Resenha: The Sparrow, de Mary Doria Russell

Esse livro estava na minha lista de leitura há anos. Nunca surgia uma oportunidade para ler. Finalmente em 2022 decidi encarar este clássico premiado da ficção científica e não me arrependi. Ao mesmo tempo foi uma das leituras mais difíceis que já fiz devido ao seu tema e a algumas cenas que a autora escolheu descrever. Sabemos que aqui na Terra os Jesuítas foram pioneiros em situações de primeiro contato com povos do Novo Mundo. Ao descobrir vida alienígena, como eles se sairiam?

O livro
O ano é 2019. Um cientista do programa SETI no telescópio de Arecibo, em Porto Rico, capta um sinal intrigante vindo da região de Alfa Centauro. E é um sinal bastante peculiar, porque não carrega nenhum tipo de mensagem matemática ou "leve-me ao seu líder". Ele contém música. Uma música que os próprios cientistas acharam angelical, profunda, uma canção que tocava o coração das pessoas. Enquanto a discussão sobre o sinal e sua importância corre nas Nações Unidas, a Sociedade de Jesus decide enviar uma equipe para entrar em contato com essa civilização capaz de uma música tão bela.

Resenha: The Sparrow, de Mary Doria Russell

Os cientistas jesuítas foram para aprender, não fazer conversão. Eles foram para que pudessem conhecer e amar os outros filhos de Deus. Foram porque os jesuítas sempre foram às fronteiras mais distantes da humanidade.

(tradução livre)

O líder desta expedição era o padre porto-riquenho Emílio Sandoz, linguista experiente e renomado, alguém capaz de aprender um novo idioma muito rápido. Vindo de uma área pobre de San Juan, ele entrou para a Companhia de Jesus ainda adolescente, fugindo da violência e da pobreza. Em suas andanças pelo mundo, Emílio conheceu e fez amizade com muita gente, em especial a médica Anne e seu marido, o engenheiro George Edwards. Emílio se torna amigo dos Edwards e acaba criando uma comunidade, quase como uma família que não compartilha de genes e sangue com eles. Quando Emílio é enviado para uma comunidade em Porto Rico, é o casal Edwards que ele convida para ir junto.

Saltamos então para 2059. Emílio está em frangalhos. Desnutrido, com escorbuto, as mãos dilaceradas e incapacitadas, doente e depressivo. Ele foi encontrado assim na nave-asteroide que foi enviada para Alfa Centauri, a Stella Maris, e voltou para a Terra depois de décadas de missão. Apenas Emílio voltou. Onde estão os outros? O que aconteceu com os outros padres e com os civis que foram junto na nave? Emílio mal consegue falar, quanto mais contar qualquer coisa que aconteceu em Rakhat, o planeta alienígena para onde a missão foi. As únicas coisas que sabem a partir dos relatórios que foram enviados são totalmente desconcertantes, envolvendo prostituição e a morte de uma criança nativa de Rakhat.

Até onde sabemos, o padre Emílio Sandoz é o único sobrevivente da missão jesuíta em Rakhat. Mais uma vez, agradecemos à ONU, ao Consórcio de Contato e à Divisão de Mineração de Asteroides da Ohbayashi Corporation por possibilitar o retorno do padre Sandoz. Não temos informações adicionais sobre o destino dos tripulantes do Consórcio; estamos orando por eles. O padre Sandoz está muito doente para ser interrogado neste momento e sua recuperação deve levar meses. Até então, não haverá mais comentários sobre a missão jesuíta ou sobre as alegações do Consórcio sobre a conduta do padre Sandoz em Rakhat.

(tradução livre)

O livro alterna os capítulos em vários momentos do tempo. Começamos com o retorno de Sandoz para a Terra e a desconfiança dos jesuítas que cuidam dele em Roma. Depois o livro retorna para 2019 para nos apresentar os vários membros da missão da Stella Maris. Admito que vencer esse começo introdutório foi um pouco chato, mas como a autora intercalou com as passagens de Sandoz após seu retorno, foi mais fácil vencer esse começo. Pessoalmente eu gostaria de ter visto mais da reação da imprensa a respeito da descoberta de Rakhat, até mesmo do retorno de Sandoz, sozinho e ferido. O máximo que a autora coloca é um repórter invadindo a casa jesuíta e tirando fotos dele. E é isso. Entendo qual era o foco da autora, mas eu gostaria de ter visto mais.

Uma das principais discussões do livro é sobre fé. Os jesuítas e, principalmente, padre Sandoz, foram bem arrogantes em seu intuito original da missão de "conhecer outros filhos de Deus". Na verdade há momentos na leitura em que Sandoz parece convencido de que, enfim, encontrou Deus, como se estivesse bêbado por sua graça, como uma das personagens diz. Parece haver um reforço da fé desses padres - são quatro na missão - que sentem que estão, de fato, conhecendo sua criação. Eles de fato acreditam que estão lá por sua divina providência. O problema é o que acontece depois. E aí entra a segunda discussão do livro, a aculturação.

Sabemos o que os jesuítas fizeram aqui. Eles foram grandemente responsáveis pela introdução da cultura europeia no Novo Mundo e na forçada mudança de estilo de vida dos indígenas, bem como sua catequização. Ao chegar em Rakhat, eles tomaram vários cuidados iniciais na hora de se acostumar ao planeta, de se aproximar dos nativos, conhecidos como Runa, de aprender seu idioma, mas depois as descrições da autora poderiam estar em qualquer livro sobre a colonização do Brasil, porque eles fazem a mesma coisa. E é essa aculturação que leva a missão jesuíta a um fim perturbador. Vou te dizer, o último terço do livro foi bem difícil devido às revelações sobre o que aconteceu de fato à missão. Deixo aqui um alerta de gatilho para estupro e violência.

Os vários personagens do enredo são, em geral, bem descritos e as diferenças entre humanos e os Runa, uma das espécies sencientes de Rakhat, são curiosas. É preciso relevar o fato de esses alienígenas serem tão humanoides, afinal a autora queria discutir a missão jesuíta, não exatamente ETs. O novo planeta é bem descrito, com várias similaridades com a Terra e que não apresenta muitos desafios inicialmente. Ainda assim um dos membros da expedição morre logo no começo, sem qualquer explicação. Seria a vontade de Deus?

Queria muito ter lido o livro físico, mas acabei lendo a versão em ebook mesmo. Ao longo da leitura não encontrei problemas de diagramação ou de revisão, mas no final, onde há uma entrevista da autora, há alguns problemas de diagramação. Achei bem interessante haver questões de discussão no final para um clube do livro. Adoro quando há essa preocupação.

Obra e realidade
Russell teve a ideia de enviar jesuítas ao espaço nas comemorações da chegada de Colombo à América, em 1992. Ela tentou imaginar o que uma equipe de cientistas jesuítas enfrentaria hoje em uma situação de primeiro contato e como não há mais povos a contatar na Terra, ela os levou para outro sistema estelar. Se os jesuítas de 500 anos atrás enfrentaram grandes dificuldades, será que os de hoje também enfrentariam? Acho que o que aconteceu a Sandoz e sua equipe ilustram bem o que poderia acontecer mesmo a uma equipe bem preparada.

O título é um excelente resumo de toda a situação de Sandoz e da questão da perda da fé. Ele veio do evangelho de Mateus, 10:29: Não se vendem dois pardais por uma moedinha? Contudo, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do Pai de vocês. Ou seja, nada acontece na Terra sem o conhecimento de Deus. E fora da Terra? A criação é a mesma? Se tudo acontece sob seu conhecimento, então as coisas ruins também são sua obra? Anne inclusive discute isso com Sandoz, sobre como as coisas boas são obras de Deus e as ruins são coisas dos humanos. Será que ele não tem culpa também?

Mary Doria Russell

Mary Doria Russell é uma premiada escritora norte-americana. Paleoantropóloga de formação, é professora da Universidade do Michigan. Os direitos do livro foram vendidos inicialmente para a Warner Bros.. Hoje uma minissérie baseada no livro está em desenvolvimento pelo canal FX.

PONTOS POSITIVOS
Anne e George
Bem escrito
Discussão sobre religião e fé

PONTOS NEGATIVOS
Gatilho para estupro e violência
Não tem em português (será lançado no Brasil pela Editora Morro Branco!)
Pode ser devagar


Título: The Sparrow
1. The Sparrow
2. Children of God
Autora: Mary Doria Russell
Editora: Ballantine Books
Páginas: 517
Ano de lançamento: original em 1996; ebook em 2008
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Admito que o começo não foi fácil. Chegar ao final foi ainda mais difícil conforme o mistério sobre a missão jesuíta é elucidado e os acontecimentos que aconteceram ao padre Emílio Sandoz se tornam conhecidos. Ainda assim, acredito ter sido um dos melhores livros de ficção científica que já li e é realmente uma pena que ele nunca tenha chegado para nós em português. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! ✝️

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