Resenha: Na sala dos espelhos, de Liv Strömquist

Conheci o trabalho de Liv por outro quadrinho seu, A rosa mais vermelha desabrocha, que fala sobre a paixão (e as esquisitas relações de Leonardo DiCaprio). Quando vi que mais um novo quadrinho tinha chegado ao Brasil, fiquei empolgada, principalmente pelo tema deste volume.

Parceria Momentum Saga e Quadrinhos na Cia

O quadrinho
Neste novo trabalho, usando de sua acidez, bom humor e traços característicos, Liv trouxe um tratado sobre aparências, ilusões, ditadura da magreza, e como tudo isso vem alterando a noção de nossos corpos, bem como desejando corpos alheios. Tudo começa com Kylie Jenner.

Resenha: Na sala dos espelhos, de Liv Strömquist

Questionando os motivos que levam tanta gente a seguir, comentar, invejar e xingar as fotos de Kylie, Liv nos leva por caminhos filosóficos atuais e pertinentes sobre a questão da imagem. Seja alheia, seja de nós mesmas, rolamos o feed das redes sociais, usando a tela da mesma maneira que a madrasta de A Branca de Neve utilizava o espelho mágico em busca de validação.

Utilizando nomes conhecidos como Kim Kardashian, Kylie Jenner, Marilyn Monroe, a rainha Nefertiti, a imperatriz Sissi e outros ícones, Liv expõe a obsessão por padrões de beleza inalcançáveis numa sociedade regida pelos filtros e selfies das redes sociais. Num mundo com tantos filtros e intervenções cirúrgicas e cosméticas para as mais abastadas, como nossa autoimagem se constrói? Como enxergar a nós mesmas num mundo de hiperexposição de voyerismo digital?

No intuito de desvendar quando que entramos nesse espiral narcisístico, Liv retoma as ideias de escritoras como Susan Sontag e Naomi Wolf. Para Sontag, a “câmera fotográfica terminou por promover uma brutal ascensão do valor das aparências”. Já Wolf diz que “o ideal da imagem feminina antes do surgimento da fotografia era muito menos padronizado”. Hoje qualquer celular possui câmeras poderosas e apps capazes de mudar totalmente a imagem de uma pessoa para que ela seja palatável para as redes sociais. O que isso pode fazer na cabeça das pessoas?

Usando de sua característica acidez e bom humor, Liv examina mitos, como o de Jacó, a última sessão de fotos de Marilyn Monroe, da obsessão da imperatriz Sissi da Áustria com a magreza e exercício físico ao roubo do busto de Nefertiti e a impressão que ela causa até hoje nos turistas que a visitam no museu alemão (o Egito tenta reaver o busto da rainha desde então).


Não é preciso ser um gênio para perceber que a norma moral proibindo as mulheres de estarem cientes da própria beleza, ou de deliberadamente não poderem se afirmar bonitas, beneficiou principalmente os homens, pois privou as mulheres de usarem o poder da beleza para seus próprios fins, forçando-as a esperar que um homem as visse, as aprovasse, as enaltecesse.

Página 71

Há uma história interessante no livro sobre a teoria para a origem do ideal de magreza, por René Girard. Ele diz que o elemento competitivo é fundamental para compreender a disseminação dos ideais de beleza. E foi justamente essa competição que teria espalhado por aí o mito de que apenas o corpo magro é desejável e bonito. Tudo começou entre duas mulheres muito influentes: a imperatriz Sissi da Áustria e a imperatriz Eugênia de Montijo, esposa de Napoleão III, da França.

Ambas ditavam a moda na Europa da época. Acredita-se que, em uma visita de Estado, as duas imperatrizes começaram a comparar a circunferência de suas cinturas. Isso teria dado origem a uma competição entre elas, o que desencadeou uma rivalidade em outras mulheres da aristocracia, que começaram a ficar obcecadas pela imagem das duas imperatrizes. O fenômeno acabou se espalhando para todas as classes sociais. Girard ainda comenta que as primeiras descrições clínicas da anorexia datam do mesmo período em que as imperatrizes tinham grande influência na sociedade.

Ri largada em algumas situações, em outras tive que parar e repensar algumas coisas. Esse é o poder dos quadrinhos de Liv. Com leveza, sarcasmo e linguagem direta, ela trata de temas muito pertinentes, que mexem com a vida da gente. A história da imperatriz Sissi foi uma das mais interessantes do livro e como ela era obcecada pela magreza, a ponto de ter uma dieta quase cruel, usar espartilhos super apertados e se recusar a ser fotografada ou pintada quando já estava na terceira idade.

Achei muito interessante como ela usou alguns mitos e fábulas para lidar com os temas sobre autoimagem, beleza e seus padrões. Interessante ela apontar quantas vezes uma sociedade criticou as mulheres por usarem cabelos presos ou soltos, julgando suas aparências antes mesmo da era das selfies e filtros. O padrão de beleza sempre mudou ao longo da história, mas de certa forma as mulheres sempre sofreram com ele.

Com tradução direto do sueco por Kristin Lie Garrubo, o livro está bem revisado e diagramado. A capa é comum e o miolo é em papel encorpado e impressão colorida.

Obra e realidade
Com um texto afiado, repleto de fontes e estudos de casos, o quadrinho discute um tema sério, atual, de maneira irônica e séria quando deve ser, que nos leva a fazer questionamentos que talvez nunca tenhamos feito. Principalmente para a molecada jovem, que vive agarrada a uma tela de celular, que vive se comparando com artistas e personalidades da web, o livro talvez gere uma conscientização e discussões sobre os limites que devemos impôr sobre as redes.

Tive que fazer uma autocrítica, porque além de ser muito difícil postar fotos minhas nas redes, eu ainda uso filtro nelas. Por que? O que tanto me desagrada no meu rosto a ponto de eu praticamente me esconder atrás de filtros que alteram meu rosto? Um filtro engraçadinho que me deixa com orelhinha de cachorro é uma coisa. Outra totalmente diferente são as intervenções estéticas que muitas mulheres estão fazendo porque o filtro as deixou com uma aparência que lhes agrada mais. É bizarro colocar a mão na consciência e pensar nisso.

Liv Strömquist

Liv Strömquist é uma quadrinista sueca e apresentadora de rádio.

PONTOS POSITIVOS
Traço e cores
Bem-humorado
Crítica à ditadura da beleza
PONTOS NEGATIVOS

Acaba logo!


Título: Sala dos espelhos – Autoimagem em transe, ou beleza e autenticidade como mercadoria na era dos likes & outras encenações do eu
Título original em sueco: Inne i spegelsalen
Autora: Liv Strömquist
Tradutora: Kristin Lie Garrubo
Editora: Quadrinhos na Cia
Ano: 2023
Páginas: 168
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura divertida, mas também que me deixou bem pensativa. Todas as histórias contadas, todas as fontes consultadas, o tornaram um livro filosófico, mas também bem humorado e atento ao mundo moderno. Uma lição que fica dessa leitura é que ninguém será de fato feliz se continuar projetando a si mesmo nos outros. Quatro aliens e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 💜

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