Fim da civilização: agricultura

Eu não gostava muito do meu professor de História quando estava na escola. Mas lembro das boas explicações que ele dava. Lembro do nosso livro na 7ª série que falava sobre a agricultura e como ela revolucionou os modos de vida das comunidades humanas. Era este o primeiro capítulo, falando de como o cultivo de alimentos fez as comunidades se tornarem fixas numa determinada porção do espaço terrestre e fundou as civilizações.






Lewis Henry Morgan dizia que, na origem da sociedade, há três estados:

  • a selvageria
  • a barbárie
  • a civilização

E que no estágio superior da barbárie surge o arado puxado por animais, dando aos seres humanos a capacidade de lavrar a terra em grande escala, contribuindo para o aumento dos meios de subsistência. Com a possibilidade de estocar alimentos, as antigas comunidades podiam se manter no inverno, manter seus animais e aumentar o número de habitantes. A vida sedentária, a fixação num determinado espaço, o crescimento da comunidade, trocas comerciais, domesticação de animais, tudo isso teria se tornado parte do cotidiano, levando assim às grandes civilizações de que temos notícia.

Isso tudo teve um grande incremento após o fim da última glaciação, cerca de 10 mil anos atrás. As capas de gelo no hemisfério norte recuaram, tornando o clima mais ameno em várias regiões do mundo, dando margem para a agricultura e fixação de seres humanos em comunidades. Parece até idílico se a gente pensar desta maneira. Mas Jared Diamond diz que a agricultura tirou das comunidades a chance de serem igualitárias, dando o tom destrutivo que as sociedades coletoras não tinham. A agricultura seria a responsável pelo intenso desmatamento, superpopulação, conflitos militares, diferenças sociais, alergias (por manutenção de monoculturas) e mudanças regionais no solo e na rede de drenagem.

Richard Manning vai além. Ele diz que a agricultura faz a humanidade de refém. Ela teria destruído o equilíbrio das antigas sociedades coletoras-caçadoras, dividindo as populações em classes e ameaçando a sobrevivência de seres humanos e do planeta em si. Como na agricultura não há tanta cooperação como antes, em dividir caça e coleta igualmente, ela teria beneficiado uma pequena elite. Há quem vá mais além ainda, dizendo que a agricultura é um instrumento demoníaco de controle das populações ao submetê-las às monoculturas, destruindo comunidades locais e baixando um padrão de alimentação para o mundo todo baseado em pouca variedade: trigo, soja, milho e arroz. Se no começo a agricultura era uma escolha, hoje ela se tornou uma imposição para suportar a civilização tal como conhecemos. Qualquer desvio deste padrão seria destruído pelas imposições capitalistas que comandam as lavouras.

Não podemos viver sem comida. Todo mundo concorda com isso. E é por isso que a agricultura, assim como ajudou as civilizações a crescer, também pode derrubar uma. Há quem diga que o manejo incorreto do solo pelos maias, através da agricultura intensiva, teria contribuído para seu declínio. Hoje ainda sofremos consequências do péssimo manejo do solo, com áreas em processo de desertificação, problemas na rede de drenagem, empobrecimento do solo e desaparecimento de espécies nativas pela cultura intensiva de outros gêneros alimentares usados pela indústria alimentícia.

Mudanças climáticas também podem levar à perda de lavouras e áreas inteiras de cultivo. Muita chuva, pouca chuva, chuva ácida, são só alguns dos exemplos de como uma região pode parar de fornecer alimentos. O resultado a gente vê no supermercado, com o aumento abusivo de preços em cima de produtos básicos da alimentação. O desmatamento tem reduzido as florestas tropicais em todo o mundo para o aumento nas áreas de cultivo, muitas vezes mal feitos, deixando o solo tão pobre que regiões antes florestadas estão se tornando grandes campos estéreis. O que acontecerá com as populações se cada vez mais os solos forem empobrecidos por manejo incorreto?

Seria um cenário distópico terrível de se ver. A fome já assola o mundo de hoje e nem é por falta de comida. Produzimos mais que o suficiente para alimentar com três refeições ao dia cada ser humano do planeta, mas ao menos 30% dessa comida vai para o lixo porque estragam antes do consumo. O transporte inadequado de alimentos e o armazenamento deficiente também jogam boa parte disso do lixo. Não é por causa das missões espaciais, como muito reaça de classe média gosta adora vomitar na internet e até aqui no blog, mas sim a guerra, excesso de consumo, manejo e transporte inadequados os causadores da fome mundial. Com as mudanças climáticas se tornando mais e mais intensas, podemos prever a morte de colheitas antes mesmo de chegar no prato do cidadão.

agricultura na Índia


Em A Estrada, temos um mundo onde plantas e animais morreram e a civilização colapsou devido a um evento não especificado, tanto no livro quanto no filme. O que restou para se comer? Outros seres humanos. Grupos canibais mantinham pessoas prisioneiras e removiam pernas, braços, um pedaço por vez, defumando e comendo ao longo do tempo. Vísceras eram jogadas fora. Mulheres e crianças foram caçadas à exaustão e, portanto a raça humana entra em declínio contínuo, quase em extinção. Cenário bacana de se imaginar, hein? Espero que não esteja lendo esse post na hora do almoço.

Uma civilização morrendo de fome é porta para a barbárie, para a selvageria. É ilusão achar que estes estados sumiram só porque usamos um arado para plantar alguns cultivos e construímos cidades. O ser humano sabe ser selvagem e irracional quando quer, assim como sabe resolver problemas. Há uma saída para o gargalo da alimentação e da fome. Redução do desperdício, melhor distribuição de renda, valorização de cultivos regionais, consumo de frutas, legumes e verduras de época, melhorias no acondicionamento e transporte de alimentos, e redução da insegurança alimentar. Com um pilar tão frágil como esse, a civilização não pode brincar.

Até mais!


Leia mais:
Agriculture: Demon Engine of Civilization
Review of “Against the Grain: How Agriculture Has Hijacked Civilization”


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