Os escritores que não vemos

Essa semana que passou foi marcada por uma luta entre um dos grandes escritores de ficção científica, Alan Dean Foster, autor de novelizações de várias sagas importantes como Alien e Star Wars, para receber da Disney seus devidos direitos como escritor. A gigante do entretenimento comprou a FOX e a LucasFilms, adquirindo assim os direitos de publicação de várias franquias gigantescas e famosas. O mais insólito disso tudo é que a Disney alega ter comprado apenas os direitos das obras, mas não a obrigação legal de pagar o autor por isso. Isso só levanta, novamente, a questão de como os escritores são mal pagos e desvalorizados, até mesmo nomes grandes como o de Foster.


Os escritores que não vemos

A desculpa esfarrapada da Disney abre um precedente extremamente perigoso para os escritores. E não estamos falando de uma editora com problemas financeiros e que está com dificuldades para pagar os escritores, mas sim de uma mega corporação que vale 250 bilhões de dólares e que está tentando dar uma de migué para não pagar um escritor bem estabelecido no mercado, mas que agora tem uma esposa doente e ele mesmo está com câncer.

Isso escancara outra coisa: o quanto as pessoas desconhecem os bastidores da escrita e como não têm noção do quanto um escritor ganha, nem mesmo como é pago. Ao perguntar para algumas pessoas se elas conhecem algum nome de um escritor ou escritora famosa, eles provavelmente vão levantar nomes como os de J.K. Rowling e Stephen King. Mas o que elas não sabem é que esses casos são exceção dentro do mercado editorial. A grande maioria dos profissionais da escrita possui um trabalho para pagar as contas e passa madrugadas martelando seus teclados escrevendo ou fazendo frilas de escrita.

As pessoas topam com escritores diariamente, a cada momento. No seu trabalho, na faculdade, na escola, se você não é um, provavelmente conhece alguém que é. Essa pessoa pode ter passado parte da madrugada escrevendo uma ideia nova que ela rascunhou no celular na hora do almoço e você nem tá sabendo. Ou ela começou uma fanfic com seus personagens favoritos daquela série de TV. Quando ela decide chegar cedo em casa e não vai tomar um chop na sexta-feira com o resto da galera, não é antipatia pelo grupo, provavelmente ela vai ficar na frente do computador até os olhos começarem a pesar de sono depois de escrever por horas a fio.

Na hora do almoço, você comprou um remédio e parou para ler a bula. Essa bula foi escrita por alguém. Você abriu o Google para procurar alguma coisa e caiu na página da Wikipédia. Esse texto foi escrito por alguém. Abriu seu jogo favorito e teve que ler o texto introdutório daquela missão? Alguém escreveu aquele texto. Abriu a Netflix e assistiu a um novo episódio de sua série favorita? O roteiro foi escrito por alguém. Tirou uma receita da internet para fazer num sábado de chuva? Alguém escreveu aquela receita. Leu a biografia de sua atriz favorita? Algum ghostwriter escreveu esse livro. A graphic novel bonitona e colorida? Alguém roteirizou. Leu uma lei na página do governo? Acredite, alguém a escreveu.

Todos os dias você consome o trabalho de dezenas de escritores que são invisíveis. Que são mal pagos. Que trabalham nas madrugadas e nas horas livres porque das 8 às 18hs está no trabalho que, de fato, paga as contas, já que a escrita não o sustenta. Mesmo aqueles que conseguiram publicar por editoras recebem um valor baixo pela venda de capa e praticamente não lucra com o seu trabalho (às vezes de anos). Aqueles que têm sorte de receber um adiantamento de direitos autorais não vão poder lucrar com seu livro enquanto a primeira edição inteira não vender.

Alan Dean Foster é um escritor de longa data, que novelizou filmes como Alien, o Oitavo Passageiro, Aliens, Star Trek 2009, Star Trek Into Darkness e vários livros da série animada, vários livros de Star Wars, Alien Nation, Transformers, além de novelizar games de computador como The Dig e Shadowkeep e filmes como O Enigma do Outro Mundo e O último guerreiro das estrelas. Foster criou a história que viraria o roteiro de Star Trek: The Motion Picture e tem mais de 300 livros no currículo. Se nem ele consegue receber os direitos autorais de seus próprios trabalhos, o que pode acontecer com outros escritores caso a Disney ganhe essa causa?

Essa é uma situação que a afeta a todas as pessoas que escrevem, pois ela pode deixar confortáveis aqueles que já não queriam pagar por um trabalho em primeiro lugar. Enquanto a gente luta pela valorização da carreira e dos profissionais de escrita, uma gigante como a Disney fica miguelando os direitos autorais de alguém que trabalhou por isso.

Até mais.

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Comentários

  1. Um texto muito oportuno! Em relação à Disney, nunca gostei de ver o monopólio que ela tem construído, comprando várias outras empresas.
    E em relação à escrita, nada mais verdadeiro que este texto! A escrita é uma arte quase sempre invisível e subvalorizada!
    Abração!

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