Resenha: Mulheres de Troia, de Pat Barker

Por ter lido o ótimo livro anterior, O Silêncio das Mulheres, eu já sabia o que esperar desta continuação. O estilo direto, bruto e verdadeiro de Barker, por sua vez, me choca em toda leitura. Depois que os gregos tomam Troia, o que acontece com suas mulheres? Evocando a voz de Eurípedes, Barker supera a Ilíada para contar a história de mulheres destituídas de seus lares, mas não de suas forças.

O livro
Os troianos viram os gregos se retirando da praia. Estão seguros atrás de suas lendárias muralhas, felizes pelo presente, um grande cavalo de madeira, uma oferenda aos deuses. Mas ao trazerem o cavalo para dentro da cidade, sob cantos e alguns protestos de que poderia ser uma armadilha, os troianos são enfim subjugados. Templos são destruídos, casas são invadidas, mulheres estupradas e levadas como prêmios, principalmente as mulheres reais. Quem lidera o combate é Pirro, filho de Aquiles, um jovem que busca heroísmo e autoafirmação como um cão atrás de um pedaço de carne. E em meio a toda essa carnificina e violência, está Briseida, observando e lamentando a queda de sua amada Troia após anos de conflitos.

Resenha: Mulheres de Troia, de Pat Barker

Não houve um templo em Troia que não tenha sido profanado. Danem-se os templos, pensei. E as mulheres?

O que seria uma festa pela vitória sobre Troia logo se torna uma espera angustiante por boas condições no mar. Os ventos inclementes impedem que os navios gregos ganhem os oceanos para retornarem para casa. Os deuses estariam zangados? Briseida sente essa irritação rondando o acampamento, montado sob a sombra fumegante de Troia. Briseida tenta fazer o que pode pelas mulheres que vieram de Troia, como a rainha Hécuba, sua filha Cassandra, a profetisa e tantas outras trazidas à força e distribuídas entre os homens poderosos. Briseida, grávida de Aquiles, se vê mais uma vez envolvida nas discussões masculinas, suas maquinações, sua violência.

Barker dá voz a essas mulheres imemoriais e retrata seu dia a dia, seu sofrimento após as perdas de maridos, pais, filhos, irmãos e como lutam para sobreviver. Algumas, como Amina, se ressentem da conquista e de como o cadáver insepulto do rei Príamo jaz na praia, sendo devorado pelos corvos. Barker não vai te poupar de certos detalhes durante a narrativa, mas também não causará traumas gratuitos. Sabemos que, em uma guerra, as mulheres sempre são as primeiras a sofrer e aqui não é diferente. Por sua vez, a autora sabe que pode muito bem falar da violência diária sem maltratar quem está lendo.

Barker deixou a Ilíada para trás neste livro. Mulheres de Troia baseia-se principalmente em uma fonte muito diferente – a tragédia de Eurípides, As Troianas (tem uma edição recente dessa peça pela Editora 34). Esta é uma história não de conflito, mas de suas consequências. E a guerra, bem como o seu "depois", é suja, manchada, insalubre. Barker não deixa a gente esquecer a sujeira da guerra, seus odores mórbidos, o vento e a areia que sopra sem descanso, os pequenos detalhes cotidianos que se acumulam nos dias das mulheres cativas.

Barker escreve romances históricos há décadas e analisa as consequências das guerras em cada um deles. Uma de suas sagas premiadas, Regeneration, é ambientado em uma ala psiquiátrica durante a Primeira Guerra Mundial, onde a autora analisa os danos psicológicos causados pelos conflitos. Em Mulheres de Troia, a vivência dos soldados é absurda. Pirro, dentro do cavalo de madeira, fica horrorizado ao sentir suas entranhas se soltarem. Fosse de nervosismo, de medo, Pirro é um jovem que sabe que nunca poderá viver à altura da reputação de seu pai e vive uma existência ansiosa e miserável pelo campo.

Briseida, rainha destituída de Lirnesso, continua sendo nossa narradora, nossa principal referência no enredo. Ela sabe que em comparação às outras mulheres, ela tem sorte. E que sorte horrível é essa, já que ela precisou se deitar com Aquiles dias depois de ver seus irmãos sendo assassinados? Sei que o tom de Briseida pode incomodar nossos olhos modernos, mas se ponha no lugar dessas mulheres da Antiguidade, sem qualquer direito assegurado, meras posses dos homens. Elas não conhecem outra realidade, então tudo o que podem fazer para sobreviver, elas farão. E Briseida é assim. Ela pode parecer seca e insensível, mas está apenas lutando para sobreviver conforme a intriga ronda os soldados, enquanto Pirro tenta descobrir quem está enterrando o cadáver de Príamo.

Fazendo o que lhe cabe, Briseida tenta suavizar a existência miserável das mulheres cativas. Andrômaca, esposa de Heitor, viu seu filho ser morto e precisou se deitar com Pirro. O que Briseida pode fazer a não ser apoiá-la, escovar seus cabelos, ajudar a se banhar? A narrativa deixa claro que apenas outras mulheres podem apoiar as mulheres, porque os homens desconhecem compaixão, desconhecem humanidade, principalmente a das mulheres. Querem apenas saber de bons agouros, bons butins, boas escravas e troféus. Os gregos exterminaram um povo, matando inclusive mulheres grávidas de meninos, para impedir que qualquer homem troiano pudesse querer vingança, mas as mulheres também sabem resistir a seu modo. Em alguns momentos, os troianos conversam e timidamente resistem ao extermínio, mas sabem que há pouco a se fazer agora.

(...) uma canção não é nova apenas porque a voz de uma mulher a canta.

O livro está bem revisado e traduzido por Lina Machado e não encontrei problemas que possam dificultar a leitura, ainda que eu achei que um livro desse tipo merecesse um mapa para nos localizar. Tanto nesse quanto no anterior.

Obra e realidade
Muita gente deve lembrar do filme com Brad Pitt, Troia, onde Briseida (Rose Byrne) é uma sacerdotisa do templo de Apolo que ele resgata dos homens no acampamento e depois por quem se apaixona perdidamente. No filme, Aquiles é um mulherengo incorrigível, que seduz a jovem virgem, mas Aquiles entregou seu coração a Pátroclo na Ilíada, o que o leva a enfrentar Heitor numa luta brutal. Aquiles é um heroí cuja sombra ainda resiste pelo acampamento, principalmente com Pirro, que tenta, sem conseguir, chegar ao nível de coragem e técnica de seu pai.

Não há romantismo algum no livro de Barker e acho que o tom adotado pela autora foi mais que correto, foi necessário. Sei que existem obras, além do filme Troia, que romantizaram o relacionamento de Aquiles e Briseida, mas me sentiria ainda mais desconfortável lendo um livro desses do que lendo a obra de Barker. Romantizar abuso, escravidão e misoginia não tem nada de romântico.

Pat Barker

Pat Barker é uma escritora britânica ganhadora de vários prêmios.

Pontos positivos
Bem escrito
Briseida
Muito atual
Pontos negativos
Violência contra a mulher
Preço


Título: Mulheres de Troia
Título original em inglês: Women of Troy
Autora: Pat Barker
Tradutora: Lina Machado
Editora: Excelsior
Páginas: 272
Ano de lançamento: 2022
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não vou dizer que será uma leitura fácil, porque não será. É um livro que pode não ser indicado para todas as leitoras, ainda que eu recomende muito a leitura, pois é uma personagem lendária que enfim ganhou a voz que necessitava, onde se torna protagonista de sua própria história, negada por séculos. Depois de milhares de anos de mudez e incapacidade de se comunicar, Briseida enfim pode nos contar sua história da maneira como, provavelmente, foi. Quatro aliens para o livro e uma forte indicação para você ler também!

MUITO BOM!

Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

Form for Contact Page (Do not remove)