Resenha: Cidade nas Nuvens, de Anthony Doerr

Meu primeiro contato com Anthony Doerr foi com seu livro ganhador do Pulitzer, Toda luz que não podemos ver. Li há alguns anos e AMEI. Me tornei grande fã do autor depois desse livro. Quando vi o anúncio de Cidade nas Nuvens fiquei logo bem ansiosa pela leitura. Cometi o erro de ver algumas avaliações no Skoob de gente que não curtiu o livro e aí comecei a ficar com medo de não curtir. O que posso dizer é: que jornada!

O livro
Ainda que tenhamos vários personagens, este livro é sobre a jornada de outro livro que acaba interligando essas pessoas. Temos cinco protagonistas humanos, mais o tal livro, Cuconuvolândia, de Antônio Diógenes, um livro incompleto, mas que está presente nas jornadas de cada uma das personagens. Começamos (e terminamos) a história no futuro, no ano 65 da jornada da nave Argos, em uma missão de quase 600 anos rumo a um novo planeta, um lugar onde a raça humana poderá sobreviver, já que a Terra não é mais habitável.

Resenha: Cidade nas Nuvens, de Anthony Doerr

Aqui conhecemos Konstance, uma adolescente que nunca viu o céu ou sentiu a chuva no rosto. Ela vive confinada na nave junto dos pais e de outros passageiros da Argos. Em seguida conhecemos a Biblioteca Pública de Lakeport, onde boa parte da ação acontece onde conhecemos Zeno, um carinhoso octogenário, veterano de guerra, que está treinando cinco crianças para estrelar uma peça de teatro baseada na obra Cuconuvolândia.

Damos então um salto para o passado. Constantinopla está a poucos dias de cair e conhecemos uma menina órfã, Anna, de 13 anos, que mora em uma casa de artesãs, que ganham a vida bordando trajes eclesiásticos. Mas Anna é desajeitada com a agulha. Muito curiosa, escapa das salas de bordados e aprende a ler grego clássico, onde tem contato com a história de Éton, o protagonista de Cuconuvolândia, que deseja conhecer um paraíso no céu.

Essa é também a história de Omeir, um rapaz com lábio leporino, tido como um demônio por seus compatriotas, mas que é protegido e salvo pelo avô. O menino é amoroso, atencioso e não entende o mundo ao seu redor quando é obrigado a levar seu dois amados bois em uma jornada rumo às muralhas da maior cidade do mundo. E por último temos Seymor, um garoto neurodivergente que também vê o mundo ao seu redor mudar, ser mutilado, transformado além de qualquer reconhecimento e se sente muito bravo com isso.

Às vezes, as coisas que consideramos perdidas só estão escondidas, aguardando serem descobertas.

Pode não parecer, mas cada um destes personagens incríveis está interligado pelo livro. Um livro que, curiosamente, de fato existe! O autor pegou esta obra verdadeira, ainda que com muitas partes faltando, para compor um romance incrível, uma declaração de amor aos livros, à biblioteca e ao próprio planeta Terra. Cada personagem tem sua própria tragédia, suas próprias alegrias, sua vida marcada por fatos que acabam, de uma maneira ou de outra, levando à história do jovem Éton, um enredo que foi escrito para alegrar os dias de uma jovem doente.

É difícil dizer de qual personagem, de qual história gostei mais. Mesmo Seymor, que toma algumas decisões bastante questionáveis, daquelas que você quer sacudir o garoto pra ele acordar, mesmo ele tem seus motivos para fazer isso e ele nem está de todo errado em suas motivações. Mas Zeno, ahhhhhh, Zeno, esse personagem quebrou meu coração. Que jornada! Acompanhamos sua vida desde criança, quando vivia com o pai, depois quando vai para a Coreia, a luta contra quem realmente era e como perdeu o amor de sua vida. Doerr soube nos conduzir pelos meandros das vidas destas pessoas fictícias e nos fez apaixonar por elas para depois partir nossos coraçõezinhos em mil pedaços. A vida é assim mesmo, não é? Trágica, bela, triste, feliz...

Algumas pessoas alegaram que o livro foi "demais". Informações demais, personagens demais, que os enredos não parecem "conectados". Mas não entendo como que "informações demais" podem ser inúteis em um enredo. A história de uma pessoa é repleta de fatos e dados inusitados, situações que não serão sempre surpreendentes. Na mão de qualquer escritor menos habilidoso isso seria chato, mas nas mãos de Doerr se tornou uma grande história de vida que faz com que o livro seja uma delícia de acompanhar. É justamente através de pequenos atos cotidianos que conhecemos uma pessoa de verdade, não por grandes ações heroicas.

Outro assunto abordado, e principalmente pla jornada de Seymor, é a questão ambiental. Konstance nos diz que ela e sua família estão em uma nave rumo a um novo planeta porque a Terra não é mais habitável. Mas é com Seymor que acompanhamos a apatia de políticos, das pessoas, que continuam a consumir como se existisse uma Terra 2.0 logo na esquina. Seymor é um garoto pobre, neurodivergente, atípico, muito sensível e encontra na natureza o alívio do ruído e da pressão do cotidiano. Mas quando essa natureza é ameaçada, ele busca culpados. E não tem nem como discordar de que são as pessoas. Mas são todas?

Cada símbolo significa um som, unir os sons é formar palavras e unir palavras é construir mundos.

Cada personagem acaba se encontrando diante de situações que mudarão ou mudaram suas vidas e em todas elas está presente o livro de Antônio Diógenes. No começo a gente não tem bem noção de como essas histórias acabarão se conectando, mas se conectam. Talvez seja por isso que tanta gente não gostou do livro, por achar que as coisas não se interligavam direito. Mas vá em frente, elas estão ligadas e o autor explica como!

Ainda que tenha amado praticamente o livro todo, que é um calhamaço, sinto que no final, justo o final de Konstance, careceu de mais explicações. Acredito que Doerr queria deixar subentendido que certos eventos aconteceram, mas duas linhas de texto, um parágrafo só, já teria resolvido isso. Não precisava se alongar, apenas mencionar porque algumas coisas aconteceram e pronto, estava resolvido! Mas beleza, dá para seguir com o texto como está, eu apenas gostaria de ter lido mais a respeito desse final.

O livro está muito bem traduzido por Marcello Lino e a capa guarda algumas informações que vão aparecer lá adiante, no capítulo da Konstance. No começo de cada capítulo, estão partes da história de Cuconuvolândia, inclusive com partes adicionadas posteriormente.

Obra e realidade
Antônio Diógenes foi um escritor grego, considerado o autor da primeira obra de ficção, bem antes de Luciano de Samósata escrever sua História Verdadeira. Pouco ou nada se conhece a respeito do autor. Até mesmo sua idade é desconhecida, seu local de nascimento. Misturando ficção com realidade, Doerr dá vida à obra perdida do autor e a transforma em uma protagonista. É triste saber que a história original se perdeu.

Cloud cuckoo land, em inglês, é também um termo usado para o absurdo. É um estado absurdamente otimista ou um estado irrealista e idealista onde tudo é perfeito. Uma pessoa com a "cabeça nas nuvens" é vista como excêntrica, estranha, alguém que faz ou diz coisas que parecem fazer sentido apenas para elas mesmas, mas que mostram uma inteligência e sabedoria que muitas vezes ninguém entende. E isso explica, praticamente, todos os protagonistas do livro. Existem tantos significados ocultos em Cidade nas Nuvens que é capaz que eu leve um tempo pensando para descortinar todos eles.

Anthony Doerr

Anthony Doerr é um escritor e contista norte-americano, ganhador do Prêmio Pulitzer na categoria ficção.

O que mais importava não era o conteúdo da canção. Mas que a canção continuava a ser cantada.

Pontos positivos
Personagens cativantes
Universo bem construído
Cuconuvolândia
Pontos negativos

Pode ser meio confuso, principalmente no começo


Título: Cidade nas Nuvens
Título original em inglês: Cloud Cuckoo Land
Autor: Anthony Doerr
Tradutor: Marcello Lino
Editora: Intrínseca
Ano: 2021
Páginas: 629
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Como eu disse acima, esta é uma história sobre um livro, dentro de um livro, contanto a história de cinco pessoas ligadas a ele. E no final, o autor ainda nos diz qe vários livros o ajudaram a compôr a obra. É uma declaração de amor aos livros, às histórias, à natureza e como as pessoas se comportam diante de cada um. Há aqueles que valorizam, que amam, e aqueles que não se importam e que só querem destruir sem pensar no amanhã. Mas o amanhã sempre importa. É preciso salvar tudo, os livros, as bibliotecas, as histórias e o futuro. Quatro aliens e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! ☁️

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