Resenha: Viajantes do abismo, de Nikelen Witter

O mundo está se tornando um grande deserto praticamente inabitável. Como as pessoas poderão sobreviver às intensas mudanças que estão acontecendo, sendo que nem mesmo o governo parece admitir a gravidade da situação? Talvez uma mulher corajosa possa mostrar à sociedade como lutar contra as adversidades.

O livro
O prólogo nos avisa que uma guerra estourou. A família de Elissa Till está no epicentro da guerrilha e será preciso abandonar a cidade de Alva Drão, onde todos moravam, por questão de segurança. Em seguida entramos na vida da família Till e da protagonista, Elissa, uma jovem que está prestes a se casar com Larius Drex, um homem que conseguiu se alçar a uma importante posição em sua província. Mas Elissa começa a ter algumas dúvidas sobre seu papel nesse casamento, sobre seu papel de esposa.

Resenha: Viajantes do abismo, de Nikelen Witter

Quando Larius resolve romper o compromisso, a vida que Elissa tinha vislumbrado parece ruir. Elissa viveu protegida pela família, numa prateleira como lhe é dito mais para frente no livro, e acaba acomodada nesse ninho confortável até que membros de sua família começam a incomodar os poderosos. Uma coisa que consegui ver com muita clareza nesse livro são características brasileira muito claras, como o coronelismo perverso dos rincões e a politicagem clássica, com muito apadrinhamento e milícias armadas. O mundo que Nikelen criou pode ter nomes diferentes, mas é genuinamente brasileiro em vários detalhes que só lendo mesmo para identificar.

A autora tece uma forte crítica às mudanças climáticas e os danos causados ao meio ambiente pelas ações humanas. As mudanças estão cada vez mais intensas, se estabelecendo, enquanto aqueles que estão em posições de tomadas de decisão agem de maneira tímida ou fecham os olhos completamente para os problemas. Quem sofre é justamente a população mais vulnerável. O mundo de Elissa é assolado por fortes tempestades de areia que são capazes de engolir vilas inteiras e a ciência é a única que pode fornecer as respostas num universo onde há descrença e desconfiança sobre ela. Parece familiar?

O elenco de personagens é grande e devo dizer que não consegui gostar da protagonista. Consegui me compadecer e me identificar com ela em vários momentos, acompanhei angustiada ao seu lado e em outros quis socar, mas curti muito mais sua irmã Teodora, uma mulher de forte personalidade, cientista e uma pessoa brilhante, do que a protagonista Elissa. Aliás, eu leria um livro inteiro protagonizado por Teodora facilmente, pois ela, de fato, cativa e te conquista, mesmo com sua rabugice. Já Elissa fica tanto tempo na postura de jovem perdida que, quando ela toma as rédeas da situação, senti que já era tarde demais para simpatizar. Devo dizer que o romance quase que mágico não me fisgou nem um pouco. Me pareceu artificial, com uma adoração sem explicação que apenas não parecia caber no enredo e um tesão tão rápido que me pareceu mal colocado.

Senti muita falta de um mapa que possa nos mostrar a configuração desse mundo. São várias as localidades aqui mencionadas, as paisagens, as mudanças ambientais, e um mapa teria nos ajudado a visualizar melhor as distâncias e os lugares que são importantes, nos dando uma nova perspectiva. Nem todos os livros precisam necessariamente de um mapa, mas este com certeza carece de um.

Uma coisa sobre a construção de mundo dele é que o livro, na sinopse, promete ser um romance steampunk, mas na verdade vemos bem pouco de vapor nele. O livro me pareceu mais um faroeste do que um livro steampunk e com muitos elementos que acabaram descaracterizando a premissa original. O livro teria ficado bem mais interessante com o foco em algumas coisas como as mudanças climáticas e a política. Os componentes mágicos que a autora apresenta não me fisgaram e me pareceram deslocados. Se eu pudesse ter editado esse livro, teria dividido em três para poder caber a quantidade de elementos que a autora coloca que simplesmente carecem de mais desenvolvimento.

Não sabia dizer qual das duas catástrofes parecia mais iminente: o colapso da república ou o colapso de um cotidiano que só fingia normalidade.

Página 74

A edição da Avec está bem diagramada e com um ótimo trabalho gráfico interno. Não encontrei problemas de revisão nele. A lindíssima capa é arte da Camila Fernandes.

Obra e realidade
Uma das reclamações que eu já ouvi sobre a literatura fantástica brasileira é que muitas vezes ela é uma imitação da ficção gringa, que falta aspectos tipicamente brasileiros nos enredos. Mas lendo Viajantes do Abismo você identifica fácil vários componentes da nossa cultura e sociedade. A descrença com a ciência, por exemplo. A negação diante de mudanças ambientais severas. O coronelismo e os mandos e desmandos de políticos que se sentem donos do poder. Uma população desassistida que só pode contar com a própria coragem para poder sobreviver. Mulheres tomando a dianteira em situações difíceis e sendo as chefes de família. Está tudo lá.

Nikelen Witter

Nikelen Witter é uma escritora, historiadora e professora universitária brasileira.

PONTOS POSITIVOS
Mundo bem descrito
Teodora

PONTOS NEGATIVOS
Algumas partes pouco desenvolvidas
Leitura devagar
Elissa

Título: Viajantes do abismo
Autora: Nikelen Witter
Editora: Avec
Páginas: 304
Ano de lançamento: 2019
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Foi uma leitura OK, mas queria ter curtido mais. Elissa foi intragável ao longo das 300 e tantas páginas do livro e chegou uma hora em que eu não queria mais saber o que aconteceria com ela. Curti toda a atenção aos problemas ambientais e políticos vividos pelos personagens e certamente lerei mais livros da Nikelen. Três aliens para Viajantes do Abismo.


Até mais!

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