Resenha: Estrela Vermelha, de Aleksandr Bogdánov

Considerada a primeira utopia bolchevique, Estrela Vermelha é um clássico perdido da ficção científica, resgatado pelas mãos da editora Boitempo! Já aviso o seginte: este livro é fruto do seu tempo. Se você for ler esta obra como uma ficção científica, pode se decepcionar. Leia como um retrofuturismo, como um retrato de uma época passada, que aí ele funciona bem.

O livro
Leonid é nosso protagonista e narrador, um matemático e revolucionário que mora em São Petersburgo. Leonid nos conta sobre seu relacionamento com o movimento revolucionário bolchevique, do qual faz parte, principalmente com sua namorada, Anna Nikolaevna. As diferenças ideológicas que tem com Anna são grandes demais para que Leonid releve. Perdido, Leonid, ou Lenni como costuma ser chamado, também comenta sobre sua convivência com uma figura misteriosa do movimento, Menny.

Resenha: Estrela Vermelha, de Aleksandr Bogdánov

Menny faz um convite a Leonid e os dois conversam alegremente sobre ciência (ao menos a ciência avançada da época), até que Menny conta que é um marciano disfarçado na Terra e o convida a visitar seu planeta e conhecer sua sociedade, que é pautada na igualdade, onde não há exploração do trabalhador, onde os meios de produção pertencem ao povo. Ele avisa que uma eteronave (nave que viaja pelo éter) está pronta para partir e Leonid é o convidado da jornada.

Publicado em 1908, o livro é sem dúvida fruto do seu tempo e acho que Aleksandr conseguiu adaptar a tecnologia e o conhecimento científico da época muito bem para o contexto de seu enredo. Quem for focar apenas nos avanços tecnológicos do livro, porém, vai acabar se decepcionando, pois ele está de fato datado, mas o livro é fruto de sua época, testemunho de um tempo e da capacidade imaginativa do autor que estava antenado com a ciência da época. Livros assim não podem ser tirados de seu contexto.

Outra coisa bem interessante: é uma utopia. Na excelente introdução do livro feita pelas tradutoras, Paula Vaz de Almeida e Ekaterina Vólkova Américo, é ressaltada a necessidade moderna de utopias que mostrem mundos possíveis onde nós não nos destruímos. Distopias têm seu papel, mas as utopias também. Nós acreditamos muito mais no fim de nossa sociedade e na regressão de nossa espécie do que na capacidade que temos de resolver problemas e de fazer o que é melhor. E a literatura acaba sendo o termômetro de tal sentimento.

(...) enquanto a humanidade estiver sujeita à irracionalidade do lucro, à lógica de uma minoria que expropia até os sonhos dos demais, não faltarão motivações para ela imaginar e representar o próprio fim, já que é a isso que o modus operandi do capitalismo conduz.

Página 12

O futuro imaginado por Aleksandr é radiante, onde o socialismo triunfaria sobre todo o planeta, oferecendo oportunidades iguais e o fim da servidão capitalista. Mulheres não estão presas aos seus afazeres domésticos, nem mesmo presas às regras rígidas de gênero. A interdisciplinariadade do próprio autor reflete nas inúmeras questões abordadas no livro, desde ciência espacial até a educação de crianças, onde ele diz que "para receber educação para a sociedade, uma criança deve viver em sociedade" (página 89).

O livro foi pesadamente censurado e depois acabou caindo num ostracismo por contrariar a ideologia assumida pela União Soviética nos anos 1930. O livro defende o amor livre, liberdade sexual e de gênero, entre outros e isso poderia vender uma imagem perigosa ao povo. A edição da Boitempo, felizmente, contém todos os cortes feios pelos censores, todos devidamente identificados em notas de rodapé. Escrito dez anos antes da Revolução Russa, o livro é basicamente uma reação à Revolução de 1905, que levou o czar Nicolau II a criar um parlamento e a permitir a existência de partidos políticos. Bolcheviques e mencheviques tinham se separado em 1903 e Aleksandr e Lenin acabaram se distanciando poucos anos depois.

Durante e depois da Revolução de 1917, o livro era bastante popular e um exemplo de ficção utópica que lidava com os problemas das nações industrializadas, fossem capitalistas ou não. Existem menções à astrobiologia, ciência que nem existia na época, bem como bioética, proteção do meio ambiente, o uso de energia atômica e a preocupação com o fim dos recursos naturais. Devo dizer que o livro foi uma grata surpresa pela quantidade de temas que aborda.

A narrativa de Aleksandr pode ser meio chatinha em alguns momentos e temos que lembrar que este livro é de 1908. Ele às vezes discorre longamente sobre determinados assuntos, quase como um devaneio e fala sobre a transfusão de sangue, algo extremamente perigoso de se fazer na época e que acabou matando o autor décadas mais tarde. Ele está muito bem traduzido por Paula e Ekaterina, não tem problemas de revisão ou diagramação. No livro existem algumas fotos de Aleksandr, mas é uma pena não ser um livro ilustrado com imagens de Marte e sua civilização.

A facilidade - e, por vezes, até o entusiasmo - com que se aceitam as narrativas de fim do mundo é diretamente proporcional ao ceticismo com que se rejeitam as ideias de um mundo igualitário e justo.

Página 11

Obra e realidade
Aleksandr Bogdánov foi um dos mais importantes membros do movimento bolchevique, perdendo em popularidade apenas para o próprio Lenin. Ainda que Estrela Vermelha fale de Marte, Aleksandr estava mostrando aos leitores a sua visão sobre o tipo de sociedade que poderia emergir na Terra depois da vitória da revolução técnico-científica, bem como de uma revolução social marxista. Isso é importante de ressaltar, pois a revolução não será feita sem um grande apoio da ciência e que por isso é preciso gerar mão de obra qualificada para tal.

Assim como Ray Bradbury não falava de marcianos em As Crônicas Marcianas, é óbvio que Aleksandr não falava de marcianos aqui, mas de nossa própria sociedade. Usando-se do artifício de alienígenas, ele pretendia tirar os leitores do lugar comum para que eles compreendessem o que a revolução poderia fazer por eles.

Aleksandr escreveu um preguel de Estrela Vermelha, em 1913, chamado Engineer Menni, que detalha a criação da sociedade comunista de Marte e em 1924 publicou um poema chamado "A Martian Stranded on Earth" , que seria o começo de um terceiro livro, mas ele não conseguiu concluir antes de sua morte, em 1928.

Aleksandr Bogdánov

Aleksandr Bogdánov filósofo, economista, médico, escritor e revolucionário bolchevique russo.

PONTOS POSITIVOS
Marcianos!
Utopia
Ciência e história
PONTOS NEGATIVOS
Um pouco datado


Título: Estrela Vermelha
Título original em russo: Красная звезда \ Krasnaya zvezda
Autor: Aleksandr Bogdánov
Tradutoras: Paula Vaz de Almeida e Ekaterina Vólkova Américo
Editora: Boitempo Editorial
Páginas: 184
Ano de lançamento: 2020
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura muito interessante. Há tempos que eu não lia uma utopia que conversasse tanto com os desafios atuais como essa. Foi um trabalho incrível de imaginação e visão do autor e um ótimo trabalho de tradução e edição pela Boitempo. Mesmo que às vezes ele pareça divagar demais e sair um pouco da narrativa do livro, existem ótimos motivos para você ler. É um livro sobre a vitória da ciência e de como podemos salvar no mundo pelo trabalho coletivo. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

MUITO BOM!

Até mais, camarada!

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