprio, exceto na medida em que ele representa obstáculos para seus objetivos. Ela se incomoda muito mais por sua mão direita faltante (que Ouyang cortou no livro anterior) do que por sua anatomia.

A tradução está excelente e ficou nas mãos de Yonghui Qio Pan e Ana Beatriz Omuro. Não encontrei problemas de revisão ou diagramação.

Obra e realidade
O livro aborda temas como gênero, sexualidade e identidade diaspórica. A autora descreveu o livro como uma "reimaginação queer da ascensão ao poder do imperador fundador da dinastia Ming". Em vários momentos, ela brinca com as noções de gênero, trabalhando a masculinidade asiática e queer, frequentemente obliteradas pela masculinidade branca e heterossexual.

Zhū Yuánzhāng, também conhecido como Hongwu, foi o fundador da dinastia Ming. À medida que a fome, as pragas e as revoltas camponesas aumentavam em toda a China no século XIV, Zhu Yuanzhang subiu na hierarquia para comandar as forças do Turbante Vermelho que conquistaram a China propriamente dita, encerrando a dinastia Yuan liderada pelos mongóis e forçando a corte Yuan remanescente (conhecida como Norte Yuan na historiografia) a recuar para o planalto mongol.

Shelley Parker-Chan

Shelley Parker-Chan é uma ex-diplomata asiática-australiana e consultora de desenvolvimento internacional que passou quase uma década trabalhando em direitos humanos, igualdade de gênero e direitos LGBTQIA+ no Sudeste Asiático.

PONTOS POSITIVOS
Ambientação histórica
Ouyang e Zhu
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Muita violência
Poucas personagens femininas

Título: Ele inundou o mundo
Título original em inglês: He who drowned the world
Duologia do Imperador Radiante
1. Ela se tornou o sol
2. Ele inundou o mundo
Autora: Shelley Parker-Chan
Tradutores: Yonghui Qio Pan e Ana Beatriz Omuro
Editora: Alta Novel
Páginas: 480
Ano de lançamento: 2024
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura longa e cheia de percalços enquanto caminhava ao lado desses personagens tão inquietos e bem construídos. O livro tem alguns problemas que me incomodaram, em especial com relação à violência, mas a ambientação histórica e seus personagens históricos são um ponto alto da obra. Quatro aliens para Ele inundou o mundo e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! ⚔️

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