Dra. Louise Banks e o heroísmo que precisamos

Nesta semana da mulher, de 1º a 8 de março, portais nerds feministas se juntaram em uma ação coletiva - Ação Nerd Feminista - para discutir de temas pertinentes à data e à cultura pop, trazendo análises, resenhas, entrevistas e críticas que tragam novas e instigantes reflexões e visões. São eles: Collant Sem Decote, Delirium Nerd, Ideias em Roxo, Momentum Saga, Nó de Oito, Preta, Nerd & Burning Hell, Prosa Livre, Séries Por Elas, Valkírias, Psicologia & CulturaPop. #WeCanNerdIt #FeminismoNerd #8deMarço






A Chegada (2016), de Denis Villeneuve tem sido considerado o melhor filme de 2016 e um dos melhores da década. Adaptado do conto de Ted Chiang, "The Story of Your Life", o filme expandiu o cenário e o mundo retratado no conto. Não apenas é uma ficção científica das boas, tratando de um dos temas mais batidos deste gênero - o contato alienígena - como o fez de maneira brilhante. Mas além disso, o filme nos traz uma mensagem de esperança que precisamos ver com mais frequência, além de uma heroína cujo superpoder é o de saber se comunicar.

Louise é uma solitária linguista que é chamada para uma jornada. Essa até poderia ser uma "jornada do herói" ou o "monomito", mas existem diferenças significativas na trajetória típica do herói que se lança em uma aventura depois de recusar ou demorar a aceitar. Louise aceita sem titubear, pois o desafio de se comunicar com uma raça alienígena é o ápice de qualquer aventura que ela jamais viveria. Ela anseia por isso, ela quer essa jornada.

As naves chegam sem qualquer aviso, pairando em locais aleatórios que parecem não ter nenhum ligação para nós. Cada país acaba formando uma frente de trabalho na tentativa de se comunicar com os heptapodes. O estranhamento começa aí, afinal estamos acostumados a ver alienígenas bípedes, humanoides e os heptapodes desafiam essa convenção. Seu idioma também é completamente diferente de qualquer coisa que Louise já tenha visto e estudado, mas se eles possuem linguagem, os humanos também possuem e há uma forma de se comunicar. Ela só precisa descobrir como, uma tarefa que parece impossível até para os melhores especialistas.

A ação que muita gente esperaria de um filme com alienígenas decepcionou algumas pessoas no cinema. Mas para mim a ação existe e é mental. É completamente um exercício de lógica e quem já precisou se concentrar completamente em uma tarefa, já experimentou o cansaço que vem depois. O trabalho intelectual, de gabinete, as etapas científicas do processo, são a riqueza do filme, muito mais que tiro-porrada-e-bomba.

Diferente do que acontece em Independence Day, onde os alienígenas usavam DOS, se comunicar com os heptapodes não é tão simples. E os militares, ansiosos por respostas e querendo que eles respondam perguntas complicadas, precisam esperar que a Dra. Banks ensine nosso idioma aos visitantes para aprender o deles e assim poder, finalmente perguntar o que diacho eles estão fazendo na Terra. Ciência não é o que os portais de notícia costumam escrever em suas colunas. Ali estamos vendo uma síntese de algo que foi trabalhado durante anos. A falta de compreensão do método científico leva muita gente a dizer em alto e bom tom que a Teoria da Evolução "é só uma teoria", sem entender o trabalho intenso de pesquisa que leva anos. Em A Chegada vemos a alfabetização de duas civilizações. Não é possível fazer isso em pouco tempo.

O crescente sensacionalismo e o medo do desconhecido são uma ameaça ao trabalho de Louise. Ela sabe que está na direção certa, mas que é preciso muito cuidado para não entender errado a mensagem dos visitantes. Assim é também no dia a dia, nas grandes cúpulas de poder ao redor do mundo, onde decisões que afetam milhões são tomadas. O poder da comunicação, o mesmo que ela usa para tentar estabelecer um diálogo com os alienígenas, é aquele que alarma o mundo com mensagens explosivas de nacionalismo global, é aquele que o jornal sensacionalista da tarde usa para apavorar a população com comentários ácidos e provocadores. Um superpoder pode ser usado para o mal e sabemos bem disso depois de anos assistindo aos filmes de super-heróis.

O heroísmo da Dra. Banks é o que mais precisamos hoje. Chega de "atirar primeiro, perguntar depois", chega de invasões repletas de cidades destruídas e lutas gigantescas nos centros urbanos, apavorando a população. Uma mulher munida de ciência e inteligência conseguiu pacificar a Terra apenas ouvindo e compreendendo o outro. Percebe a grande lição que o filme nos deixa? De que a comunicação quando feita corretamente é a verdadeira mantenedora da paz e não tanques e armas.

Hollywood nos ensinou que a chegada do outro é sempre algo a se temer e combater e que eles estão aqui para tomar algo ou nos destruir. E alien em inglês se refere tanto a "imigrante" quanto "extraterrestre". Se você passa anos mostrando alienígenas sendo destruídos e o grande herói americano beijando a mocinha no final é uma mensagem óbvia da pouca tolerância que você tem com o Outro. Se ainda relutamos em aceitar refugiados e imigrantes - ainda mais nas Américas, cujas nações foram construídas na base da imigração - o que aconteceria com a chegada de naves alienígenas?

Louise Banks A Chegada

Louise pede que confiemos nela, que confiemos em seu julgamento e compreensão do idioma alienígena. É preciso confiar nas mulheres, é preciso confiar que elas possam decidir, precisamos de seu protagonismo. O mundo ainda não confia na gente. O mundo ainda poda nossos direitos e quer que caibamos em modelos ultrapassados que não deveriam mais estar em voga. O mundo quer que nos calemos. Louise Banks não se calou, nós também não vamos.

Até mais. ♡


Leia também:
A Chegada e o medo do outro
Resenha: A Chegada (2016)


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Comentários

  1. Assisti o filme sentada na beira da cama, com uma tensao imensa. Nao precisou ter grandes explosoes ou batalhas, como você disse. A Louise me causou uma inquietação gostosa, aquele friozinho na barriga de perceber que ela ia fazer e acontecer, pq ela é capaz. O filme me deixou pensativa por dias, e ainda deixa. É sensacional o poder da comunicaçao, é sensacional a força que o se permitir ouvir tem, e é sensacional que a Louise seja a protagonista de tudo isso. Amei.

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  2. O que eu mais gostei nesse filme foi que ele fugiu totalmente do clichê dos ets que vêm atacar o nosso mundo (quer dizer, os EUA) e precisam ser combatidos (e serão vencidos, claro). Sempre que ouço falar de um filme ou história sobre ets eu fico com um pé atrás justamente por esperar encontrar justamente esse enredo.

    Sem falar que o filme, mesmo não tendo ação, consegue passar muito bem a tensão, o receio deles ao tentar contato, a sensação de ficar naquela tenda com todos trabalhando, etc. Só não consegui pescar um detalhezinho lá no final até hoje, então vira e mexe fico pensando no filme, haha.

    Mas o mais engraçado é que, antes de assistir, já tinham me recomendado o livro do Ted Chiang, e eu só me toquei que o filme era inspirado em um dos contos quando a informação apareceu nos créditos. De qualquer maneira, o livro está na minha lista, só esperando o dinheiro dar o ar de sua graça.

    Abraço!

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  3. Achei muito rica em detalhes e técnica sua análise. Confesso que não assisti o filme... Mas depois dessa resenha maravilhosa me sinto encorajada.
    A mensagem de força, confiança e paz que você transpareceu me interessou bastante. Obrigada pelo conteúdo ótimo!

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  4. Uma das coisas mais legais que achei do filme (Além da protagonista), é que ele aborda o poder da linguagem. A linguagem conecta e a compreensão dela permite a empatia, abre a mente e evolui. A comunicação é a arma. Entender a linguagem do outro é a porta aberta para entrar outros elementos e conhecimentos.

    Adorei o texto! Seu conteúdo é ótimo e adoro o seu trabalho. É uma inspiração ♥

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