Resenha: A Nuvem Negra, de Fred Hoyle

Tive o prazer de escrever a orelha deste livro e fiquei feliz de ver uma nova edição desta ficção científica que foge do eixo Asimov-Clarke-PKD. Publicado originalmente em 1957, o livro trata de um tema extremamente atual e é difícil não traçar paralelos com nossa realidade. Aqui temos uma metáfora para a mudança climática global e a inação dos governos aos alertas dos cientistas. Parece familiar?

Este livro foi uma cortesia da editora Todavia


O livro
Começamos nossa jornada com um enigmático prólogo de uma página, sobre uma coleção de papéis deixados pelo falecido Sir John McNeil, membro sênior de Cambridge. Interessante notar a data desse prólogo: 19 de agosto de 2020. Neste prólogo é mencionada a Nuvem Negra e as experiências de McNeil a respeito. E logo em seguida começa o primeiro capítulo. Nele voltamos para janeiro de 1964, onde um astrônomo do Monte Palomar, no sul da Califórnia, procura supernovas comparando fotos tiradas com semanas ou meses de intervalo. É comparando essas imagens que ele percebe algo perturbador: uma grande mancha escura. Em uma foto mais antiga a mancha parece menor. Ou seja, alguma coisa muito estranha está acontecendo.

Resenha: A Nuvem Negra, de Fred Hoyle

Ele então liga para o membro sênior da equipe, Dr. Marlowe, que fica espantando com o que vê nas fotos. Em seguida, ele liga para o observatório de Monte Wilson, perguntando se poderia usar a instrumentação de lá. Os dois astrônomos, mais o diretor do observatório examinam e reexaminam as evidências científicas e chegam a uma conclusão perturbadora: algo está a caminho da Terra. Fazendo um cálculo rápido, eles estimam que a nuvem pode chegar em agosto de 1965.

É preciso dizer que o autor, sendo ele mesmo um cientista, colocou esses cálculos e explicações científicas ao longo da leitura e você encontra diagramas e fórmulas no meio do texto. Existem discussões científicas que acabam sendo pertinentes para o estrago que essa nuvem pode acabar fazendo na Terra. Não são muitas, mas se você não curte hard scifi pode acabar se incomodando porque o desenvolvimento dos personagens é bastante prejudicado ao longo da narrativa. De maneira geral, achei a voz de todos eles iguais, seja astrônomo, seja político, todos eles têm a mesma voz e há momentos em que é fácil confundir, até porque a Todavia usa aspas e não travessão para os diálogos. E com relação às mulheres, esquece. No máximo uma secretária, nada de posição de destaque.

Em seguida conhecemos o professor de astronomia em Cambridge que abre o livro, Chris Kingsley. Em uma reunião de astrônomos profissionais e amadores, George Green, que é amador, afirma ter medido as posições de Júpiter e Saturno e descobriu que elas variam de alguns segundos a um minuto e meio diferente daquilo que está nos livros científicos. E o Astrônomo Real concorda com as descobertas. Isso os faz deduzir que um corpo desconhecido deve estar influenciando suas posições. Mas Kingsley é cético e resolve ele mesmo verificar as órbitas dos planetas. Usando um computador, ele passa a noite refinando os códigos e lendo cartões perfurados e tiras de papel, chegando ao resultado óbvio: há de fato algo estranho lá fora.

Conforme os cientistas trocam informações, conhecemos mais ou menos o roteiro de qualquer filme de desastre que já passou no cinema: eles tentam avisar o mundo, não conseguem, os políticos são céticos, os cientistas são vistos como vilões... Percebe algo familiar aqui? Para um livro publicado em 1957 que fala sobre mudanças climáticas globais que a nuvem pode acabar ocasionando, ele foi bastante moderno e à frente do seu tempo. Enquanto outros autores de ficção científica falavam de impérios galácticos, robôs e viagens interestelares, Hoyle firmou o pé no chão e criou um cenário muito verossímil. E depois da pandemia e de tudo o que vivemos, muito atual.

O tom do livro é bem mais dramático e filosófico do que obras como Não olhe para cima. O autor quis explorar o tema sem apelar para o escracho, mas tecendo a crítica que já conhecemos bem, de cientistas alertando sobre uma catástrofe e sendo sumariamente ignorados pela classe política, ironizados pela mídia. Kingsley é o personagem mais vocal a respeito desse embate da ciência com os políticos e é uma pena que os outros personagens não tenham tanta proeminência como ele.

(...) Quando esta questão da Nuvem foi abordada pela primeira vez, a preocupação imediata do governo, e, aliás, de todos os governos até onde tenho ciência, foi impedir que os fatos relevantes chegassem a conhecimento público. O objetivo real desse suposto sigilo foi, é claro, impedir que o povo escolhesse um grupo de representantes mais efetivos.

Página 150-151

Adorei a capa que homenageia a data da publicação, feita por Wagner Willian. A tradução foi de Érico Assis e está ótima. A edição fez em capa comum e papel amarelo e não encontrei problemas de revisão e diagramação nele.

Obra e realidade
Um dos livros favoritos de Richard Dawkins, A Nuvem Negra pode até falar de uma nuvem escura interestelar, mas lida com sentimentos bem humanos. Mesmo nos dias de hoje a questão ambiental e as mudanças climáticas globais são pouco abordadas na ficção científica tradicional. Tirando o sub-gênero do cli-fi, que trabalha com enredos a respeito, o tema praticamente desaparece do cinema e da literatura mais popular.

É triste perceber que Hoyle já escrevia sobre o escárnio dos políticos para com os cientistas há mais de 60 anos. Isso ainda continua. Vimos isso acontecendo em primeira mão no auge da pandemia, com presidente e seus ministros tirando onda com as medidas de segurança, atrasando a chegada das vacinas, e vendo um chefe de estado tirar sarro de um paciente morrendo de Covid. O tema tratado por Hoyle em seu livro pode parecer longe da nossa realidade, mas basta uma leitura deste livro para notar que pouca coisa mudou desde então.

Fred Hoyle

Fred Hoyle foi um astrônomo britânico que formulou a teoria sobre a nucleossíntese estelar. É também conhecido por suas posições controversas e opiniões impopulares sobre outros tópicos científicos, em especial por sua rejeição à Teoria do Big Bang.

Pontos positivos
Mudança climática
Bem escrito
Ciência
Pontos negativos
Personagens planos
Preço
Pode ser devagar


Título: A Nuvem Negra
Título original em inglês: The Black Cloud
Autor: Fred Hoyle
Tradutor: Érico Assis
Editora: Todavia
Páginas: 272
Ano de lançamento: 2022
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Admito que o começo não foi fácil. Hard scifi não é o meu estilo favorito de ficção científica, mas o tema é muito pertinente e atual. Releve a unidimensionalidade dos personagens e mergulhe na crítica de Hoyle que você vai curtir. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! ☁️

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