O Teste do Filme Feminista

Na semana da mulher, de 1º a 8 de março de 2017, portais nerds feministas se juntaram em uma ação coletiva - Ação Nerd Feminista - para discutir de temas pertinentes à data e à cultura pop, trazendo análises, resenhas, entrevistas e críticas que tragam novas e instigantes reflexões e visões. São eles: Collant Sem Decote, Delirium Nerd, Ideias em Roxo, Momentum Saga, Nó de Oito, Preta, Nerd & Burning Hell, Prosa Livre, Séries Por Elas, Valkírias, Psicologia&CulturaPop. #WeCanNerdIt #FeminismoNerd #8deMarço



Apesar de termos vários testes interessantes para discutir representatividade feminina no cinema e na TV, nenhum deles diz com todas as letras que aquela produção é feminista. Sei que algumas pessoas que desconhecem o feminismo logo acusam filmes que possuem uma protagonista feminina de ser feminista, como se fosse algo ruim. O senso comum espalha mitos danosos por aí e no fim as pessoas deixam de assistir um bom filme ou uma boa séria por preconceito. Alguns destes testes são:


E nenhum deles atesta a qualidade do filme, pois isso depende de vários fatores como direção, roteiro, atuação, produção. Mas é interessante termos filmes feministas, filmes com mulheres no comando, livres de estereótipos. Foi por isso que o blog Women in Wetlands, criou o chamado Teste do Filme Feminista. Os critérios são:

1. Ter uma protagonista feminina
2. Que não morre e consegue concluir sua missão
3. Sem a intervenção de um homem para salvá-la, morrer por ela, etc.

O mais triste desse teste é ver quantos filmes passam nele: pouquíssimos. Logo de cara me veio Caça-Fantasmas (2016) e todo o ódio a reboque que o filme recebeu da audiência masculina, que não consegue se divertir vendo um filme protagonizado por mulheres. As quatro são protagonistas, que não morrem e conseguem salvar a cidade de Nova York, sem ter um homem para salvá-las, promovê-las ou morrer por elas. Não é à toa que muitos caras odeiem o filme, pois mostram mulheres independentes, que conseguem resolver problemas, inclusive aqueles que elas mesmas criaram.

É curioso notar que muitos filmes podem passar no Bechdel, mas não passam no teste feminista. Por exemplo: Mad Max - Estrada da Fúria, um filme que eu amo de paixão, passa com louvor no Bechdel, mas falha no último quesito do teste feminista, já que a ideia de voltar para a cidadela é de Max e ele salva a vida da Furiosa depois. Ainda assim é um excelente filme, que levantou uma onda de ódio misógino e reclamações estapafúrdias do tipo "ninguém grita com Mad Max".

O recente e maravilhoso filme A Chegada (2016) também passa no teste feminista. A Dra. Louise Banks entra em uma incrível jornada de autoconhecimento e descobertas, valendo-se da ciência, da inteligência, para estabelecer contato com uma civilização alienígena. Ninguém morreu para ajudá-la e ela é quem consegue compreender o que os heptapodes estão querendo, inaugurando uma nova era para a raça humana. Aliens, o Resgate (1986) e Alien vs. Predador (2004) também passam no teste com Ellen Ripley e Alexa Woods.

Filmes que contenham a Personagem Feminina Forte também derrapam feio no teste feminista. Em geral, essas personagens são escritas como se fossem homens, pois carregam os estereótipos que costumamos ver nestes personagens: não são femininas, falam muito palavrão, se comportam de maneira agressiva, como se essa fosse a única forma de ter autoridade em um ambiente masculino. Veja o exemplo da Dra. Grace Augustine, de Avatar (2009). Ela tem todos esses estereótipos e mais alguns bem danosos sobre mulheres cientistas. Aliás, Avatar inteiro derrapa e muito no quesito personagens femininas e derrapa no resto também, mostrando um personagem homem branco indo salvar uma tribo de nativos. Será que Jake Sully se interessaria por Neytiri se ela fosse um "camarão" de Distrito 9?

Dra. Grace Augustine - Avatar

Se filmes com protagonistas femininas já causam um furor de uma audiência masculina, que nem é o público alvo, filmes com temática feminista são ainda mais odiados. Filmes que tratem do mundo feminino, sem estereótipos e com personagens críveis e com as quais possamos nos identificar são sempre rebatidos com ódio. E é fácil entender porque: os caras não conseguem se identificar com essas personagens, não conseguem criar uma ligação com mulheres. Paul Feig, o diretor de Caça-Fantasmas disse uma vez que quase não culpava os caras por odiarem tanto filmes com protagonistas femininas, pois eles cresceram sem modelos e filmes com os quais se inspirar baseados em protagonistas homens. A culpa é da indústria que não investe nas narrativas das mulheres.

A cultura pop em geral tem um grande efeito na sociedade. Na Marcha das Mulheres, que tomou as ruas dos Estados Unidos e da Europa, milhões de mulheres usaram a General Leia, Ellen Ripley, Kara "Starbuck" Thrace, Uhura em cartazes, relembrando passagens memoráveis e feitos destas personagens que tanto significam para gerações de mulheres. E o poder do símbolo é o poder da mudança, o poder da reflexão. Se um filme resolve mostrar mulheres do ponto de vista estereotipado, e estereótipos sempre são incompletos e imperfeitos, pois nunca mostram o potencial de um personagem, muita gente vai adotar aquela versão como sendo a verdadeira.

Quando somos bem representadas em um filme ou uma série, isso inspira as pessoas na vida real. A agente especial Dana Scully, de Arquivo X, levou milhares de mulheres a procurar carreira nas áreas de ciências exatas e biológicas, e até mesmo no FBI. As três cientistas de Estrelas Além do Tempo estão inspirando meninas a buscar as áreas da ciência, em especial a ciência espacial. Uhura inspirou meninas negras na ponte da Enterprise e ela nem mesmo era a protagonista da série. Esse é o poder dessas narrativas. Esse é o poder da representatividade.

Além disso, em uma indústria multimilionária que é a do cinema, deixar de fora mulheres e meninas por conta do machismo é perder dinheiro. Nós consumimos esses produtos e filmes e Funkos, camisetas, canecas, livros e quadrinhos. Há espaço para todo mundo. Se saem tão poucos filmes que nos contemplem todos os anos é porque a indústria entrou nesse círculo vicioso e não nos reconhecem como consumidoras deste material.

Tive dificuldades de pensar em filmes que passem no teste. Se você lembrar de algum, deixe nos comentários.

Até mais!

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Comentários

  1. Quando li os passos pensei logo no "A chegada" e "Caça fantasmas" que são citados no texto. Me lembrei do "Que horas ela volta" excelente filme nacional com duas protagonistas mulheres.

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  2. Quando comecei a ler o post já tava pensando que Mad Max - Estrada da Fúria podia ser um filme feminista, pena que não é... Mas de qualquer modo a Furiosa é uma personagem maravilhosa <3

    Agora, tenho mais motivos pra odiar Avatar. Já achava o filme ruim, agora acho péssimo e sempre xingo ele por aí =P (é, tenho uma birra com esse filme haha).

    A chegada é ótimo, gostei muito também, e fico contentona que a Amy tenha representado uma mulher 'por si mesma', independente e com conflitos diferentes dos comuns.
    Mas é bem triste mesmo que a gente não consiga lembrar de muitos filmes que passem no teste feminista =/

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  3. Gravidade com Sandra Bullock é um filme que não passa no Bechdel mas, pelo que eu me lembro do desenrolar do filme, acho que passa neste Teste do Filme Feminista. Acho que é um exemplo interessante e bem pontual.
    Gabriela.

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  4. O Valente, da Disney, poderia passar nesse teste?

    Ao que me lembro, existe uma cena em que os três irmãos da Merida ajudam ela a escapar, mas salvar ela, se não me engano, é só a mãe dela que salva ela, em alguns momentos.

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    1. Acho que Valente passa, porque se substituirmos os irmãos da Merida por crianças aleatórias ou uma trupe de gatos estranhamente sencientes, o resultado final é o mesmo: eles criam uma distração para ela fugir, e por um acaso são meninos e não meninas ou gatos estranhamente sencientes

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