Resenha: Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro

O novo livro do ganhador do Novel, Kazui Ishiguro, bem como alguns de seus outros, é o que a gente pode chamar de "ficção científica para quem não gosta de ficção científica", pois todos os elementos vistos em outros autores e outros livros estão presentes em Klara e o Sol. Aqui nós temos um Amigo Artificial, Klara, comprado por uma família para fazer companhia a uma menina doente.

O livro
Klara é um Amigo Artificial, um androide apesar de o autor nunca usar o termo. Dotada de uma grande capacidade de observação, Klara estuda o comportamento das pessoas que passam pela vitrine da loja onde ela está sendo exibida. Klara espera, assim como os outros Amigos Artificiais, que uma boa pessoa entre e a escolha como uma companheira. Mas um conselho a deixa intrigada: ela não deve confiar na bondade humana.

Resenha: Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro

Seu conhecimento sobre a sociedade humana é limitado pelo o que ela consegue enxergar da vitrine, mas Klara faz suas suposições mesmo assim. Ela acompanha o caminho do sol no céu, que ela considera como uma entidade, alguém que fornece nutrição e que lhe é muito importante. Assim Klara supõe que o sol seja importante na mesma medida para os humanos, acreditando que ele nutra as pessoas da mesma maneira que faz a ela, movida a energia solar.

Klara é muito ingênua e acho que nem tinha como ser diferente. Costumamos ver na ficção científica muitas inteligências artificiais maliciosas e espertas, capazes de pensar rápido e fazer suposições com bastante perspicácia, mas e se não for assim de verdade? Que malícia um robô, um androide, teria do mundo se sua experiência inteira foi programada, não vivida? Essa é uma discussão recorrente dentro da ficção científica, sobre como as inteligências artificiais se comportariam em determinadas situações e se terão ou não consciência. No livro Eu, Robô vemos várias questões semelhantes relacionadas aos conflitos da programação dos robôs com as três leis da robótica, então esse tema nem é necessariamente novo.

Josie, uma garotinha de 14 anos, se encanta por Klara na vitrine e depois de algum tempo a leva para casa como sua companheira. Elas moram em uma casa grande, mas em uma região isolada, sem muitos vizinhos. O único vizinho e melhor amigo de Josie é um garoto chamdo Rick. Klara logo descobre que Josie é uma menina gravemente doente e que ela tem seus dias bons e ruins. Rick a ajuda a passar por eles enquanto Klara observa a saúde da menina oscilar.

Aqui devo confessar que, para mim, sempre houve outro motivo para querer ficar na vitrine, que nada tinha a ver com a nutrição do Sol ou com ser escolhida. Ao contrário da maior parte dos AAs, mesmo de Rosa, eu sempre quis ver mais do lado de fora - e com todos os detalhes.

Toda a narrativa é feita pela perspectiva de Klara e suas limitadas visões de mundo. Ela não consegue enxergar certas malícias e maldades, encaixotando o mundo como se estivesse vendo as imagens em pixels. A androide disseca as situações sem entender como as pessoas pensam e agem. Apesar de toda a sensibilidade de Klara para com Josie e a mãe da menina, Klara não passa de um smartphone de tamanho família para a garota. Apesar de achar que podemos sentir empatia por objetos inanimados e que é sim possível transferir sentimentos para robôs, também acredito que androides como Klara sofrerão com todo o tipo de violência e abuso nas mãos das pessoas.

Consigo entender porque Ishiguro não apenas ganhou o Nobel como uma legião de fãs. Ele soube trabalhar sentimentos complexos com bastante eficiência e sensibilidade, sem ser piegas, mas sim melancólico, num nível de tristeza que só a falta de conexão com as pessoas fornece. As pessoas vivem juntas, mas não parecem conviver juntas, em um mundo artificial e cada vez mais desconectado umas das outras.

Mas também não consigo ver nada de novo em Klara e o Sol que eu já não tenha visto várias vezes na ficção científica e até melhor escritos. O autor tem uma narrativa límpida, explorando a melancolia tecnológica, sem discorrer em si sobre a tecnologia, mas sim sobre seu impacto nas vidas das pessoas. Mesmo não discorrendo sobre a tecnologia dos robôs, coisa que nem é necessária dependendo do tipo de enredo que você tem, não tem como não dizer que o que ele escreve é ficção científica, por mais que Ishiguro negue. Ele apenas não mostra esse mundo com mais detalhes, deixando que as leitoras preencham os espaços.

O livro é OK, mas não me encantou. Achei arrastado, até mesmo chato e foi uma luta chegar ao final. Para quem não tem costume de ler ficção científica, o livro é um prato cheio, já que não aborda aspectos tecnológicos, nem se aprofunda nesse mundo distópico, ficando bem na superfície dele, dependendo das impressões de uma androide para funcionar. Mas para quem já está bem acostumada com FC o tema trabalhado pelo autor não é novo, aliás é bem batido e já apareceu outras vezes.

Não li o livro físico, li o ebook, mas não encontrei problemas de revisão nem de tradução, que foi de Ana Guadalupe e está muito boa.

Deve ser ótimo. Não sentir falta das coisas. Não sonhar em ter algo de volta. Não viver no passado.

Obra e realidade
Dilemas existenciais em androides e robôs não são exatamente novos. A ficção científica em sua "era de ouro" já fazia isso com as obras de Asimov. Blade Runner é outro grande exemplo de inteligências artificiais em conflito com sua programação e sua existência. Frankenstein talvez seja um dos exemplos mais célebres, por tratar de uma forma de vida artificial em conflito com sua própria existência, querendo a compreensão do criador. Se tem uma coisa que permeia a ficção científica desde sempre são os conflitos científicos e tecnológicos e a relação das pessoas com eles. Mas como muita gente ainda enxerga a ficção científica como sendo um gênero de ET e navezinha, elas perdem essas grandes discussões por puro preconceito.

Kazuo Ishiguro

Kazuo Ishiguro, é um escritor nipo-britânico. Ishiguro recebeu o Nobel de Literatura em 2017. Suas obras foram traduzidas para mais de 40 idiomas.

Pontos positivos
Amigo Artificial
Distopia light

Pontos negativos
Tema batido
Leitura lenta
É chato

Título: Klara e o Sol
Título original em inglês: Klara and the Sun
Autor: Kazuo Ishiguro
Tradutora: Ana Guadalupe
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 336
Ano de lançamento: 2021
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não vou dizer que o livro é de todo decepcionante. Ele é bem OK para mim, pois não me surpreendeu em nada. Achei Klara muito ingênua, mas também imagino que ela não teria como ser diferente. O autor explora bem os sentimentos dos personagens e da própria Klara, ainda que eu já tenha visto essas especulações em outros trabalhos por aí. Três aliens para Klara e o Sol.



Até mais! ☀

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Comentários

  1. Estava aguardando sua resenha desde que vi você estava lendo!
    Eu amo a escrita do Ishiguro, por isso estou ansiosa para ler esse. Mas entendo seu ponto sobre ser "ficção científica para quem não gosta de fc"... não sei se você já leu outros do Ishiguro, mas eu tive uma sensação parecida com "Não me abandone jamais". É o que você mesma escreveu ali "distopia light". É um livro que eu amo, aborda clonagem, doações de órgãos, etc, eu vejo como uma distopia, só que não se aprofunda muito no universo e aí tem gente que não vê como ficção científica.
    Enfim, acho que um ponto forte do autor é mesmo como ele aborda sentimentos e memórias dos personagens (pelo menos em outros livros).

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    Respostas
    1. Errr, acho que depois de Klara e o Sol não pretendo ler mais nada dele. 😅

      Mas concordo com o que você falou, sobre ele abordar sentimentos e memória dos personagens. Ele faz isso muito bem. Mas eu gosto de outra construção de mundo.

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  2. Que bom que não sou o único.
    Há alguns autores que não podemos falar em público que não gostamos hahaha

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