Algo que eu já tinha notado, mas ainda não tinha comentado é sobre isso. Muita gente, quando eu comento sobre ficção científica, tem duas reações: a de torcer o nariz por achar chato ou que já leu muito sobre o assunto, sendo fã de Asimov e Clarke. Qualquer coisa fora da esfera destes dois autores, e eles se sentem na superfície da Lua, pois não conhecem mais nada além disso.
Eu vi esse efeito no meu vizinho, que é fã de ficção científica, mas que estava com as leituras paradas há muito tempo. E eu mostrei alguns títulos novos que tinha gostado muito como Perdido em Marte, Silo e A Torre Acima do Véu e ele torceu o nariz na hora. Quando contei os enredos, ele se interessou e ficou surpreso pelos universos, pelos personagens e garantiu que tentaria ler todos eles.
Outra pessoa que comentou sobre isso foi o Fábio Fernandes, autor e tradutor nacional, no podcast que fala sobre a polêmica do Hugo Awards. Muita gente, especialmente homens, conhece as principais obras clássicas de ficção científica e quando mencionam algo recente, eles desconhecem. Existe um vácuo de obras e autores para esses leitores.
A ficção científica sofre desse mal. A fantasia em menor grau, acredito, mas existe uma lacuna na cabeça de muito leitor. Eu mesma era uma delas, pois o pouco que conhecia de FC eram os clássicos. Se olharmos o mercado e até o volume de resenhas de uns anos atrás, veremos que parece que um imenso buraco negro engoliu as obras dos últimos vinte anos. E existem motivos óbvios como um certo ostracismo do gênero no quesito enredos e universos, fechamento de revistas voltadas para a publicação de novos e velhos autores e até a falência de editoras como a GRD, que publicavam esses livros e depois eles sumiram.
Como Asimov, Clarke, Bradbury, Herbert, são autores que viraram filme, que ainda são relançados, passa uma impressão de que nada mais foi feito. E até a explosão de Harry Potter nas livrarias, as prateleiras tinham pouca coisa que cativasse os leitores. Harry Potter foi um fenômeno não apenas para a literatura juvenil, mas para a literatura como um todo, mostrando que um livro grande poderia prender leitores jovens e fidelizá-los. Foi na esteira deste sucesso que várias outras obras começaram a ser relançadas, como As Crônicas de Nárnia e que novos autores tiveram oportunidade.
E uma coisa puxa a outra. Sei que muitos fãs mais velhos de FC têm profunda repulsa pelas obras juvenis que fazem sucesso hoje em dia. Mas temos que lembrar duas coisas: a primeira é que estes livros são juvenis, ou seja, o público adulto com mais de 30 anos não é seu público alvo. E a segunda coisa é que este fenômeno mercadológico tem cativado mais e mais leitores, tem vendido livros a rodo e um leitor evolui, assim como a literatura. O leitor que se encantou com Jogos Voazes e Harry Potter está partindo para autores e livros mais antigos.
Para perceber isso, basta passear pelos blogs literários que conseguem dividir seu espaço com as distopias juvenis e com os livros mais clássicos de FC. Blogs fazendo parcerias com editoras acabam recebendo obras dos mais variados estilos e enredos. Silo, de Hugh Howey, por exemplo, não é uma distopia juvenil, mas faz um estrondoso sucesso, é uma obra boa para KCT e tem sido destacado com o novo clássico de FC. Perdido em Marte também não é uma distopia juvenil e é ótimo.
As obras clássicas também sofrem de outro mal: nem tudo que é clássico é bom. Eu indico que todo leitor deva ler Fundação, mas eu detesto a trilogia inteira. Acho a ideia geral de Fundação sensacional, mas a obra é, em si, insípida, chata e completamente sem sal, com personagens caricatos e vazios. Asimov escreveu outras coisas dignas de nota, como O Homem Bicentenário, por mais receio que eu tenha de suas obras, especialmente depois de ler acusações de assédio sexual cometidos por ele.
Acho que o primeiro passo para sair do porão literário - quem quiser sair, claro - é não ter preconceito. Se você pegou um livro, viu que era escrito por uma mulher e devolveu para estante, melhor rever seus conceitos. É preciso dar chance às coisas, pois até mesmo um livro ruim tem sua serventia ao nos ajudar a lapidar nossos gostos e estilo. Se está procurando uma obra recente que envolva colonização de um novo planeta e críticas sociais, indico fortemente a trilogia Através do Universo. "Ain, mas é juvenil". É, mas dê uma chance. Você pode se surpreender.
Em resumo, temos muita coisa boa publicada nos últimos vinte anos que fogem do conhecimento das pessoas que acham que a ficção científica morreu. E elas estão perdendo enredos maravilhosos. O novo é preciso, é necessário, até para manter os clássicos vivos, pois estes escritores não surgiram do vácuo.
Até mais!
Episódio 193 - Os Asimovs que não amavam as mulheres - Anticast
07 mai. 15
Muito legal esse texto! Que tal uma lista de obras de ficção que você sugere?
ResponderExcluirJá fiz várias listas desse tipo, Rod. Dá uma buscada no blog. =)
ExcluirEStou cada vez mais me desinteressando desses dinossauros da Ficção Científica. Durante muitos anos tive a intenção de ler "Fundação". Desisti! Prefiro investir meu tempo na The Inheritance Trilogy, da N. K. Jemisin e na Mars Trilogy, do Kim Stanley Robinson.
ResponderExcluircheguei até aqui pq tinha tido a mesma sensação com o Asimov e tava pesquisando sobre...descobri que amava FC com Duna e não tinha noção o tanto que é pesado o preconceito, não só quanto aos diversos estilos mas em relação as mulheres, negros e outros assuntos. Enfim, como ver o futuro a partir do nosso ponto de vista presente?
ResponderExcluirMelhor coisa encontrar vc e suas reflexões aqui!