Mulher e ciência

A ciência ainda é um ambiente machista. Mulheres recebem menos, são menos reconhecidas, precisam provar mais produção, são criticadas por suas roupas, maquiagem (falta ou uso dela), são prejudicadas em pontuações e níveis de produtividade se saem de licença maternidade. Existem ótimas iniciativas, poucas, mas presentes, para mudar este cenário. Já avançamos, mas ainda há muito a se fazer.




Mulheres são a maioria nas universidades. Nós estudamos mais que os homens, mas conforme subimos na escala de especializações, as mulheres vão rareando, especialmente nas áreas de Exatas. Nos cargos de chefia das universidades, nas academias de ciência, também somos minoria. Mesmo os discretos índices de aumento na procura pelas carreiras acadêmicas e pelo crescimento das mulheres na força mundial de trabalho em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) de 7% em 1970, para 26% em 2011, ainda somos minoria. Hoje, a cada cem doutorandos no Brasil, 54 são mulheres. Porém, entre os bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, que é a categoria que remunera os pesquisadores mais bem avaliados, apenas 25% são de mulheres.

Os motivos são variados. Desestímulo da parte de professores (desde o ensino básico) e orientadores, licença-maternidade, falta de colocação em universidades, falta de reconhecimento, assédio, abuso. Por muitas vezes, seus trabalhos foram usurpados e creditados a homens, como aconteceu com Nettie Stevens e Marietta Blau, entre outras grandes mulheres.

Quando uma área como a ciência segrega pessoas por gênero, raça ou orientação sexual, ela está também segregando seu principal componente e sem o qual a ciência não pode evoluir: a cooperação. É através da avaliação dos pares, do trabalho de colegas, que podemos validar estudos, nos certificar de nossas hipóteses ou descartá-las. Não é possível ser uma ilha isolada dos outros na ciência. Ao segregar as pessoas, estamos impedindo que novas descobertas sejam feitas, que novas conexões se estabeleçam e que a sociedade ganhe com isso.

Um exemplo de como a falta de mulheres na ciência é algo péssimo para a sociedade como um todo: alguns medicamentos já mostraram ter efeitos negativos em mulheres que não tiveram nos homens, que formaram o grupo de estudo para a aprovação da droga. A dosagem costuma ser a principal culpada pelos efeitos adversos em mulheres. Em 2013, o FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos alertou às mulheres que cortassem a dosagem de pílulas para dormir Ambien (Zolpiden no Brasil) pela metade, depois de descobrir que o ingrediente ativo permanece no corpo das mulheres mais no que no dos homens.

Até mesmo as cobaias costumam ser machos, como os ratos. Por muitos anos, pesquisadores se preocuparam que a flutuação hormonal em fêmeas pudesse alterar os resultados dos testes, então acharam que usar machos trariam resultados satisfatórios para serem usados para ambos os sexos. Temperatura, tempo, dosagem, isso tudo é levado em conta, mesmo em doenças que sejam tipicamente do sexo feminino.

As roupas que as cientistas usam, o tamanho de seus saltos, o tom de seu batom, podem servir para desmerecer seu trabalho. A professora do Departamento de Teologia e Religião, da Universidade Exeter, na Inglaterra, Francesca Stavrakopoulou assim disse:

Como muitas mulheres cientistas, eu me recuso a usar o uniforme masculino. E como resultado, sou algumas vezes criticada ou aconselhada por homens e mulheres (cientistas ou não) a respeito da minha aparência. Me visto casualmente para o trabalho. Uso o que é confortável – física e socialmente. Mas para alguns meus saltos são muito altos. Meu cabelo é muito comprido. Meu jeans é muito moderno. Para alguns, eu pareço muito glamourosa ou muito feminina para ser uma cientista.

Um relato de uma cientista no The Guardian é particularmente preocupante:

Fui instruída a divulgar o status do meu relacionamento e meus planos futuros para a maternidade em entrevistas. Vi meu professor se recusar a entrevistar incríveis mulheres candidatas à uma vaga porque elas tinham filhos. Isso é completamente inaceitável.

Quando envolve cor e raça o abismo é mais profundo. Latinas e negras costumam ser confundidas com zeladoras, técnicas e até faxineiras em laboratórios. Suas capacidades sempre são questionadas, como se elas não soubessem operar os equipamentos dos laboratórios, ou mesmo manusear ácidos e reagentes.


Existem iniciativas que tentam melhorar esse quadro e que estimulam mulheres a seguir carreira acadêmica. A única no Brasil - Para Mulheres na Ciência, é a da L'Oréal, em parceria com a UNESCO e com a Academia Brasileira de Ciências, que premia projetos liderados por mulheres como maneira de manter sua produção e estimular mais a a ingressarem. Com dez anos no Brasil e já há 17 anos no mundo, mais de 2 mil mulheres, em 100 países diferentes, foram premiadas e reconhecidas por sua contribuição para a ciência.

O mundo precisa de ciência; a ciência precisa de mulheres.

L'Oréal/UNESCO

Sete cientistas brasileiras foram premiadas no Rio de Janeiro, em 20 de outubro, indo da astrofísica à matemática, química à genética, recebendo 20 mil dólares como incentivo. Elas representam um contingente de grandes mulheres que, todos os dias, enfrentam os mais variados desafios para poderem trabalhar e fazer pesquisa. Cortes de financiamentos, falta de equipamentos e de pessoal, são vários os problemas, mas o cenário está mudando. Aos poucos, com iniciativas ainda pontuais, mas já é um passo.

Até mais!



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Comentários

  1. Excelente postagem! É inadmissível preconceito em qualquer área, mas na científica é pior, onde todos deveriam ser mais racionais e lógicos, ou seja, partir do óbvio princípio que todos nós somos humanos, temos os mesmos cérebros, não importando mais nada. Como você citou, a humanidade perde ao desmerecer, menosprezar e dificultar o trabalho das mulheres na Ciência, porque quanto mais variado forem os cientistas, mais amplas se tornam as pesquisas.
    Abraço.

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