Em seu livro The Universe Within, Neil Shubin conta que nossos corpos não são apenas fruto da evolução, como também somos frutos dos eventos que moldaram a vida na Terra. Nossa simbiose com tantos microorganismos é a prova viva de como os seres vivos estão interligados. Da mitocôndria ao vírus que possibilitou o parto dos animais placentários, Stefan Cunha Ujvari nos leva a uma viagem pela nossa história com base em vírus, bactérias, parasitas e as doenças que causam.
O livro
É possível traçar os caminhos feitos pela humanidade através de vírus, parasitas e bactérias. Até a Segunda Guerra Mundial, as doenças mataram mais do que todos os conflitos e doenças foram usadas em guerras bacteriológicas antes mesmo do advento da ciência moderna. Elas nos acompanham há muito tempo, desde que os hominíneos se desenvolveram e, em alguns casos, vivem em simbiose pacífica com nossos corpos. O material genético desses microrganismos guarda também parte da história da humanidade.Valendo-se da genética, Stefan traçou rotas, inspecionou as pegadas de peregrinos, chegou em novos continentes e domesticou animais. Aliando infectologia com arqueologia, voltamos no tempo para ver como começou tal relação conflituosa. A viagem começa pelo continente de origem da raça humana, a África, onde algumas doenças começaram a acompanhar as rotas dos primeiros hominíneos. Há indícios da presença de vírus da herpes e do HPV já nos nossos ancestrais Australopithecus, a cinco milhões de anos. Quando a raça humana se desenvolveu, a catapora já estava lá.
Existem múmias egípcias com sinais de tuberculose e cicatrizes causadas pela varíola. E há diferenças genéticas entre vírus que acometem os povos no Oriente Médio, na Ásia ou nas Américas. O trabalho de Stefan foi minucioso ao analisar nossa longa relação com microrganismos. O livro é recheado de informações em seus seis capítulos, que acompanham o nascimento dos hominíneos chegando à agricultura e à criação de animais, indo além, chegando aos dias de hoje, com nossos rápidos deslocamentos pelo globo, carregando doenças conosco. Estamos em plena pandemia de Covid-19, o que mais que prova o argumento do livro.
Comércio, guerras, conquistas territoriais e explorações contribuíram para levarmos infecções às terras distantes.
Página 155
Ele foi escrito para o grande público que não é íntimo de termos científicos complicados, o que não quer dizer que lhe falta profundidade, ao contrário. Ele tem muitas informações escritas de maneira bastante acessível e explica partes um pouco mais densas para que ninguém se perca. O primeiro capítulo explica que vírus, apesar de terem seu próprio código genético, precisam infectar uma célula animal ou vegetal para poderem se reproduzir. Também fala daqueles vírus que viram o nascimento dos hominíneos e depois infectaram as espécies seguintes, chegando até o Homo sapiens.
Nos capítulos seguintes, o autor mostra como as migrações levaram doenças a povos distantes. O piolho tem papel central nessa parte e fiquei surpresa ao descobrir que somos acometidos por dois tipos diferentes de piolhos. Um está disperso por todos os continentes, enquanto o segundo é exclusivo do continente americano. Esse parasita incômodo é responsável por várias epidemias ao longo da história, principalmente a de tifo.
Quando a humanidade chegou ao continente americano, ela também levou suas doenças a este novo lugar. Os europeus chegaram ao continente americano e também se deparou com doenças novas, por exemplo a sífilis, cuja verdadeira origem alguns especialistas apontam como tendo sido deste lado do Atlântico. O autor também comenta sobre experimentos horríveis feitos com negros, no sul dos Estados Unidos e com os judeus, durante a Segunda Guerra.
No capítulo que analisa a agricultura e a domesticação de animais, ficamos sabendo que este contato próximo levou novas doenças à raça humana. Gripe, sarampo, varíola, são doenças que, o contato e manejo direto com animais, acabaram infectando as pessoas. Enquanto a varíola foi erradicada por uma campanha mundial de vacinação no século XX, ainda precisamos tomar vacinas para sarampo e, principalmente, a gripe.
O livro não é muito grande, pouco mais de 200 páginas, mas é recheado de muitas informações interessantes, com algumas fotos e mapas em preto e branco. A capa chama bastante atenção, pois é uma reprodução de O Triunfo da Morte, pintura de Pieter Bruegel, o Velho, que mostra uma cena complexa, em um descampado, fumegante por conta de incêndios, onde vemos corpos empilhados e a figura da Morte, ceifando seres humanos de todas as idades e condições sociais. Outros esqueletos arrastam caixões e cães vadios cheiram cadáveres. Pode parecer uma cena dramática demais, mas não está longe dos cenários das grandes epidemias da história.
Tenho a impressão que ele não foi revisado antes da publicação. Há termos que não se usam mais, mas há uma nota do autor falando que ele usa o termo hominíneo para se referir aos ancestrais da humanidade, já que outros termos caíram em desuso. "Escravo" também não é um termo correto e é utilizado no livro, bem como "homem" como sinônimo de humanidade. E novamente, Stefan nos dá um livro bem escrito, mas sem conclusão. Espero que para uma futura nova edição, além de sanar os problemas atuais, ele traga também um capítulo para a Covid-19.
Obra e realidade
Este livro me fez lembrar de Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond, pois ele já dizia que as guerras nem sempre foram vencidas pelos melhores generais e melhores armas, mas por aqueles que carregavam os piores germes para transmiti-los aos inimigos. Varíola, peste bubônica, tifo, várias doenças acometeram tropas em várias guerras pelo mundo, matando mais do que bombas e munição.Se as pessoas lessem livros como este, talvez (só talvez) deixassem de destilar preconceito e até quem sabe não acreditassem em qualquer bobagem sensacionalista que circula pelo WhatsApp. Vejo que até pessoas esclarecidas acabam caindo nas armadilhas dos boatos e das mentiras por não terem o conhecimento correto sobre vírus, bactérias e parasitas.
Este livro pode, tranquilamente, ser usado tanto em aulas de história, de geografia, como em aulas de medicina e antropologia. A linguagem é acessível e no final existem várias notas complementares para consultar outras fontes.
Stefan Cunha Ujvari é médico infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Mestre em doenças infecciosas e especialista em doenças infecciosas e parasitárias pela Escola Paulista de Medicina, foi professor substituto da disciplina de Emergência Médica na mesma universidade.
Pontos positivos
Muitos dados e fatosBem escrito e pesquisado
Imagens e mapas
Pontos negativos
Faltou conclusão
Revisão
Avaliação do MS?
Sei que nestes tempos de pandemia muita gente pode achar a leitura desse livro pesada demais ou até inadequada. Mas o ganho em conhecimento com ele nos ajuda a compreender que nossa história está marcada pelas doenças e nossa relação com elas. Foi um longo e tortuoso caminho até chegarmos ao momento atual e ainda sofremos com doenças, com surtos e epidemia. Quanto mais aprendemos sobre elas, mais vidas serão salvas no futuro. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! 🩺
Muito interessante! Acho que vou gostar. :)
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