Os vampiros humanizados de Anne Rice

O ano era 1994, eu estava na 6ĀŖ sĆ©rie. As livrarias se inundaram de livros sobre vampiros, principalmente os livros de Anne Rice, pois nos cinemas estreava um filme "polĆŖmico": Entrevista com o vampiro. Com roteiro da prĆ³pria autora, o filme causou um furor na audiĆŖncia e a febre dos vampiros se espalhou rĆ”pido. Lembro que no colĆ©gio nĆ£o se falava de outra coisa, sobre a estreia do filme e, claro, eu e minhas amigas invadimos as livrarias em busca de livros a respeito.

Os vampiros humanos de Anne Rice

Eu sĆ³ vim a ler o livro Entrevista com o vampiro recentemente. Mas meu primeiro contato com Anne Rice foi com Pandora, um livro que na Ć©poca teve um gosto meio amargo por causa do estilo meio rebuscado da autora. Eu ainda tenho essa ediĆ§Ć£o, dos anos 1990, com capa vermelha e papel branco, meio oxidada pelo tempo. O que me impressionou na histĆ³ria de Pandora - e por consequĆŖncia nos vampiros do filme - foi a intensa humanidade que esses seres malditos possuĆ­am, coisa que conde DrĆ”cula nunca me pareceu ter.

DrĆ”cula Ć© um Ć³timo personagem, um grande vampiro e gosto muito da adaptaĆ§Ć£o de Francis Ford Coppola, ainda que eu nĆ£o goste do papel dado Ć  personagem Mina. Mas o que me incomoda nos vampiros clĆ”ssicos Ć© que o ar sobrenatural os deixa um tanto afastados do mundo humano real. Eles possuem aquele ar etĆ©reo, mĆ”gico, onde espelhos, alhos e estacas sĆ£o um perigo. Ele pode se transformar em nĆ©voa, em ratos, em morcegos. Ɖ praticamente um ser indestrutĆ­vel, que vive acima dos problemas mortais.

AĆ­ vocĆŖ pega a obra de Anne Rice. Lestat e Louis enfrentam problemas financeiros e precisam se rebolar para manter as contas da fazenda de Pointe Du Lac em dia para poderem sobreviver, enfrentando a desconfianƧa dos escravizados da fazenda e dos vizinhos. Encontrar abrigo da terrĆ­vel luz solar Ć© um saco e Ć© preciso se esconder em lugares escuros, como catacumbas e os esgotos caso seu confortĆ”vel caixĆ£o nĆ£o esteja por perto. Se transformar em nĆ©voa? NĆ£o. Morcegos e sair voando por aĆ­? Necas. Os vampiros de Anne Rice possuem as mesmas dificuldades mortais de todos nĆ³s e acho que isso Ć© o que chama tamanha atenĆ§Ć£o para eles.

O mito dos vampiros estĆ” espalhado pelo globo. Praticamente cada cultura passou por um telefone sem fio que espalhou versƵes semelhantes do mito do sugador de sangue. Relacionados intimimamente com o medo da morte que os humanos possuem desde tempos ancestrais, os vampiros sĆ£o uma contradiĆ§Ć£o ambulante. Se sĆ£o seres mortos reanimados - zumbis, praticamente, apenas possuem inteligĆŖncia e sĆ£o quase todos dotados de algum poder sobrenatural - eles personificam nosso medo mais profundo. O morto reanimado perde sua humanidade e se torna um perseguidor da sua prĆ³pria espĆ©cie.

Ɖ muito provĆ”vel que o nosso medo ainda implique na velha crenƧa de que o morto torna-se inimigo do seu sobrevivente e procura levĆ”-lo para partilhar com ele a sua nova existĆŖncia.

Freud, 1919

Os vampiros de Anne Rice cativam por serem assolados pelos dilemas humanos de maneira muito mais direta. Claro, continuamos sendo sua forma de alimento, mas o livro deixa claro como eles precisam se virar para se sustentar, como precisam se esconder e todos os problemas que a imortalidade traz. Ɖ quase como ser um incĆ“modo, um fardo para todos os que estĆ£o por perto. Louis Ć© assolado pela falta de respostas sobre sua nova condiĆ§Ć£o, enquanto Lestat Ć©, basicamente, um porra-louca que nĆ£o liga para os medos e preocupaƧƵes de Louis, tirando sarro dele o tempo inteiro, inclusive de seus estudos sobre sua condiĆ§Ć£o de vampiro.

Ainda que possuam suas fragilidades, esses vampiros nĆ£o tĆŖm problemas com espelhos, alho ou cruzes. Louis por exemplo atĆ© gosta de olhar para cruzes. O que eu senti do livro e que nĆ£o senti no filme foi essa humanidade controversa e espetaculosa dos personagens que, por mais que queiram beber nosso sangue e precisem de nĆ³s, sĆ£o tĆ£o semelhantes. De certas maneiras eu atĆ© senti pena dos personagens Ć s avessas com os resquĆ­cios da humanidade que nĆ£o conseguiam largar, inclusive Lestat.

Pandora tambĆ©m me passou essa impressĆ£o. Mesmo depois de vampirizada, ela nĆ£o deixou de lutar pelo o que acreditava, nem deixou de se inteirar sobre a polĆ­tica do impĆ©rio, o que a levou atĆ© vĆ”rias discussƵes com Marius, seu companheiro. Na Ć©poca, admito, que achei essas discussƵes idiotas. Eles discutiam a polĆ­tica do impĆ©rio sendo que tinham uma eternidade pela frente para fazer o que quiserem. Mas acho que a humanidade Ć© como uma roupa que vocĆŖ usou por tempo demais e nĆ£o pode mais tirar sem se sentir nu ou desconfortĆ”vel. Esse sem dĆŗvida Ć© o caso dos vampiros de Rice.

A personagem de ClĆ”udia Ć© perfeita para demonstrar essa humanidade dos vampiros do livro e do filme. Aprisionada em um corpo de crianƧa, ela deixa a infĆ¢ncia, cresce e se desenvolve, mas nĆ£o deixa a aparĆŖncia infantil. Ɖ uma mulher presa eternamente em um corpo de crianƧa, ansiosa por viver a humanidade que lhe foi roubada, pois sĆ³ assim ela poderia crescer e se tornar a mulher que, psiquicamente se tornou. Mas a maldiĆ§Ć£o vampĆ­rica a aprisionou naquele corpinho frĆ”gil e, tal como a criatura de Frankenstein, ela se tornou fria e cruel Ć s vezes alĆ©m da medida, ainda que amasse Louis profundamente. Essas contradiƧƵes acabam por aproximar os personagens da nossa realidade de maneiras que DrĆ”cula, por exemplo, nĆ£o conseguiu.

Eu ainda vou trazer a resenha de Entrevista com o vampiro e Pandora no blog, entĆ£o fique ligada por aqui! Mas para mim, Lestat Ć© um dos melhores trabalhos de Tom Cruise.

AtĆ© mais! šŸ§›šŸ¼‍♀️

JĆ” que vocĆŖ chegou aqui...

ComentƔrios

Form for Contact Page (Do not remove)