Admito que no começo, o livro me intimidou. Não pelo tamanho, com mais de 600 páginas (adoro callhamaços), mas a autora nos joga muitos nomes e termos de uma vez e sua cabeça gira tentando entender tudo aquilo. Nahri é uma jovem golpista que vive no Cairo do século XVIII. É com ela que nossa jornada pelas terras mágicas do Oriente Médio começa.
O livro
Nahri é uma órfã que vive dando golpes em ricaços pelas ruas do Cairo. Estamos numa Cairo do século XVIII, a cidade é uma mescla de culturas e pessoas, um palimpsesto mágico e multiétnico. O sonho de Nahri é ser médica, mas ela sabe que é um sonho distante, pois precisa de dinheiro, que não tem, e precisa ser aceita em uma escola de medicina em uma época em que mulheres dificilmente poderiam estudar. Nahri tem um dom especial para detectar doenças nas pessoas, sem saber como ou porque isso acontece. Um dia, ao realizar um ritual do qual ela só participava para ganhar um extra, algo acontece.Uma moça está possuída por um ifrit, um demônio. Quando Nahri consegue expulsá-lo, ele parece surpreso por conhecê-la. A partir daí, a vida de Nahri muda completamente. Chakraborty escreve com uma riqueza impressionante de detalhes. Tudo é descrito, desde o aroma que se sente pelas ruas, às roupas usadas pelos personagens, que mostram suas diversas origens e tribos. Em alguns momentos, a descrição me pareceu demais. Eu não preciso saber do detalhe do pingente do turbante em uma cena de ação. Cada vez que um personagem aparece, ela desfia uma descrição sobre a roupa, a faixa na cintura, a cor do casaco, e teve momentos em que achei excessivo.
Mas ao mesmo tempo em que ela descreve as roupas com uma precisão irritante, ela também o faz com as ruas, construções, jardins e seres fantásticos que aparecem de uma maneira magistral. Me senti inserida no enredo, andando por aquelas vias, olhando para aquele mesmo céu. É uma delícia acompanhar a visão dos personagens pelas ruas de Daevabad, a cidade mágica onde boa parte da ação acontece depois do encontro de Nahri com o demônio. Tal como qualquer metrópole mundial, a capital mágica é repleta de culturas, cores e idiomas, além é claro dos problemas.
Apesar de começarmos a ver o mundo pelos olhos de Nahri, a narrativa é dividida entre o olhar dela e sua jornada para Daevabad depois de conhecer Dara, um ser misterioso e poderoso, e o olhar de Ali, príncipe de Daevabad e segundo filho do rei de Daevabad. Existem vários nomes e títulos especiais durante a história, mas felizmente existe um glossário no final para que a gente possa consultar, pois acredite, você vai precisar. Depois de se acostumar com eles, você logo lembra que qaid é o chefe da guarda real e o sheik é um líder religioso e educador. Há também um mapa no começo para acompanhar as diversas localidades mencionadas.
- Você é jovem - disse o farmacêutico, em voz baixa, - Não tem experiência com o que acontece com pessoas como nós durante uma guerra. Pessoas que são diferentes. Deveria manter a cabeça baixa. Ou melhor ainda, partir.
Página 22
Conforme começamos a compreender o funcionamento deste mundo fantástico, percebemos que mesmo os seres elevados podem ser opressores e preconceituosos, lutando pelo poder. Há elementos como o bom e velho tapete mágico e lendas sobre a história do gênio preso na garrafa, aspectos que acabaram se tornando arquétipos de tão conhecidos que são, porém aqui eles são usados para mostrar como estes seres são usados para perpetrar maldades e desastres. E claro, é impossível não fazer um paralelo com nossa sociedade mortal.
A edição da Morro Branco está lindíssima. A capa dura segue o estilo da capa original em cores quentes e brilhantes. Tem alguns problemas de revisão, como palavras faltando, erros de digitação e palavras juntas. Não chegam a atrapalhar a narrativa, mas podem confundir se você não estiver prestando atenção. A tradução é de Mariana Kohnert e está muito boa, com pouquíssimos problemas de adaptação de palavras.
Obra e realidade
Apesar das óbvias inspirações ao Islã, ele não é mencionado em nenhum momento. Você sabe que é pelo contexto, como as orações, as saudações, as vestimentas e títulos. Não sei se foi intencional ou não, mas o livro é um brilhante retrato fantástico de uma sociedade árabe. Tire os elementos fantásticos e você terá uma sociedade como todas as outras, com seus preconceitos e divisões sociais, a luta das classes menos favorecidas para conseguir mais direitos. Especialmente a luta dos shafits, que são filhos de djinns com humanos, que sofrem grande preconceito da sociedade dos djinns. A forma como a autora discute essa opressão é excelente.S. A. Chakraborty é ávida leitora de ficção científica e fantasia desde muito jovem. Cresceu na comunidade árabe e se converteu ao Islã. Mora em Nova York com o marido e a filha, adora cozinhar e tricotar.
(...) Aos shafits é proibido o trabalho qualificado, se nosso tipo tiver sorte, pode encontrar emprego como criado ou escravo de alvoca. Tem alguma ideia do quanto isso torna a vida em Daevabad desesperadora? Não há melhora a não ser a promessa do paraíso. Não temos permissão de partir, não temos permissão de trabalhar, nossas mulheres e crianças podem ser legalmente roubadas por qualquer puro-sangue alegando ser parente...
Página 259
Pontos positivos
Protagonista femininaAmbientação
Criativo e bem escrito
Pontos negativos
Excessivamente descritivo
Final em aberto
Avaliação do MS?
Terminei o livro de madrugada, sem fôlego, querendo imediatamente ler a continuação. Aí descobri que não saiu ainda! Que jornada, que aventura! Nahri é uma personagem com a qual a gente se identifica, se diverte, se irrita, com quem você caminha no deserto querendo descobrir junto com ela sobre sua origem e sua família. Dara e Ali também são personagens maravilhosos, bem descritos e vivos, mágicos, intensos. Leitura mais que recomendada! Quatro aliens para A Cidade de Bronze e uma forte sugestão para você ler também.Até mais! 🧞
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