Quem é da minha geração, com certeza, deve se lembrar do livro O Perfume, de Patrick Süskind. Lembro de ler, lá nos anos 1990, uma edição surrada e de capa já gasta de tanto manuseio que alguém emprestou, não lembro mais quem. Mas fiquei com o livro na cabeça por anos, pois adorei o enredo de um horror e erotismo inigualáveis. Para maio, decidi reler uma versão em ebook do livro e foi uma experiência, novamente, insuperável.
👓 Este livro faz parte do Projeto Releituras!
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O livro
A pasteurização do passado pelo cinema e pela TV, muitas vezes, não mostra o cenário que seria mais próximo da realidade. Mas Patrick não nos poupa dos detalhes. Essa é uma Paris do século XVIII, nos anos que antecederam a Revolução Francesa. Um lugar sujo, imundo na verdade, abarrotado de gente pobre que era tão suja quanto a própria cidade. Essa é uma cidade que não tem saneamento básico, ou conhecimento de germes, além de uma cultura que não defendia o banho. Então já dá para ter uma ideia de como seria a ofensa olfativa para nossos narizes limpinhos do século XXI.É nessa Paris fétida que uma mulher dá à luz. Ela limpava peixes em uma barraca quando começou a ter as contrações e pariu ali mesmo, em meio às vísceras e escamas, cortando o cordão umbilical com a faca que usava na mercadoria. É assim que Jean-Baptiste Grenouille, nosso protagonista tão peculiar, veio ao mundo. Rejeitado, visto como um estorvo, o menino sobrevive apesar de todas as adversidades, chegando a trabalhar em um curtume, onde a expectativa de vida não passava dos 15 anos. Mas mesmo em meio a tanto sofrimento, Grenouille tem um dom notável: um senso de olfato diferenciado, capaz de captar os mais suaves odores, mesmo à distância.
(...) as pessoas podem fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou palavras sedutoras. Mas não podiam escapar ao aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração.
É justamente essa capacidade de captar aromas e odores que o torna esquisito, pois as pessoas não entendem como que aquele garoto consegue saber tanto sobre elas. Um garoto calado, que ninguém gosta. É então que Grenouille descobre um fato estranho: ele mesmo não tem cheiro algum. De nada, ele cheira a nada. Isso afasta as pessoas dele, torna sua vida miserável, pois ele não parece ser uma pessoa e se ele não é uma pessoa, não pode ser amado por ninguém.
Sem ter tido muita educação e nem mesmo amor de quem quer que fosse, Grenouille cresce sem muito traquejo social e sem qualquer noção do que é certo ou errado. Seu único objetivo é ter um perfume perfeito, algo que o identificasse como pessoa. E ele levará tal objetivo ao extremo. Grenouille se torna aprendiz de perfumista enquanto tenta descobrir uma maneira de preservar o perfume das pessoas. Posso descrevê-lo como um sociopata, um homem megalomaníaco, desprovido de qualquer respeito pela vida humana.
Grenouille é um daqueles psicopatas super inteligentes da literatura que nunca esquece um cheiro. E apesar de ser uma figura abjeta, é também um personagem muito bem construído, daqueles que você odeia, mas está tão curiosa para saber que fim vai ter que não consegue parar de ler e acompanhar sua jornada e sua sanha assassina. E o autor não nos poupa das sensações olfativas, pois tudo é descrito com esmero. É possível sentir o cheiro do vento, da chuva, do odor dos animais, da lã de uma ovelha, a pele de uma virgem.
Ainda que se passe no século XVIII, a narrativa em terceira pessoa não é aos tropeços, nem devagar. O autor é minucioso em suas descrições dos aromas e nem tinha como ser diferente, afinal é um livro sobre perfumes, sobre cheiros. São momentos muito intensos, onde você se sente exacerbada por todas aquelas sensações que o livro causa. Foi uma das leituras (e releituras) mais intensas que já fiz, provocando todo o nojo e espanto da leitura original.
Não posso, obviamente, revelar o final, só sei que é brutal, chocante, algo que eu não esperava e que foi novamente nauseante como na primeira vez em que li O Perfume. Existe violência no livro, mas não é algo gráfico feito com a única intenção de chocar, é algo que faz parte do processo de Grenouille. O nojo propriamente dito fica por conta dos cheiros evocados durante a leitura, nem é pelas mortes que ocorrem. Talvez a última seja de fato brutal e violenta o suficiente para você nunca mais esquecer desse livro.
Há um poder de convicção no perfume que é mais forte do que palavras, do que olhar, sentimento e vontade. O poder de convicção do aroma não pode ser descartado, entra dentro de nós como o ar em nossos pulmões, nos toma completamente, não há antídoto contra ele.
A edição que li da primeira vez era bem antiga, mas dessa vez li o ebook. Você encontra a edição de bolso nas lojas online que muitas pessoas reclamam ter uma péssima diagramação. E nos sebos encontra a edição original que eu li, lá dos anos 1990. No ebook que eu li não encontrei problemas de revisão ou diagramação e a tradução ficou por conta de Flávio R. Kothe.
Obra e realidade
Eu estava conversando com a Jéssica Reinaldo, do Fright Like a Girl, sobre o gênero literário de O Perfume. Ele é um suspense, um thriller fabuloso, mas também pode ser lido como um livro de terror. Uma das principais características de um livro de terror é o medo. Mas há também o desconforto, a desumanização, a banalidade do mal, onde não há um componente sobrenatural. O terror vivenciado pelos personagens e pelas leitoras é puramente psicológico.Nesse caso, obras como O Perfume e até O Silêncio dos Inocentes pode ser lido como uma obra de terror. Ser perseguida por um psicopata acho que geraria o terror necessário para classificar uma obra dessa forma.
Patrick Süskind é um prestigiado escritor, roteirista e dramaturgo alemão.
PONTOS POSITIVOS
Paris do século XIX
Grenouille
Perfumaria
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Paris do século XIX
Grenouille
Perfumaria
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Avaliação do MS?
Até hoje O Perfume é um dos títulos mais vendidos da editora sediada em Zurique, a primeira a publicar o romance em alemão. Adaptado para o cinema e para a TV, o livro ainda é um sucesso, com mais de 40 milhões de exemplares vendidos no mundo todo, enquanto seu autor vive recluso e concede pouquíssimas entrevistas, quase tão esquivo quanto seu protagonista Grenouille. Um livro sobre e para causar sensações. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais!
Eu adoro demais esse filme e até a série da netflix que se passa nos dias atuais (e que o serviço esqueceu no churrasco) eu curto, mas nunca li o livro, um absurdo. Infelizmente acho que vou demorar um pouco ainda pra colocar na minha lista, nesse periodo que estamos vivendo to passando longe de histórias pesadas e sombrias haha. Abraços
ResponderExcluirErick Sant Ana
https://desconstruindooverbo.com.br/
Li esse livro na década de 90, e nunca ne esqueci dessa incrivel história de um jovem que não conhecia o amor, mas desejava ser amado. As sensações que a leitura desperta são inesqueciveis!!
ResponderExcluirEu li também nos anos 90. Nunca esqueci a história e as sensações que ela causa. Um livro marcante. Vou reler pra ver qual a minha impressão após mais de 20 anos.
ResponderExcluirSerá que em 2005 a editora fará uma edicao bem primorosa, de capa dura?
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