Resenha: A Sombria Queda de Elizabeth Frankenstein, de Kiersten White

E se a história que Mary Shelley nos contou não for a história completa? Kiersten White pensou nisso e adaptou e moldou a sua versão dos fatos sobre o livro original, clássico absoluto e fundador da moderna ficção científica, Frankenstein! Aqui temos o protagonismo de personagens que são levemente mencionadas no romance original. Mas o ambiente gótico sufocante está presente com força.

Para a resenha de Frankenstein, de Mary Shelley, clique aqui!

O livro
A caminho de Ingolstadt, duas jovens moças sacolejam em uma carruagem. São Elizabeth e Justine. A missão é encontrar Victor Frankenstein, que simplesmente parou de escrever e não manda notícias há meses. Após a morte da mãe, ele mal esperou a terra se assentar sobre o caixão e partiu para a capital para estudar. Elizabeth está preocupada com a falta de notícias e algo mais a perturba: seu próprio futuro.

Resenha: A Sombria Queda de Elizabeth Frankenstein, de Kiersten White

Elizabeth Lavenza era uma criança órfã e maltratada quando foi praticamente comprada pela família Frankenstein. Seus braços eram magricelos, ela estava com vários machucados pelo corpo, magra de tanta fome, mas depois de uma penteada nos cabelos e de usar um vestido grande demais, algo fez madame Frankenstein se encantar pela garotinha. Elizabeth seria a companhia para seu filho mais velho, Victor.

Victor era uma criança estranha, chiliquenta, fria e dada a rompantes de fúria. Assim toda a personalidade de Elizabeth teve que ser moldada para agradar a Victor e também à família Frankenstein. Sem eles, o que ela seria? Para onde iria? É bem interessante notar que desde o começo do livro não há um interesse romântico de uma jovem apaixonada e ingênua. Longe disso. Elizabeth é bastante objetiva em sua missão em Ingolstadt e em praticamente tudo o que faz. Tanto fingimento, tantos sorrisos calculados, tanta dissimulação para agradar aos outros acabam por tornar Elizabeth alguém que não sabe quem é de verdade. Mas ela tem um propósito e isso é tudo o que importa. Se o seu medo é ler um romance açucarado, pode deixar o medo de lado.

Eu precisava ser algo que eles pudessem amar. Então, quando saía da cama, deixava para trás qualquer coisa que eu quisesse e vestia a doçura com a mesma facilidade com que vestia minhas meias quentinhas.

Página 60

Tanto Elizabeth quanto Justine são personagens secundárias do romance original de Mary Shelley, mas aqui elas são as protagonistas e podem finalmente contar sua história e sua versão dos fatos. Acredito que Mary Shelley ficaria encantada com a versão criada por Kiersten, pois é difícil não se afeiçoar a elas. Porém, sabendo que Kiersten não tem pena de ninguém e está seguindo fielmente o romance, as perdas logo se abatem sobre a família Frankenstein. E Victor que, para mim, é o verdadeiro monstro do romance de Shelley, aqui ganha contornos que beiram a obscenidade.

Henry Clerval é outro personagem do romance original a ser mencionado aqui, mas o foco de Kiersten é em Elizabeth e Justine. Henry está incomunicável, tendo viajado para longe de Victor para a fúria de seu pai e ficamos boa parte do livro sem saber dele, nem vê-lo. Acredite, muita coisa que você toma por garantido neste livro vai ser destruído mais tarde por Kiersten sem nenhuma piedade, então prepare-se para ser enganada durante a leitura!

O clima gótico que tanto amamos do livro original também se faz presente aqui. Adoro a escrita de Kiersten e ela acerta em tudo, desde a descrição dos personagens, dos lugares, às sensações das personagens, seus pensamentos mais profundos e medos. Elizabeth pode provocar certa antipatia em um primeiro momento, mas começamos a entender, ainda que não a concordar, com muitas de suas ações ao longo da história. Mas lembre-se: por 200 anos tivemos apenas a versão floreada dos fatos feita por Victor. Agora é o momento de saber o que a outra parte, aquela que foi negligenciada, tem a dizer.

Foi bastante revigorante ler a história de duas personagens que aparecem tão apagadas e brevemente, no caso de Justine, no romance original de Shelley. Aqui elas são vivas e ativas na história, são muito unidas, sem intriguinhas e disputas, e totalmente diferentes uma da outra. Outra personagem de destaque é Mary, responsável por uma livraria a qual Victor frequentava com frequência em Ingolstadt. Aliás, ao ler o livro, guarde bem este nome! Kiersten bebeu da fonte gótica de Shelley sem perder sua autenticidade, o que torna o livro delicioso de ler. É possível sentir o vento frio das noites chuvosas, os galhos arranhando seu rosto enquanto corre pela floresta, o odor dos cadáveres apodrecendo no laboratório de Victor.

O livro em si é um primor, pois ele difere da brochura a qual estamos acostumadas. A cola e a costura lateral estão à mostra, em uma simulação da costura original da criatura, inclusive por dentro, com linha preta entre os conjuntos de páginas do miolo. Isso deu um certo aspecto frágil ao virar as páginas e dobrar a cola, espero que num futuro próximo o livro não se solte. A tradução de Lavínia Fávero está ótima, mas há alguns problemas de revisão pelo meio, que não chegam a atrapalhar a leitura.

Que privilégio, poder valorizar os próprios sentimentos mais do que a segurança dos outros, porque ele mesmo nunca soube o que é sentir medo.

Página 92

Obra e realidade
Elizabeth Lavenza (depois Frankenstein) é uma personagem do romance original de Mary Shelley, noiva de Victor, aquele que deu vida à criatura para depois abandoná-la. Ela aparece nas adaptações para o cinema, nas peças de teatro e musicais feitos sobre a obra original. Nascida na Itália, Elizabeth foi adotada pela família Frankenstein ainda criança. Na versão de 1818 do livro, ela era filha de uma tia de Victor com um marido italiano que, após a mãe morrer e o pai se casar, acaba adotada pela família Frankenstein. Assim, nessa primeira versão, Elizabeth e Victor são primos.

Na versão revisada da obra, de 1831, os pais de Elizabeth, de visita ao lago Como, na Itália, descobrem Elizabeth sendo criada por uma família adotiva após a morte da mãe alemã e o desaparecimento do pai italiano. Aqui os dois não tem qualquer relação de parentesco, ainda que Victor a descreva como sendo "mais que uma irmã". Victor a descreve no livro como sendo jovem, bonita e totalmente devotada a ele. E ela de fato é neste livro de Kiersten, mas os motivos são outros...

Kiersten White

Kiersten White é uma escritora norte-americana de livros infantis e para jovens adultos. Nascida em Utah, é formada em língua inglesa e mora em San Diego, Califórnia com a família.

PONTOS POSITIVOS
Elizabeth, Justine e Mary
A criatura
Bem escrito
PONTOS NEGATIVOS

Problemas de revisão
Preço

Título: A Sombria Queda de Elizabeth Frankenstein
Título original em inglês: The Dark Descent of Elizabeth Frankenstein
Autora: Kiersten White
Tradutora: Lavínia Fávero
Editora: Plataforma 21
Ano: 2018
Páginas: 352
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Depois de duas leituras mornas de livros de Kiersten, este aqui me prendeu do começo ao fim. Aquelas mulheres secundárias e sem voz do romance original ganharam a edição que tanto mereciam e a voz que faltava a fim de darem suas versões dos fatos. Mary teria ficado orgulhosa de ver o trabalho fantástico e todas as adaptações de seu livro de terror, surgido de uma aposta entre escritores. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Eu gostei demais desse livro, daqueles que eu fiquei segurando um tempo depois de ler querendo reler na mesma hora hahahahah ótima resenha <3

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