Resenha: A rosa mais vermelha desabrocha, de Liv Strömquist

Cante comigo! "Oh L'Amour, Broke my heart, Now I'm aching for you". Ahh, o amor! A renomada quadrinista sueca Liv Strömquist, autora de A origem do mundo, está de volta com um quadrinho bem-humorado sobre o amor, a paixão... ou melhor dizendo, por que as pessoas não mais caem de amores e o que está errado nos relacionamentos de Leonardo DiCaprio!

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O quadrinho
Liv começa o quadrinho questionando a vida amorosa de Leonardo DiCaprio - e devo dizer que ri demais com a forma como Liv o desenhou. O ator é conhecido por sempre se envolver com mulheres bem mais jovens que ele, que está com 46 anos e é visto andando com cocotinhas de 23, até menos. Essa troca constante de namoradas é o ponto de partida para as análises divertidas, mas profundamente questionadoras da autora: por que apaixonar-se está ficando cada vez mais raro hoje em dia?

Resenha: A rosa mais vermelha desabrocha, de Liv Strömquist

Amor em tempos de capitalismo é um bom resumo para o quadrinho de Liv. Isso porque, segundo o filósofo Byung-Chul Han, o capitalismo tardio transformou nossa sociedade de forma profunda, onde ficamos tão imersos em nosso próprio "eu" que a figura do "outro" acaba por sumir. O que está envolvido nisso é o narcisismo, diferente do amor-próprio. Para uma pessoa narcisista, o mundo é construído a partir de sombreamentos projetados por ele mesmo. Assim, a figura de um companheiro ou companheira serve apenas para espelhar a figura narcisista e confirmá-la, reafirmá-la.

Valendo-se de exemplos da Antiguidade e dos tempos mais atuais, Liv tece uma linha divertida, porém ácida, sobre os relacionamentos vazios e desprovidos de paixão dos dias atuais. Sabe aquelas pessoas que choram e se esgoelam por amor, que fazem os amigos passarem vergonha, que choram noites a fio pelo amor perdido, enquanto assistem Netflix no repeat com um pote de sorvete no colo? Essa figura que sofre por amor está desaparecendo. Até aconselhamos as pessoas de maneira a empoderá-las, não de ajudá-las a passar pelo sofrimento. Não amamos mais as pessoas, nós as consumimos.

Outra coisa que a modernidade e o capitalismo trouxeram é a tal da "escolha racional". Aquela escolha intuitiva, onde você apenas gosta da pessoa, sem nenhuma razão aparente, isso caiu por terra de acordo com a socióloga Eva Illouz. Hoje, tal como em um açougue, as pessoas são categorizadas pelos gostos do "cliente", ou seja, a pessoa que está buscando um parceiro. Pesam-se os prós e contras de se relacionar com alguém, não apenas se "cai de amores" por elas. E são vários os culpados por isso, como a cientificação da sociedade, a predileção por especialistas e seus livros de auto-ajuda, a necessidade constante de auto-análise.

Achei bem interessante a inversão de valores que aconteceu nos tempos atuais. Aquela visão do homem apaixonado, que fazia de tudo por seu amor de livros vitorianos e até anteriores, caiu por terra. Os homens são emocionalmente controlados, desconectados de suas emoções em favor de uma visão de que são sérios, que não são volúveis. Enquanto isso as mulheres que agem dessa forma são vistas como frígidas e insensíveis, enquanto as mulheres que são emotivas e transparecem tal emoções, são vistas como dramáticas e sensíveis demais, que "amam demais". Sabe aquelas reportagens em revistas femininas, que falam que você não deve ser a "namorada grudenta"? É um reflexo dessa inversão de valores.

(...) a consequência de não permitir a vulneração, a transformação, a OUSADIA e o RISCO no amor acaba sendo que hoje permanecemos iguais e no outro só se busca a confirmação de si mesmo. (...) Talvez isso faça com que de certa forma evitemos o sofrimentos, mas uma cosnequência também pode ser zero amor.

Página 126

Liv também faz uma análise da cultura pop, além da revisão acadêmica, até das músicas que empoderam mulheres, como as da Beyoncé, que parecem querer ensinar às mulheres de que elas não devem sofrer nem amar demais para evitar uma desilusão. Mas se não sofrermos por amor, como nos educar, como aprender, como crescer emocionalmente? Tratar o amor como uma transação comercial não é amar. É essa a principal crítica do quadrinho. Amor - e a autora está falando de relacionamentos saudáveis, não abusivos, ok? - carece de mistério, de cair de amores, de se entregar ao outro e amá-lo mesmo com seus defeitos. O capitalismo destruiu até o mistério.

O quadrinho é bem denso, porque tem bastante texto entre ilustrações majoritariamente em preto e branco, ainda que uma ou outra tenha cores. Não é um quadrinho de uma leitura rápida, já que há várias reflexões filosóficas que demandam longas explicações. É algo para se ler com calma em um dia de folga. As sacadas bem-humoradas da autora aliviam o tema sério do quadrinho, mas vão te deixar pensativa um tempo com as evocações feitas.

A edição é em capa comum, papel encorpado no miolo e com tradução de Kristin Lee Garrubo. Não há problemas de revisão ou diagramação no quadrinho.

Obra e realidade
Quando perguntada sobre o tema do quadrinho, Liv disse querer apenas saciar uma curiosidade. Ela queria entender como que as pessoas se apaixonam e desapaixonam. Liv diz que, em sua experiência, e aí concordo com ela, o ato de se apaixonar por alguém é impossível de se controlar. A gente até tenta não cair de amores por alguém, se policia, mas é incapaz de ceder e de controlar o que sente. O mesmo no sentido inverso, que é o de perder o interesse. Por que essas coisas acontecem?

A forma como os relacionamentos acontecem mudou muito ao longo da história humana. Hoje nós temos uma liberdade de iniciar e terminar relacionamentos, de casar e se divorciar, damos uma grande importância ao amor, o que nem sempre era importante nos casamentos de antigamente, mas ao que parece a sociedade capitalista está fazendo um desserviço quando o assunto é se apaixonar, transformando até os relacionamentos em uma mercadoria e seus sentimentos. Até onde isso vai?

Liv Strömquist

Liv Strömquist é uma quadrinista sueca e apresentadora de rádio.

PONTOS POSITIVOS
Traço e cores
Bem-humorado
Crítica ao capitalismo
PONTOS NEGATIVOS
Muito texto
Acaba logo!


Título: A rosa mais vermelha desabrocha
Título original em sueco: Den rödaste rosen slår ut
Autora: Liv Strömquist
Tradutora: Kristin Lee Garrubo
Editora: Quadrinhos na Cia
Ano: 2021
Páginas: 176
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura divertida, mas também que me deixou bem pensativa. O mundo de hoje parece tão acelerado, conectado, online, exigindo conexão o tempo todo, mas, ao mesmo tempo, está se desconectando de seus sentimentos, centralizando as emoções apenas na figura da pessoa e não na figura do outro. Ninguém será de fato feliz se continuar projetando a si mesmo nos outros. Quatro aliens e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 💛

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