Por que ler os clássicos?

Tal como muitos jovens da minha geração, eu tinha um certo problema para encarar os livros clássicos. Fosse pela obrigatoriedade na escola - você TEM QUE LER ou não será uma leitora de verdade - fosse pelo temor natural que uma obra de mais de 100 anos cause, eu não me sentia apta a ler livros clássicos e até achava que eu não era uma "leitora de verdade" por causa disso. Assim já aproveito para deixar um alerta: não é porque você não lê os clássicos que não é uma leitora.

Mas se tanta gente insiste que devemos ler os clássicos, talvez devamos nos perguntar sobre os motivos para isso. Não é só porque são clássicos.

Por que ler os clássicos?
Alice in Wonderland, de George Dunlop Leslie

Não parece, mas estamos rodeadas pelas histórias clássicas desde crianças. O que são os contos de fadas da Disney? São histórias com centenas de anos, contadas e ressignificadas ao longo do tempo, tornadas mais palatáveis para a audiência infantil, mas sem dúvida são clássicos pela definição que normalmente adotamos como sendo livros antigos, que adotam temas universais e conseguem transcender a época em que foram criados.

Toda literatura tem sua própria periodização, hierarquia, textos e idade. Um livro pode ser clássico por vários motivos. Um dos primeirso é transcender seu próprio tempo. Não foram todos os livros contemporâneos a Frankenstein que se tornaram clássicos. Clássicos também trazem temas relevantes e que nunca envelhecem, porque ainda ressoam nas sociedades ao longo das décadas e dos séculos. Eles falam das condições humanas, principalmente, e ainda nos debatemos com os mesmos temas desde A Ilíada.

Um clássico também dispara reações e reflexões sobre amor, ódio, fé, vida, morte, mostrando o quanto as coisas pouco mudaram desde a época em que foram escritos. Nos conectamos com essa realidade alternativa criada por pessoas que já morreram, revivendo outros ares e outras formas de viver. Com isso fazemos conexões com obras do presente, sejam literárias, cinematográficas, do teatro ou da TV, explorando seus significados.

Clássicos são livros que, quanto mais pensamos que conhecemos através de boatos, mais original, inesperado, e inovador o achamos quando nós realmente os lemos.

Ítalo Calvino

Certo, mas por que então tirar um clássico da estante para ler sendo que existem tantas obras por aí que falam dos mesmos temas, mas com uma roupagem mais moderna? Obras artísticas não existem no vácuo. Elas foram criadas com um propósito, com uma técnica (ou várias), dentro de um contexto histórico, social, econômico, político, assim como as obras contemporâneas. A diferença temporal entre as duas muda os estilos de escrita, linguagem e cenários, mas essencialmente os temas não mudaram.

Um dos filmes mais adorados dos anos 1990, As Patricinhas de Beverly Hills, é baseado em um livro clássico de Jane Austen, Emma. Tal como a protagonista do filme, a protagonista do romance de Austen, Emma Woodhouse, é uma jovem rica, bonita, mimada e órfã de mãe, que adora interferir na vida, sobretudo amorosa, das pessoas que a cercam. Eu vi o filmes várias vezes e só fui saber disso anos depois. Ou seja, o que Jane Austen escreveu em 1815 mudou pouco de lá para cá quando Cher vai para a escola em Beverly Hills.

Essa universalidade dos clássicos e a forma como inspira novas produções já seria o suficiente para fazer com que as pessoas não torcessem o nariz para tais livros. Clássicos podem começar movimentos literários como também podem quebrar tradições já estabelecidas e inicar novos momentos para toda a uma classe de escritoras.

Quando a gente se familiariza com os clássicos passamos a entender melhor como que outros livros se encaixam na literatura e até nos nossos gostos. Começamos a identificar influências e referências que antes não tínhamos notado por não saber dessa ligação estreita. Isso acaba nos levando a apreciar nossos livros favoritos ainda mais, pois pode nos fazer enxergar passagens e inspirações que estavam lá e não tínhamos reparado antes. Podemos até entender melhor as inspirações de nossas autoras contemporâneas favoritas.

Posso até mesmo citar a melhora do vocabulário com a leitura dos clássicos como um bom motivo para mergulhar neles. Por terem narrativas de outras épocas, elas podem parecer inatingíveis, mas quando acumulamos bagagem literária suficiente, é como se um véu fosse removido da frente de nossos olhos e eles começam a fazer sentido. Com a facilidade de leitura dos e-readers, que já acompanham um dicionário, descobrir significados de palavras desconhecidas ou pouco usadas no presente nos ajuda a aumentar o vocabulário e a expandir nosso conhecimento do idioma.

Ler ficção nos torna mais empáticos. A ficção serve como uma simulação para nossas habilidades sócio-cognitivas e os leitores podem formar ideias sobre as emoções, as motivações e os pensamentos dos outros a partir de obras ficcionais, transferindo tais experiências para a vida real.

Ao nos tornarmos mais empáticos, somos capazes de melhor identificar o que as outras pessoas pensam e sentem com maior facilidade e também nos tornamos mais pacientes, cooperativos e simpáticos com o outro. Não apenas com o outro, mas ao simular situações em nossas mentes passamos a compreender melhor nossos próprios sentimentos, acabamos nos identificando com personagens que, 200 anos atrás, já passavam pelos mesmos problemas que passamos hoje. É uma grande e simples ferramenta de simulação que nos traz inúmeros benefícios.

Clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

Italo Calvino

Em uma próxima postagem a ideia é montar um guia sobre como começar a ler os clássicos. Você está lendo algum neste momento? Minha leitura clássica atual é Jane Eyre, de Charlotte Brontë.

Até mais! 📖

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Comentários

  1. Eu sempre tive uma predileção pelos clássicos, principalmente da literatura estrangeira - não desmerecendo os clássicos brasileiros, obviamente. E isso porque o caráter universal destas obras me fascina até hoje. São atemporais e continuarão por muitos anos. No momento não estou lendo nenhum clássico, na verdade está difícil ler algo que não esteja relacionado às aulas remotas e conteúdos didáticos... rs

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  2. depende do que e quem chamam de clássicos!
    Não sei se Julio Verne e Asimov são considerados clássicos. Se sim, fui um leitor faminto.

    Mas como Jaime acima, eu sempre li mais os clássicos estrangeiros. Das aventuras de Mob Dick aos romances de Orgulho e Preconceito.

    Acho que o que a própria literatura brasileira considera como seus clássicos é estranha. Não estudei letras, nem fui a fundo, mas sinto que o que nós mesmos chamamos de "clássicos nacionais" é mais fechado, mais homogêneo, do que a literatura inglesa chama de clássico.

    Sei que eles consideram algo como Drácula um clássico, Frankstein como um clássico.
    Mas ao pensar em clássicos brasileiros, não consigo pensar em um "clássico" de aventura, ou de ficção científica, ou de terror. Não sei, se isso é só uma impressão da minha percepção limitada.

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    1. Existem sim livros clássicos brasileiros de ficção científica. Não verás país nenhum e a Trilogia Padrões de Contato são bons exemplos. Mas como a academia pouco estuda a ficção científica, esses títulos não acabam muito conhecidos.

      E sobre o que define um clássico, eu expliquei lá em cima no texto. Jogos Vorazes, por exemplo, já é considerado um novo clássico da literatura. 👍

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  3. Faz um tempinho que tenho me adentrado mais no mundo dos clássicos e gostado bastante. Hoje é o que mais procuro para ler. Não que isso vá durar a vida inteira, mas como estou com vontade de ler alguns clássicos que muitas listas têm como 'essenciais', tenho procurado mais por eles nesse momento. Estou lendo David Copperfield, mas como sei que vai levar tempo, logo pego algum outro hehe.
    Muito bom o texto, Capitã.
    Esperando o próximo ansiosa.
    ;)

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