É uma pena que Babylon 5 não tenha passado por remasterização, nem seja tão conhecida do público brasileiro. A série fez um excelente trabalho nos anos 1990, entrando no ar em pleno domínio televisivo das séries de Star Trek e apresentando um roteiro sólido do começo ao fim de suas cinco temporadas, além dos filmes para TV. Na época em que estava no ar pelo canal Warner, muita gente comentava que era impossível um governo democrático cair em um governo fascista tão rapidamente. Hoje ninguém mais duvida dessa possibilidade.
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Babylon 5 fala sobre uma estação espacial giratória, no modelo Cilindro de O'Neill, que serve como posto diplomático para várias espécies alienígenas. B5 é um território neutro, comandada pelos militares da Força Terra. É um local de tensões constantes, com raças alienígenas que não se bicam muito e que possuem conflitos de longa data. É praticamente um Conselho das Nações Unidas, só que no espaço.
Justamente pela função estratégica, ela é muito visada. Seus comandantes sofreram pressões de políticos na Terra e por seus oficiais superiores constantemente. Mas a coisa começa mesmo a apertar para B5 quando o então presidente Santiago morre na explosão da nave oficial da presidência, o Air Space One. Quem assume é o seu vice, o agora presidente Clark, um sujeito paranoico, com sede de poder e que, por uma grande coincidência, não estava à bordo da nave presidencial. Que coisa, né?
Clark acredita que a Terra vem sofrendo influência de conspiradores alienígenas que querem tornar a raça humana uma espécie secundária e que os humanos estariam perdendo a dianteira no universo. Começa então um excessivo controle sobre a imprensa, sobre as opiniões. Órgãos de controle dentro das Forças Armadas da Terra são criadas pelo tal Ministério da Paz, que começa a vigiar e prender pessoas que expressem opiniões contra o presidente Clark.
O Domo Terra, a sede do governo terrestre, lança uma política que tem como base algumas características:
- Xenofobia;
- Terra em primeiro lugar;
- Medo generalizado de que aliens (palavra que também vale para imigrante ou estrangeiro) acabarão com o modo de vida humano;
- Retorno aos princípios que "tornaram a Terra grande";
- Substituição de oficiais por pessoas leais à presidência;
- Ameaça à liberdade de imprensa;
- Criação de órgãos de repressão e propaganda;
- Vigilância sobre opositores;
- Questionamentos e repressões àqueles que questionem a presidência.
Parece familiar?
Como Clark chegou à presidência por meio de escaramuças e complôs, ele tinha muito medo de perder o poder. Para disfarçar e tirar de si os holofotes, resolveu lançar uma campanha de medo, onde jogava a culpa nos alienígenas que tentavam derrubar seu governo e sua presidência. Como eu disse ali em cima, alien é uma palavra que serve tanto para extraterrestre quanto para imigrante, estrangeiro e acredito que a metáfora esteja bem clara neste caso, certo?
Nenhum ditador, nenhum invasor pode manter uma população aprisionada à força para sempre. Não existe maior poder no universo do que a necessidade de liberdade. Contra esse poder, governos, tiranos e exércitos não podem resistir. Os Centauri aprenderam esta lição uma vez; nós a ensinaremos novamente. Ainda que demore mil anos, seremos livres.
Embaixador G'Kar, depois de seu planeta ser invadido novamente pelos Centauri
Quando olhamos para a história humana, notamos que há um padrão que todo tirano, todo ditador e populista de discurso fácil segue, que é exatamente o mesmo que o presidente Clark seguiu. Veja Hitler, veja Trump, veja o próprio Bolsonaro, veja quantas similaridades nós temos entre essas três criaturas. O fato de o padrão se repetir é o que mais deveria nos preocupar. Eles repetem o padrão, pois é garantido que eles terão apoio daqueles que se apavoram diante do desconhecido e daqueles que acreditam que terão mais vantagens se estiverem do lado do maior poder. O alienígena, o judeu, o imigrante, a esquerda, todos eles compõem o estereótipo do inimigo que está em vigência na sua época e assim a barbárie começa, muitas vezes chancelada por elites e imprensa.
O primeiro episódio de Babylon 5 foi ao ar em 26 de janeiro de 1994. Quase 26 anos depois e o discurso de aproveitadores de discurso fácil não mudou uma vírgula, o que mostra como a série foi certeira nas críticas que fez. A diferença é que em B5, o capitão Sheridan se ergueu contra a ditadura. Desobedecendo ordens, ele declarou que Babylon 5 era independente até a retirada de Clark do poder e criou uma frota de naves que rumou para a Terra, a fim de derrubá-lo e assim devolver o poder ao Senado.
Muito se questionou dentro da própria série a moralidade do que Sheridan fez. Um militar deixando de seguir a hierarquia, desobedecendo a cadeia de comando, se erguendo contra os seus superiores. Parece um golpe militar, certo? Mas um militar que receba ordens ilegais, imorais, que vão contra os valores que ele prometeu defender, como liberdade e democracia, afetando civis diretamente, não deveria desobedecer? O movimento liderado por Sheridan lembra a Operação Valquíria, onde Friedrich Olbricht, Henning von Tresckow e o coronel Claus von Stauffenberg, militares nazistas, modificaram o plano original para poder desarmar a SS, matar Hitler e remover a cúpula nazista do poder.
O que todos esses sistemas de governo fizeram foi repetir a história. Nós já vimos e estamos vendo tudo acontecer novamente, pois o ser humano convenientemente esquece as lições históricas. Quando repito sobre política e cultura nerd é porque não dá para dissociar uma coisa da outra. As menções e metáforas estão por toda parte, só não vê e reflete quem não quer.
Até mais.
Melhor série de ficção científica que vi. Personagens bem construídos, linhas narrativas consistentes. Sempre fui fã de Star Trek, principalmente de Deep Space 9, mas B5 está um nível acima assim com Battlestar Galactica 2005.
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