Resenha: Notas para uma definição do leitor ideal, de Alberto Manguel

Desconhecia completamente esse autor e seus ótimos textos até que a Gabi Barbosa, em seu Instagram (que recomendo que você siga), começou a postar sua leitura e trechos escritos por Manguel. E me chamou a atenção na hora! Alberto Manguel, escritor argentino e, principalmente, um leitor, editou várias antologias, traduziu livros e escreveu muito a respeito da leitura, do leitor e do poder de ambos.

O livro
Composto por 24 textos escritos por Manguel, todos eles se relacionam com a literatura, a leitura, livros, trabalhando temas como censura, memória, linguagem, poder, opressão, democracia. Mas o que conduz esse fio narrativo é sempre a questão de leitura e a postura do leitor. Tal como muitas de nós que amam livros e leitura, ele também acredita no poder transformador do livro e na importância da leitura dos clássicos.

Resenha: Notas para uma definição do leitor ideal, de Alberto Manguel

A escrita do autor é bastante amigável, você não tropeça em nenhum momento durante a leitura e às vezes ri alto com algumas colocações irônicas do autor. Houve momentos de grande identificação com suas palavras, como quando ele diz que a escrita é uma atividade secundária, mas que ele não poderia viver sem ler. Essa é uma tecla que sempre bati aqui e nas redes sociais, de que a escritora é, antes de tudo, uma leitora. Ler é essencial, a escrita é apenas uma consequência e nesse sentido concordo muito com as palavras de Manguel.

Os textos se misturam com a própria vida e trajetória de Manguel, bem como com livros clássicos como Dom Quixote e Pinóquio. Ele se vale dos livros clássicos e seus autores para discorrer sobre variados temas. O texto Como Pinóquio aprendeu a ler é um dos melhores desta coletânea. Muito do que as pessoas sabem sobre Pinóquio é em relação ao filme da Disney, mas o livro do garotinho de madeira é bem mais extenso em suas lições e exemplos. Pinóquio aprende a ler, mas não consegue compreender o mundo a partir de suas leituras.

A leitura é formadora de cidadãos. Tanto é que Gepetto se desfaz de seu casaco para comprar a cartilha necessária para que Pinóquio vá à escola ser alfabetizado. Acontece que tudo distrai o menino. Ele cai nas conversinhas daqueles que só lhe querem mal e não consegue enxergar o mal que faz a si mesmo por não ler em profundidade. Quem lê já ouviu dizer que os livros libertam, que eles nos tornam pessoas melhores. Mas na real mesmo, os livros mal usados podem ser armas muito letais, como o própio Pinóquio descobre durante suas aventuras. O autor ainda faz uma conexão brutal com nossos tempos de leituras superficiais, sem a devida reflexão que a leitura deveria nos dar. É o livro mal usado se tornando uma arma.

Uma coisa que na minha leitura de Dom Quixote no colégio eu nunca percebi é sobre como o livro é subversivo e Manguel explica lindamente essa questão no ensaio A leitura como ato fundador. Ele interliga os passos do velho fidalgo no livro aos tempos crueis de ditaduras e ditadores da realidade, costurando uma crítica feroz o mundo da pós-verdade.

D. Quixote de La Mancha é um livro subversivo. Contra a autoridade arbitrária e dos nobres e dos ricos, contra o egoísmo e a infidelidade das pessoas do povo, contra o arrogante equívico dos letrados e universitários, D. Quixote insiste em que o principal dever do leitor é agir no mundo com honestidade moral e intelectual, sem se deixar convencer por slogans tentadores e apelos emotivos, nem acreditar em notícias aparentemente verdadeiras sem verificá-las.

Página 76

A outra escrita foi um texto muito gostoso sobre a tradução que Manguel considera ser "o ato mais íntimo da leitura". Para ele - e concordo - toda leitura é uma tradução, "a passagem da visão formal do universo para uma forma particular de senti-lo e percebê-lo". E em Elogio do dicionário, o autor ressalta a importância deste ninho de palavras, desta fita de Moebius, deste talismã contra o esquecimento. O que são as obras-primas da literatura se não um dicionário em desordem?

Não concordo com o que foi dito no início, na introdução feita pelos editores, de que o livro não tem "esnobismo". Tem sim, em especial quando ele desdenha dos best-sellers, como se fosse uma subliteratura, ignorando que muitos clássicos, na época de seu lançamento, venderam muito bem. Ele tem todo o direito de não gostar, mas não de dizer que não são literatura. A tradução dos textos ficou por conta de Rubia Goldoni e Sérgio Molina e está ótima.

O livro, por sua vez tem alguns problemas de revisão. Na página 84, por exemplo, ele menciona um certo século, mas não tem número. Aliás, estranhei o fato de o livro ser todo em fonte não serifada, quando o mais comum, até para deixar a leitura mais confortável em textos mais longos, que ela tenha serifa. Papel amarelo encorpado no miolo e com uma diagramação confortável de ler, o livro tem capa macia, mas com letras em relevo, que são uma delícia de ficar passando a mão.

Obra e realidade
No texto As lágrimas de Isaac, Manguel fala do livro Eugene Onegin, de Alexander Pushkin, um dos maiores poetas russos. No penúltimo capítulo, a mulher que se apaixonara por ele, Tatiana, visita a casa do herói em busca de sua verdadeira personalidade, um homem que a rejeitou e depois se arrependeu. Tatiana resolve folhear os livros de Eugene, lendo as anotações feitas por ele nas margens, onde poderia descobrir quem era aquele homem de verdade.

"Tatiana sabe que, para todo leitor, sua biblioteca é uma espécie de autobiografia", diz Manguel no meio do artigo. Olhei para os meus livreiros, olhei para as minhas estantes, imaginando no que as pessoas pensariam ao folhear as páginas rabiscadas, com meus post its marcando passagens e frases. Que tipo de pessoa elas acharão que eu sou com base nas minhas leituras? E as suas leituras? O que as pessoas encontrariam nos seus livros?

Alberto Manguel

Alberto Manguel é um escritor, tradutor, ensaísta e editor argentino e atualmente cidadão canadense. É autor de vários livros de não-ficção e análise literária.

A biologia assegura que descendemos de seres de carne e osso, mas, no íntimo, sabemos que somos filhos do sonho, do papel e da tinta.

Página 97

PONTOS POSITIVOS
Textos bem escritos
Livro inédito
Reflexões sobre a leitura
PONTOS NEGATIVOS
Alguns errinhos de revisão
Acaba logo!

Título: Notas para uma definição do leitor ideal
Autor: Alberto Manguel
Tradutores: Rubia Goldoni e Sérgio Molina
Editora: Edições Sesc
Páginas: 168
Ano de lançamento: 2020
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não pensei que fosse gostar tanto desse livro! Não é uma leitura que eu normalmente escolheria em uma pilha na livraria, mas agradeço demais à Gabi pela indicação e pelos trechos compartilhados nas redes sociais. Me fez refletir muito sobre leitura, sobre livros, sobre os motivos para eu gostar tanto deles e me dedicar a compartilhar informações literárias e resenhas. Acho que todo mundo que ama ler deveria ler esse aqui. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

MARAVILHOSO!

Até mais! 📖

Mesmo que, no epílogo de suas aventuras, Pinóquio se transforme num garoto, no fim das contas continuará a pensar como um boneco.

Página 67

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