Sabe quando você se apaixona por um livro? Então, foi o que aconteceu com essa leitura aqui. O autor não quis resgatar a história do livro em si, ainda que aborde em alguns momentos, mas sim quis resgatar nossa relação com a leitura, como ela evoluiu acompanhada dos livros e a forma como lemos se alterou ao longo dos séculos.
O livro
Interessante começar essa resenha pelo título do livro. Uma história da leitura é apenas isso, uma entre várias. Querer elencar a forma como a leitura se desenvolveu, como ela evoluiu na civilização, é um trabalho de uma vida. Manguel queria ser mais conciso e direto e por isso resolveu abordar apenas algumas questões, sendo essa mais uma história da leitura, mais uma forma de analisar essa incrível capacidade humana que a de ler.
Uma biblioteca, antes que o leitor faça uma escolha, é como a sopa primordial de átomos da qual surgiu toda a vida. Tudo está à sua disposição: cada ideia, cada metáfora, cada história, bem como a identidade de cada leitor individual.
Página 14
Originalmente publicado em 1997, fruto de vários anos de trabalho, o livro ainda se mantém atual, já que a ameaça sobre o livro continua. Muitos alardeiam que o livro é exclusivo da elite ou que as tecnologias dos e-readers vão acabar substituindo o livro físico, como se não houvesse espaço para ambos nas mãos dos leitores. Quem diz que o livro está com os dias contatos muito provavelmente não lê por prazer, lê por obrigação, porque precisa no trabalho e não entende a indescritível sensação de mergulhar em uma leitura, seja pelas páginas de um livro de papel, seja pela tela do meu Kindle.
Dividido em quatro eixos temáticos, o livro de Manguel traça um longo histórico sobre o desenvolvimento e variação da atividade da leitura na civilização, principalmente ocidental. Sempre com impressões muito pessoais de sua vida como leitor, Manguel aborda a importância da leitura e como ela sempre precedeu a escrita nas sociedades. Fala da forma divina que livros adotaram para as religiões numa época em que os deuses não exigiam nenhum escrito.
Achei bem interessante o capítulo que fala sobre o espanto de Santo Agostinho ao ver Santo Ambrósio lendo em silêncio. Desde as tábuas de argila que as palavras registradas deveriam ser lidas em voz alta. Aliás, é o registro de Agostinho em sua obra Confissões o primeiro relato sobre a leitura silenciosa, o que implica que a leitura era sempre feita em voz alta. Manguel inclusive se questiona como seriam as bibliotecas na época, sendo que hoje o que mais se cobra lá dentro é o silêncio absoluto. A leitura silenciosa evoluiu, principalmente, com a invenção dos sinais gráficos de pontuação, que nos diziam onde parar, onde pausar e onde continuar a ler, sem a presença de alguém lendo em voz alta.
A tarefa do leitor era a de dar voz às palavras silenciosas de um texto escrito. É fácil imaginar isso acontecendo em um mundo onde a maioria da população era analfabeta. Poucos privilegiados tinham a habilidade de ler, então para que todos pudessem usufruir dos ensinamentos de um texto, era preciso ler em voz alta para todos. Mas mesmo assim a leitura em voz alta não sumiu de todo. Há registros de leituras em conjunto em residências vitorianas, autores recitando seu texto para uma audiência ansiosa e até mesmo os lectores das fábricas de charutos em Cuba.
O livro é um instrumento tão poderoso que sempre meteu medo em regimes totalitários. Uma das primeiras providências dos fascistas é dizer que o livro é um luxo supérfluo, que só as elites têm acesso ou então categorizá-los como subversivo e promover queimas em nome de seus regimes. Mas por muito tempo, o livro foi visto como um túmulo das ideias. Na Antiguidade Clássica, houve filósofos que eram contrários ao registro das palavras. Eles acreditavam que as ideias precisavam da memória e não do registro, onde ela eventualmente se perderia.
Um leitor precisa ser singularmente simplório para acreditar que as palavras escritas podem fazer mais do que recordar a alguém o que ele já sabe.
Sócrates, página 77
Com uma linguagem clara, sem rebuscamentos acadêmicos, o autor discorre deliciosamente sobre a evolução do ato de ler, a evolução do objeto livro, o medo que a leitura exercia e que acabou levando à proibição do ensino para as mulheres, a evolução da educação e da alfabetização com base nos livros e os significados que damos às leituras. Um livro que me emociona pode ser uma leitura banal e sem graça para outra pessoa, algo que não aconteceria com a leitura em voz alta por outra pessoa para uma plateia.
O autor chega a escrever sobre o lugar da leitura e como ele também evoluiu. Gosto muito de ler no conforto da minha cama, mas este é um hábito novo, afinal por muitos séculos, as pessoas dormiam em camas comunitárias. Não existia o conceito de um quarto próprio, um local de descanso único. Ter seus livros dispostos na cabeceira, enquanto você termina um capítulo antes de dormir é algo que poucas pessoas têm acesso até mesmo hoje em dia.
Como séculos de ditadores souberam, uma multidão analfabeta é mais fácil de dominar; uma vez que a arte da leitura não pode ser desaprendida, o segundo melhor recurso é limitar seu alcance. Portanto, como nenhuma outra criação humana, os livros têm sido a maldição das ditaduras.
Página 296
É uma pena que o livro seja em formato pocket, o que leva à deformação da capa e que a revisão tenha deixado a desejar. Encontrei São Agostinho e Santo Tomás de Aquino, para mais para frente estar São Tomás de Aquino. Há também uma rainha Isabel, que no Brasil é conhecida por rainha Elizabeth. Coisas assim tiram um pouco a graça da leitura. A tradução é de Pedro Maia Soares e está muito boa. A leitura fluiu muito bem, tirando esses problemas de revisão.
Obra e realidade
Me identifiquei horrores com o livro e com a experiência de Manguel conforme lia. Seja no Kindle, seja no livro físico, eu quero é ler. Tenho meus gêneros favoritos, como todo mundo tem, mas busco sempre diversificar as leituras para conhecer mais e saber mais. Costumo dizer que a pessoa que diz não gostar de ler apenas não encontrou uma obra que atraísse sua atenção, pois se tem algo mágico na literatura é isso: há um livro para cada tipo de leitor.Percebi conforme lia que muitas coisas que temos hoje como garantido são recentes e que a mente humana ainda está evoluindo junto da capacidade de ler. Achei bem interessante conhecer essa evolução da leitura nas sociedades e ver como o objeto livro está em constante mutação, mas mantendo a importância da leitura em si. Seja no papiro, seja no pergaminho, no códice que evolui para os livros atuais, até aos leitores digitais, a tecnologia apenas nos deixou mais ligados à leitura do que antes.
Como muita gente, comecei a ler na escola. Na 2ª série, nossa professora nos levou à biblioteca da escola, nos falou o que era, para que servia, como procurar livros e emprestá-los e ainda nos estimulou a fazer a carteirinha, mostrando como poderíamos usar os livros para pesquisar ou apenas ler pelo prazer de ler. Apenas lamento que tantas crianças não tenham a mesma oportunidade que tive.

Alberto Manguel é um escritor, tradutor, ensaísta e editor argentino e atualmente cidadão canadense. É autor de vários livros de não-ficção e análise literária.
Pontos positivos
Textos bem escritosEvolução da leitura
Reflexões sobre a literatura
Pontos negativos
Alguns errinhos de revisãoAcaba logo!
Edição de bolso
Avaliação do MS?

Até mais! 📖
Já que você chegou aqui...

"Lendo Imagens" também é excelente, li na faculdade e me apaixonei pela escrita do Manguel ali. Agora, quero ler "Encaixotando minha biblioteca".
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