Um dos filmes que vem dando o que falar na Netflix é Não Olhe Para Cima (Don't Look Up, no original). Estreando na noite de Natal, bem a tempo de pegar o tio do pavê antes de fazer a anual piada a respeito de tão nobre doce, o longa tem polarizado o gosto do público da mesma forma como mostra no enredo: uns amaram, outros odiaram. Eu estou no time dos que amaram, que riu com as bizarrices mas também se enfureceu com as notórias semelhanças com o nosso mundo.
Mas atenção: se você é de direita ou se fica em cima do muro com medo da "polarização" o texto não é pra você.
Mas atenção: se você é de direita ou se fica em cima do muro com medo da "polarização" o texto não é pra você.
O enredo tem uma premissa muito simples: dois astrônomos, o professor Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e a doutoranda Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobrem que um cometa, do tamanho do asteroide que extinguiu os dinossauros, está a caminho da Terra. Em pouco mais de seis meses ele vai obliterar a vida no planeta. Qual é a tarefa principal desses dois cientistas? Avisar a todo mundo, claro! E aí começa o problema. Não apenas os políticos não os levam a sério como logo eles viram motivo de chacota nas redes sociais.
Um bom resumo de Não Olhe Para Cima é este: para cada cientista bem intencionado tentando salvar o mundo tem meia dúzia de gente burra tomando as decisões. Pensou na pandemia, certo? E as mudanças climáticas, o que dizer? Os cientistas falam, mostram gráficos, fazem projeções, avisam todo mundo e os políticos estão preocupados com eleição, com números de popularidade, engajamento nas redes sociais. O filme é tão brutal nas comparações que só sendo muito tapado para não entender todas as críticas ali dentro.
A começar pela presidente, Janie Orlean (Meryl Streep) que é uma sátira perfeita para políticos populistas e ignorantes nos moldes de Trump e Bolsonaro, com um chefe de gabinete, que é o filho dela, Jason Orlean (Jonah Hill), complementando o combo da burrice (pense nele como o vereador federal Carlos Bolsonaro que você vai entender a comparação). Enquanto os cientistas evitam, com razão, em dizer que há uma chance de 100% de impacto, e dizem que há uma chance de 99,7% de certeza, Jason logo emenda: então tem uma margem aí?
Aí entra a questão da mídia. Desesperados porque nenhuma autoridade dá ouvidos a eles, os dois astrônomos vão para um popular programa da televisão, apresentado por Brie Evantee (Cate Blanchett) e Jack Bremmer (Tyler Perry), no melhor estilo FOX News. Os dois ficam fazendo piada do assunto, até que Kate explode, berrando que todo mundo vai morrer e ninguém parece ligar para isso. Ela logo se torna um meme na internet, enquanto o Dr. Mindy se torna um símbolo sexual e cientista mais sexy do ano, estampando várias capas de revistas.
E para culminar o combo da bizarrice, um bilionário excêntrico, Peter Isherwell (Mark Rylance), presidente da grande empresa de tecnologia BASH, tem uma solução para lidar com o cometa: ao invés de tentar desviá-lo e QUEM SABE, salvar bilhões de vidas, ele calculou que há mais de 140 trilhões de dólares em minérios que podem ser benéficos para a economia e cria um plano para minerar e gerar milhões de empregos para os americanos. E muitos caem nesse papo, semelhante à galera que disse para a população trabalhar normalmente para salvar a economia no meio da maior crise sanitária dos nossos tempos.
É difícil falar do filme sem saber se é spoiler ou vida real, porque todas as merdas que a gente viu acontecendo por causa da pandemia e outras crises planetárias estão lá. Todo o populismo de líderes ignorantes que escolheram agradar seu gado ao invés de ouvir o que a ciência e os especialistas tinham a dizer, as mortes evitáveis, a mídia sensacionalista passando pano para o candidato preferido, sem falar do Don't Look Up, um movimento idêntico ao "Build the wall", que fala para as pessoas não olharem para cima para um cometa que "não existe". Não só existe, como está a caminho da Terra, mas os adeptos do movimento acreditam que é uma invenção da mídia e dos inimigos da presidente Orlean. Tem uma cena surreal em que um dos membros do Don't Look Up olha para cima e fala "galera, acho que estão mentindo pra gente", mas ninguém parece prestar atenção.
Nesse finzinho de 2021, chegando o fim do segundo ano de pandemia, Não Olhe Para Cima consegue ser o filme mais engraçado e o mais deprimente. Em meio às fofocas das celebridades, das tags no Twitter, das maluquices de bilionários e políticos, UM FUCKING COMETA está se aproximando! E quem tenta avisar e colocar algum juízo nas pessoas é perseguido e preso pelo FBI, é censurado nas redes, demitido e colocado no ostracismo. E o pior: o filme não traz absolutamente nada de novo e é por isso que é tão preocupante. Vamos lembrar que cientistas que apoiaram as medidas de isolamento, a máscara, o distanciamento social, a lavagem de mãos foram PERSEGUIDOS e tiveram suas vidas ameaçadas por gente que pega em fuzil e atira em cometa, tal como vemos no filme.
Enquanto os bilionários veem o cometa (ou pandemia ou mudanças climáticas, you name it) como uma oportunidade para lucrar e registrar patentes, os políticos dão de ombros, ignorando o fenômeno ou apenas dizendo que ele não existe, como se varrer para debaixo do tapete fosse resolver a questão. É nos momentos mais importantes da humanidade, nos momentos de emergência planetária como a que nós vivemos, que nós de fato conhecemos as pessoas e os tomadores de decisão. E é lamentável saber que o filme não está distante ao mostrar pessoas que tentam botar algum senso nos outros sendo ridicularizadas.
No mais, o filme é tão engraçado quanto triste. Porque em meio à toda aquela insanidade, há o fato de que o cometa está vindo. O que você faria? Eu sei que não teria muito o que eu pudesse fazer. Então eu ficaria na minha casa, com minha mãe e meus gatos, estocaria comida e água e enfrentaria o final todos juntos. É um cometa, meldels do céu. Se os tomadores de decisão, que poderiam ter feito algo a respeito, não fizeram, o que nós, membros do povão, podemos fazer? É triste demais pensar nisso.
ASSISTA Não Olhe Para Cima caso ainda não tenha visto, ele está na Netflix (não vá ao cinema, não é hora para isso). E depois corre aqui pra me contar o que você achou.
Até mais e OLHE PARA CIMA! ⬆️
Além de tudo que vc destacou , pensei no papel dos EUA que não salva ninguém e impede de salvar , provocando a explosão na Rússia. Fiquei pensando aí que o roteirista falou ae do lugar que os EUA ocupa no mundo e seu egoísmo que fica cada vez mais latente no filme.
ResponderExcluirEnquanto assistia dei risada, depois fiquei um pouco deprimido e penso que daqui há muitos anos este filme possa se tornar como um retrospectiva dessa época bizarra e triste. Enquanto assistia lembrei do filme Idiocracia, que não vi recentemente mas trouxe algumas memórias. Abraços
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