Resenha: Clitemnestra, de Costanza Casati

O que me chamou a atenção neste livro foi seu título. Clitemnestra é uma mulher dos mitos gregos bastante discutida e injustiçada ao longo dos séculos. Inclusive, falei brevemente sobre ela em um post sobre mulheres incompreendidas da Grécia Antiga. Costanza Casati, estudiosa dos mitos gregos, resolveu contar a história dessa rainha tão odiada e temida para mostrar o seu lado da história, aquela que mostra sua criação e como sua vida era ao lado do terrível rei de Micenas.

O livro
Clitemnestra é uma jovem espartana, atlética e brutal nas lutas corpo a corpo. Filha do rei Tíndaro e de sua esposa, a rainha Leda, Clitemnestra é extremamente protetora de sua irmã Helena e tenta blindar a bela irmã de todos os comentários maldosos que dizem que Tíndaro não é seu pai. Rolam boatos sobre um belo jovem que seduziu a rainha... As jovens são unha e carne, inseparáveis, enquanto acompanham a política espartana. Helena tem a fama de ser uma linda jovem, que todos tentam cortejar. Clitemnestra olha para esses pretendentes com desconfiança e sente que ninguém é tão bom assim para sua irmã. Elas têm outros dois irmãos, Polideuces e Castor e três irmãs, Filonoé, Febe e Timandra.

Resenha: Clitemnestra, de Costanza Casati

Quando a vingança chama e os deuses param de assistir, o que acontece àqueles que feriram as pessoas que amo?

Entramos na vida de Clitemnestra e seus irmãos quando são todos adolescentes. A autora nos mostra sua vida em Esparta, suas lutas no ginásio e como Clitemnestra pode ser brutal com suas adversárias. O que Helena tem de delicada e sensível, sua irmã tem de cruel e vingativa. Mas essa é só uma de suas facetas. Isso não quer dizer que ela não seja capaz de amar, de ser atenciosa e carinhosa e até de se apaixonar. As descrições de autora nos fazem sentir dentro do palácio, observando seus afrescos, sentindo o aroma vindo da cozinha no salão de refeições, o calor do sol sob a cabeça enquanto as garotas lutam. Tudo ficou muito vívido e bem descrito.

Clitemnestra tem talento para sobreviver. Quem diz isso é um de seus inimigos e ele está horrivelmente certo. As coisas que acontecem na vida dessa mulher são revoltantes, porém bastante familiares para qualquer mulher mais atenta que mergulhar em sua história. Ela precisa navegar em um mundo dominado pelos homens, tentando se agarrar à sua autonomia apesar de toda a tragédia que enfrenta ao longo dos anos. E olha... são daquelas que mais maltratam a alma de uma pessoa, como a perda de filhos, a violência e o desprezo. Mas Clitemnestra tem o dom da sobrevivência. E a paciência para esperar pela vingança no momento certo.

Volta e meia pensei que a autora se perderia entre as múltiplas histórias contatadas aqui, ainda que seu foco seja Clitemnestra. São vários os personagens que vagueiam pela vida dessa mulher e nem todos tem uma explicação satisfatória para o seu sumiço do enredo. Mas beleza, é uma obra ficcional baseada em mitos e acredito que a autora optou por deixar o mistério. Não destrói nenhuma cena, nem desequilibra o enredo, mas quem gosta de mais informaçõe sobre o fim de certos personagens, pode se decepcionar.

Mesmo com tantos personagens e pontos de vista, Casati consegue manter a narrativa linear o bastante para que acompanhemos os anos mais importantes de Clitemnestra. Um dos episódios mais importantes, a Guerra de Troia, é secundário aqui, ainda que seja importante, pois foi começado por Helena. Mas Clitemnestra ficou em Micenas para governar no lugar do marido, então acompanhamos sua luta para convencer os anciãos, que a olham com desconfiança, a luta para criar as filhas sozinha e a eterna espera para o retorno do rei.

É difícil não simpatizar com Clitemnestra. Ela não é a figura delirante, vingativa e quase psicopata que o mito grego apresenta e sim uma mulher que viu tragédia demais e não pretende ficar quieta deixando outra acontecer. Agamenon é um homem desprezível, um canalha mesmo, daqueles que você odeia logo que ele aparece ao lado do irmão, Menelau, na corte de Esparta. Ele é bruto, mas astuto, um sujeito que não conhece a palavra 'não' e que acredita que o mundo exista para que ele possa usufruir. A maneira como ele toma Clitemnestra é uma das maiores tragédias da história e até você vai querer matar o sujeito.

Alguns nomes muito conhecidos vão aparecer por aqui, como Odisseu, Orestes, Jasão, Teseu, Aquiles, todos eles personagens secundários para a história de Clitemnestra. Mas é interessante apontar que o herói de uma história é o vilão de outra e aqui percebemos o quanto esses homens heróicos tiveram seus comportamentos desculpados por serem heróis. Esses nomes se tornaram míticos, mas qualquer ato abominável foi desculpado apenas por isso.

São os homens que você deve temer. São os homens que ficarão zangados com vocês caso ascendam, caso sejam muito amadas. Quanto mais fortes vocês forem, mais eles tentarão derrubá-las.

Há violência e misoginia no livro e a autora não tinha como escapar disso para poder contar a história de Clitemnestra. Muitas mulheres gregas viveram vidas horríveis e mesmo uma rainha não escapou dessa sina. Mas todos os pontos de vista são sempre da vítima, nunca de seus algozes. O que mais me deixou brava na leitura desse livro é ver que os milênios passaram e muita coisa não mudou uma vírgula.

A tradução de Fernanda Lizardo está perfeita e o livro ainda conta com um glossário no final que pode ajudar a acompanhar a leitura. Não encontrei problemas de revisão ou de diagramação.

Obra e realidade
Clitemnestra aparece pela primeira vez na Ilíada, de Homero, ainda que de forma bastante breve. Sua primeira aparição significativa como personagem com papel central ocorre na tragédia "Agamêmnon", escrita por Ésquilo, que é a primeira peça da trilogia da Oresteia. Nessa obra, Clitemnestra tem um papel de destaque: ela mata Agamêmnon, seu marido, assim que ele retorna da Guerra de Troia depois de nove anos.

Clitemnestra geralmente é mostrada na mitologia grega como uma mulher insana e miserável, cega por seu desejo de vingança, uma desvairada. Casati, por sua vez, nos mostra que a rainha é sim uma figura impetuosa, mas fria e racional, valente e que ama seus filhos, moldada pelo trauma. Mesmo passando por todas as vicissitudes, ela se mostra uma governante competente, que mantém Micenas uma cidade rica e que controla a região. Em uma época em que as mulheres eram vista como mercadoria e não como pessoas, a releitura de Casati torna este livro uma importante contribuição para a literatura atual.

Costanza Casati

Costanza Casati nasceu no Texas, em 1985, mas morou na Itália e no Reino Unido. Jornalista e roteirista, estudou grego antigo e literatura grega. Clitemnestra é seu livro de estreia.

PONTOS POSITIVOS
Clitemnestra
Bem escrito
Clássico da literatura
PONTOS NEGATIVOS
Final em aberto
Preço


Título: Clitemnestra: Rainha. Assassina. Magnífica.
Título original em inglês: Clytemnestra: Mother. Murderer. Magnificent.
Autora: Costanza Casati
Tradutora: Fernanda Lizardo
Editora: Astral Cultural
Ano: 2025
Páginas: 416
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Avaliação do MS?
Foi uma leitura incrível! Fiquei tão imersa na vida e pensamentos de Clitemnestra que acabei com uma baita ressaca literária depois disso. Clitemnestra é uma grande personagem, alguém que se destaca muito mais do que Helena e merecia ter sua história recontada depois de milênios de difamação. Se você curte mitologia grega, vai curtir esse aqui. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 🏛️

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