Resenha: O Diário de Myriam, de Myriam Rawick

Todo mundo conhece o famoso Diário de Anne Frank. Os sonhos, os medos, os desejos de uma menina que acabou morrendo em um campo de concentração e que mostrou ao mundo a guerra e o extermínio pelos olhos de uma criança. O Diário de Myriam nos traz a Guerra da Síria dos dias atuais. Se pessoas adultas ficam completamente mudadas depois de vivenciarem uma guerra, consegue imaginar o impacto que isso tem nas crianças?

Parceria Momentum Saga e editora DarkSide

O livro
A história contada nos livros costuma ser impessoal, fria. Um relato dos eventos mais importantes, números, datas e estatísticas. É por isso que os relatos pessoais são importantes, pois é a perspectiva daqueles que lá estiveram, viveram, lutaram e sobreviveram. Os livros de Svetlana Aleksiévitch me cativam justamente por isso, pela riqueza dos depoimentos das pessoas e como elas recontam a história, dando-lhe uma vida que os fatos frios não têm. Diários pessoais também carregam essa vivência e tal como Anne Frank, Myriam começou um diário que, inevitavelmente se tornou um retrato da guerra.

Resenha: O Diário de Myriam, de Myriam Rawick

O repórter de guerra francês Philippe Lobjois estava cobrindo os conflitos em Alepo quando conheceu a história de Myriam e a ajudou a publicar seu diário. Com 6 anos, Myriam começa seu diário, escrevendo entre novembro de 2011 a dezembro de 2016. É por seu olhar e experiências que vemos o dia a dia de Alepo, na Síria, conforme os primeiros protestos contra o presidente Bashar al-Assad começam. Cada vez que Myriam pergunta aos pais o que está acontecendo, o que são aquelas frases nos muros, eles dizem que é coisa de gente grande. Mas Myriam sabe que algo está acontecendo. Crianças sempre sabem.

A gente estava no meio de uma aula de matemática quando um barulho de bomba ecoou longe da gente. A professora deu um pulo, mas em seguida ela nem se mexeu.

Um pouquinho depois, outra bomba caiu, mais perto. Dessa vez, a professora pediu que nos levantássemos e ficássemos em fila no corredor. Ela nos guiou para o subsolo.

Depois ela nos pediu para nos sentarmos no chão e para colocar a cabeça entre os joelhos.

Página 135

As preocupações usuais de uma criança, como ir à escola, tirar notas boas e estudar, se ela vai ganhar um brinquedo no próximo aniversário, começam a ser trocadas por mísseis, tiros, bombas e mortes. Vemos a evolução dos protestos para conflitos armados e guerra declarada e acompanhamos o crescimento de Myriam, conforme o entendimento sobre os acontecimentos aumenta. Sua família é unida, tenta dar um ar de normalidade no dia a dia, mas como fazer isso com bombas e tiros disparados sobre sua cabeça?

Este é o relato em primeira mão de uma moradora de uma zona de guerra. Não há floreios, não há mensagens escondidas. É o real, a verdade, o horror da guerra pelos olhos daquelas que costumam ser as mais atingidas, as crianças. Se déssemos um caderno e uma caneta para criança envolvida nos conflitos, os relatos seriam mais reais, verdadeiros e crus do que qualquer livro de história.

Myriam amadurece muito rápido com o avançar da guerra. A menina curiosa e cheia de vida do começo dos relatos vai aprendendo a duras penas o que é viver em meio aos conflitos. Vê a tristeza se abater sobre a família com a perda de entes queridos, vê os efeitos da guerra nos cidadãos de Alepo, alguns vivendo em situações deprimentes, amontoados, quase sem água ou comida. Acompanhamos também as mudanças políticas e econômicas do país, notas sobre a história da família e sobre como é difícil se manter na escola com tantos alertas e bombas explodindo todos os dias. Viver é uma luta diária.

A edição da DarkSide além de contar com o capricho endemoniado de sempre, traz logo no começo as cartinhas que as crianças da rede municipal de ensino escreveram ao jornal infantil Joca, pedindo a tradução do diário para o português. Ver a DarkSide atender ao desejo das crianças e ainda nos trazer este livro é maravilhoso. No final temos fotos de Alepo tiradas por Yan Boechat, o que nos mostra uma pequena fração da situação da cidade e de seus moradores. Há também um posfácio escrito por Philippe Lobjois e um epílogo escrito por Myriam. O trabalho gráfico interno ficou lindo e reflete a esperança de Myriam por um mundo melhor. A tradução ficou por conta de Maria Clara Carneiro e não encontrei grandes problemas de revisão ou tradução.

Obra e realidade
Myriam é de uma família cristã com ascendência armênia. Seus avós precisaram fugir da Armênia em 1915 por conta do genocídio por lá perpetrado. Hoje aos 13 anos, Myriam se tornou uma refugiada em sua própria cidade, precisando se mudar em busca de segurança. Seus relatos podem soar ingênuos, ainda mais vindo de uma menina de 6 anos, mas sua franqueza desconcertante tem o efeito desejado em nós, o de chocar e de mostrar a crueza da guerra.

Myriam Rawick

Crianças não deveriam estar em abrigos contra bombas. Deveriam estar na escola, estudando, fazendo amigos, brincando, jogando bola. Deveriam crescer e se desenvolver de maneira saudável. Não deveriam faltar à escola por falta de segurança ou ficar com medo de apenas atravessar a rua devido à artilharia. É uma leitura difícil, mas que devemos fazer.

Sei reconhecer armas, sei reconhecer as bombas. Sei quando é preciso se esconder e como deve esconder. Mas, principalmente, sei o que é a morte. A perda de pessoas que se ama, e o medo de morrer. Eu me vi encurralada em um conflito sem nome, sem palavra para as crianças. Não o entendi. Falava-se de guerra civil, falava-se de bombardeios russos, de coalização internacional. Para mim, era só medo, tristeza, angústia. E as lembranças de uma vida de antes que não recuperarei nunca mais.

Página 297

Pontos positivos
Myriam
Diário
Fotos e cartas
Pontos negativos
Guerra
Violência

Título: O Diário de Myriam
Título original em francês: Le journal de Myriam
Autora: Myriam Rawick com Philippe Lobjois
Tradutora: Maria Clara Carneiro
Fotografias: Yan Boechat
Editora: DakrSide
Páginas: 288
Ano de lançamento: 2018
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Quantas histórias estão por aí em diários e memórias nas cabeças de crianças que vivem em zonas de conflito? Quantas delas morreram sem que suas histórias fossem conhecidas? A história de Myriam é uma entre as muitas de tantas outras crianças e adolescentes que são obrigadas a viver desta maneira. Até quando vamos investir na guerra? Quando vamos começar a investir na humanidade? Acho que Myriam se pergunta o mesmo. Leitura mais que recomendada, é leitura obrigatória.

Até mais! ✿

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Comentários

  1. este é um livro que está na minha lista! amo livros que abordam esse tema!
    vi resenhas no youtube e me encantei!
    beijinhos
    https://www.instagram.com/adeliadaniela/
    Insta: adeliadaiela

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