Naondel é o segundo livro das Crônicas da Abadia Vermelha, mas é o prelúdio de Maresi, ou seja, conta a história da fundação da Abadia e das mulheres que a criaram. Mas se em Maresi nós temos uma leitura por uma perspectiva quase que infantil, ainda que tenha seus episódios de violência, Naondel tem um ambiente muito mais opressor e agressivo com as mulheres. Por isso já deixo aqui um alerta de gatilho por violência.
O livro
Naondel fala sobre a jornada de sete mulheres que passaram por todo tipo de abuso ao longo da vida. Este é um mundo onde às mulheres sua única função é obedecer e submeter. Este também é o mundo onde o palácio de Ohaddin é envolto em uma falsa luz de perfeição. Em seu harém estão mulheres assustadas demais para se revoltar, oprimidas e dominadas por Iskan, o antagonista e uma das pessoas mais desprezíveis que você terá que ler na vida.Você não precisa ter lido Maresi para ler esse aqui, pois são obras independentes. Mas o clima de Maresi é totalmente diferente de Naondel, que é bem mais opressor, obscuro e violento. É um livro onde a violência está presente na vida das mulheres o tempo todo. Temos sete protagonistas, uma sacerdotisa, uma manipuladora de sonhos, uma guerreira, uma vidente, uma marinheira, uma serva e uma sobrevivente. Cada uma está bem descrita e trabalhada, cada uma possui sua própria voz e maneira de se expressar.
Elas vivem no palácio de Ohaddin, onde Iskan usa e abusa de suas concubinas de tal forma que para algumas delas a violência é um sinal de que ainda se está viva. Pense a respeito, pense em que nível de desumanização uma pessoa precisa chegar para poder ansiar pela violência. Iskan se deleita com a violência que impõe às mulheres e elas estão tão rendidas e resignadas, que apenas fecham os olhos e esperam que o abuso acabe. Aqueles que acham que elas vivem uma vida de privilégios e luxo no palácio, não conhecem suas dores e desespero.
Iskan não quer meninas, quer meninos para serem seus herdeiros, então há cenas de aborto e violência contra as mulheres para que percam seus bebês. Há cenas com forte sugestão a estupros e violência física, coisas que não estão presentes em Maresi, então fique atenta para não acionar gatilhos durante a leitura. Se eu pudesse resumir o livro seria que ele é uma obra sobre submissão e de como as mulheres são vistas como meros objetos, incapazes de ter um pensamento independente. É aqui que reside a força do livro, pois essas mulheres vão provar que são pessoas e que podem sim se unir e mudar seus destinos.
Não foi uma leitura fácil. O começo do livro é bastante lento conforme a autora vai construindo o mundo para nos situar e para nos apresentar suas protagonistas. Essa é uma característica da autora que já senti desde Maresi. Seja seu estilo de escrita, seja a estrutura narrativa finlandesa, o livro demora a passar. E quando se tem cenas tão brutais como as que lemos aqui, parece que o livro tem 900 páginas. É um livro que choca, ainda que seja bem escrito e ambientado.
Uma coisa é inegável, que é a qualidade da construção do universo e a forma como ele é descrito. Desde a geografia das ilhas e o mundo que pouco vimos em Maresi e que aqui se amplia, às roupas usadas pelas mulheres, os cheiros que sentem, tudo está bem escrito e colocado. Inclusive há um belo mapa no começo do continente, da ilha de Menos e um detalhe do palácio de Ohaddin.
O livro em si é muito bonito, com capa azul seguindo o padrão da capa de Maresi. Mas o livro carece de uma revisão mais cuidadosa. Há vários problemas bobos que passaram batido na revisão, desde problemas de concordância a erros ortográficos, letras faltando ou sobrando. O livro acabou com um ar amador, o que é não é comum da Morro Branco. A tradução ficou na mão de Lilia Loman e Pasi Loman e está muito boa.
As histórias encontraram seu caminho até meninas que foram espancadas, perseguidas, torturadas. Elas passaram por grandes perigos para nos encontrar. É bom que tudo o que construímos aqui não vai se desfazer e cair no esquecimento. Nós criamos algo novo, que não existe mais nenhum lugar do mundo escuro e problemático. Aqui as meninas encontram paz, segurança e conhecimento. Aqui elas aprendem que são valiosas e fortes. Talvez as sementes da mudança que espalhamos desta ilha possam transformar tudo em dia.
Página 424
Ficção e realidade
A primeira coisa que o livro faz é nos botar para pensar. A vida das mulheres aqui no mundo real já é regrada e pensada a fim de evitar muitas situações. É desde a escolha da roupa à escolha do táxi, à escolha de qual opressão teremos que escolher para viver mais um dia. Para suportar esses dias tão difíceis, Naondel nos dá a resposta, que é a união entre as mulheres. Somente unidas podemos nos curas dos traumas e das violências, somente unidas podemos formar uma resistência capaz de alcançar a cura. O mundo quer mulheres desunidas justamente por saber da força que temos juntas.Não sei dizer se o livro chega a ser feminista, mas acredito que ele seja um exemplo de como performar o feminismo e o feminino, uma vez que temos mulheres diferentes, de diferentes origens, mas que sofreram as mesmas violências e que encontram uma na outra uma forma de sobreviver.
Maria Turtschaninoff |
Maria Turtschaninoff é uma escritora finlandesa de fantasia.
PONTOS POSITIVOS
As irmãs
Bem escrito
Poder feminino
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Pode ser meio lento
Estupro
As irmãs
Bem escrito
Poder feminino
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Pode ser meio lento
Estupro
Avaliação do MS?
Não foi uma leitura fácil. Este não é um mundo fácil, pois se fosse mulheres não precisariam se isolar em uma ilha para poderem sobreviver. A violência que a autora escancara é muito familiar para mulheres, pois a ameaça paira sobre nossas cabeças o tempo todo. Mas é também um livro sobre esperança e resistência. Poder feminino, sororidade, combate à opressão, tudo isso está nessas páginas. Quatro aliens para o livro uma forte sugestão para você ler também!Até mais!
Comentários
Postar um comentário
ANTES DE COMENTAR:
Comentários anônimos, com Desconhecido ou Unknown no lugar do nome, em caixa alta, incompreensíveis ou com ofensas serão excluídos.
O mesmo vale para comentários:
- ofensivos e com ameaças;
- preconceituosos;
- misóginos;
- homo/lesbo/bi/transfóbicos;
- com palavrões e palavras de baixo calão;
- reaças.
A área de comentários não é a casa da mãe Joana, então tenha respeito, especialmente se for discordar do coleguinha. A autora não se responsabiliza por opiniões emitidas nos comentários. Essas opiniões não refletem necessariamente as da autoria do blog.