Resenha: Filha do Amanhecer, de Pauline Gedge

Estando com uma ressaca literária das brabas, resolvi curá-la relendo um dos meus livros preferidos. Aí me toquei que nunca tinha resenhado ele por aqui. Esta é uma boa pedida para quem quer sair um pouco dos livros de Christian Jacq. Romances históricos que se passem no Antigo Egito são um dos meus estilos favoritos de literatura e volta e meia retorno a eles quando sinto que a cabeça está para explodir. Aqui temos uma versão romanceada da vida da faraó Hatshepstut!

👓 Este livro faz parte do Projeto Releituras!



O livro
Acompanhamos a jornada de Hatshepsut desde sua infância, como uma criança real recebendo a mesma educação de seu irmão, Tutmósis (prefiro Tutmés), até sua maturidade. Dividido em quatro partes, o livro abrange desde as salas de aula do palácio até o momento em que Hatshepsut sai de cena, já na maturidade, sozinha e sem seus leais súditos.

Resenha: Filha do Amanhecer, de Pauline Gedge


Não é fácil resgatar fatos históricos tão insólitos como estes, com mais de 3 mil anos. A autora se ateve aos fatos históricos e preencheu as lacunas de maneira brilhante. Começamos a jornada com a criança real Hatshepsut, curiosa e voluntariosa, que se destaca mais do que o herdeiro do trono nas aulas. Ela recita melhor, sabe de cor leis e nomes importantes, é até melhor no arco e flecha do que seu irmão, considerado pouco inteligente pelo tutor. Tutmósis, que se tornaria o segundo rei com este nome, cresce e não muda muita coisa, para o desespero de Hatshepsut que acaba se casando com ele.

Em algum momento, o caminho dessa criança se cruza com aquele se tornaria seu maior apoiador no futuro, Senenmut, arquiteto-chefe. Há uma cena engraçada da jovem Hatshepsut caçando e derrubando uma ave abatida sobre o coitado do Senenmut, que dormia tranquilamente na relva. São várias cenas assim: jantando, correndo entre os jardins reais, nadando, chorando a perda de uma irmã, observando a postura do pai e se corrigindo. Hatshepsut vive nas páginas do livro, com aquele orgulho real, mas com uma empatia e uma inteligência que provavelmente correspondem com a mulher real.

A autora conseguiu recriar o dia a dia de uma família, de um palácio, de um reino, preenchendo os espaços com momentos do cotidiano, com as tragédias de uma família que perde um de seus membros, com as maquinações de um palácio. Imagine que aquelas imagens de faraós e suas rainhas saíram das paredes de pedra dos monumentos egípcios e começam a nos contar sobre sua rotina. É basicamente isso o que a autora fez.

Hatshepsut cresce e se torna uma mulher, seus brinquedos são recolhidos, o cacho de seu cabelo é queimado em um ritual e, seguindo a convenção da época, ela se casa com seu irmão e herdeiro do trono Tutmósis II. Mas logo percebe-se que é a rainha que tem mais cabeça para os assuntos do reino do que seu irmão-marido, mais interessado em jantares, concubinas e viagens do que lidar com dignatários estrangeiros e o treino do exército. Mas algo interessante de se notar é

Estou diante de ti, Rei dos Deuses. Prosto-me a teus pés.
Em troca do que fiz por ti, confia tu o Egito
e a Terra Vermelha a minha filha, Filha do Sol,
Maât-Ka-Rá, Sempre Viva, como fizeste por mim.

Página 191

Ainda que Hatshepsut seja a protagonista, os personagens secundários também são tão bem construídos quanto ela. E ainda há eventos históricos que só podemos imaginar como foram. Por exemplo, a ocupação do Vale dos Reis e a construção da primeira tumba. Como os faraós chegaram até lá? Por que aquele lugar se tornou o cemitério real? A autora reconstrói o momento sagrado em que o pai de Hatshepsut entende que ali era um lugar sagrado e abençoado e decide construir sua tumba ali, assim como todos faraós que viriam em seguida.

Minha edição foi adquirida em um sebo em 2006, sendo que ela é de 2004, e esta deve ser a quarta vez que releio Filha do Amanhecer. Voltar para as areias do deserto, para as planícies alagadas do Nilo é sempre um prazer e a releitura foi muito gratificante. Não existem novas edições deste livro e é muito triste que Pauline Gedge tenha recebido pouca atenção por aqui. A tradução de Fernanda Abreu está muito boa e não encontrei problemas de revisão ou de diagramação. Uma pena não ter um mapa do Egito da época.


Obra e realidade
Para quem já conhece a saga da faraó, uma das melhores faraós da história egípcia e uma das poucas mulheres a reger o império em seu próprio direito, já sabe que ela teve um reino próspero, com bem sucedidas missões militares, que foi uma grande construtora e que depois foi substituída por seu sobrinho, Tutmósis (Tutmés) III. Mas e os pormenores desta jornada? Como se deu?

O livro foi originalmente publicado em 1977 e de lá para cá a egiptologia já descobriu uma série de coisas sobre Hatshepsut e seu círculo próximo, ainda que muitas coisas permaneçam uma incógnita. Por exemplo, sabemos que ela morreu de causas naturais e que o apagamento de seu reino e de seu nome demorou para acontecer. Não foi uma coisa imediata, na verdade, demorou várias décadas para que seu nome e suas representações começassem a desaparecer. Mesmo assim, sabemos que uma obra de ficção, por mais que tente se basear no real, não pode deixar o ficcional de lado e o livro continua uma leitura incrível mesmo hoje.

Pauline Gedge


Pauline Gedge é uma escritora canadense best-seller, mais conhecida por seus romances históricos.


Pontos positivos
Bem escrito
Bem pesquisado
Hatshepsut
Pontos negativos
Não tem edição mais recente
Pode ser meio lento

Título: Filha do Amanhecer
Título original em inglês: Child of the Morning
Autora: Pauline Gedge
Tradutora: Fernanda Abreu
Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 462
Ano de lançamento: 2004
Onde comprar: na Amazon!


Avaliação do MS?
Sou suspeita para falar desse livro. Sempre que me pedem uma indicação de livro sobre o Antigo Egito, este é sempre o primeiro. Adoro as obras de Christian Jacq, mas se você quiser uma autora que escreve com propriedade sobre uma das mulheres mais importantes da história, então encontrou! Além disso, você o encontra barato em sebos e lojas virtuais, então aproveite e se jogue na leitura. Cinco aliens para Filha do Amanhecer e uma forte recomendação para você ler também!





Até mais! ☥


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