Diversidade e ficção científica




Há algum tempo atrás eu disse que a ficção científica deveria ser usada nas escolas para ajudar os jovens a não apenas conhecer o gênero, mas por tratar de questões como luta de classes, diversidade, preconceito. Sua natureza inclusiva e diversa é uma grande ferramenta de ensino.

E uma coisa que sempre achei muito interessante enquanto assistia à reprise da série clássica de Star Trek, que passava às tardes enquanto eu tinha 8 para 9 anos, era a diversidade de seus personagens. Não apenas dos alienígenas, que representavam todos os embates sociais de cor, gênero e orientação sexual que temos na atualidade, mas também como existiam personagens mulheres, negros, até mesmo o russo Chekov, numa época de clara tensão entre capitalistas e comunistas.

Existe uma tendência da sociedade e da literatura em geral de sempre ter personagens brancos, heterossexuais, em geral homens. Mas toda vez que falamos em homem ou mulher, nós pensamos em homem e mulher brancos. Quando vamos designar um personagem diferente, acabamos tratando como uma mulher negra, uma mulher oriental. Existe toda uma construção de estereótipo que incomoda inclusive os leitores negros, pois no imaginário também de alguns deles, a construção da imagem está pautada numa ordem branca.

Almirante Cain, comandante da Battlestar Pegasus.
Almirante Cain, comandante da Battlestar Pegasus.

Por que isso acontece? Podemos apontar uma gama diferentes de razões. Temos a dominação ocidental, a questão da escravidão, a supremacia branca e toda a ideologia de que os brancos são mais inteligentes, são líderes natos. Sabemos que isso é apenas conversa de dominação, mas ela ainda existe e ainda mata, oprime, humilha, fere os direitos das pessoas. Felizmente temos autoras como Octavia Butler, mulher negra, que escreve muito bem sobre a questão de racismo e diversidade em algumas de suas obras.

Também existe a questão da orientação sexual. Dificilmente vemos personagens gays ou bissexuais nos enredos. Jornada nas Estrelas chegou a tratar do assunto em alguns episódios da série A Nova Geração e Deep Space Nine, mas Battlestar Galactica trouxe o assunto à tona com a relação da almirante Helena Cain, comandante do Battlestar Pegasus, com uma modelo número 6 dos cylons. A diversidade sexual e o livre relacionamento entre membros da tripulação de naves em diversos enredos também ajudam a demonstrar que o número de parceiros não define o caráter de ninguém. A almirante Cain extrapola os estereótipos femininos, pois além de manter um relacionamento homossexual, é extremamente cruel e rígida com seus tripulantes, contrariando muitas personagens femininas que mantém um ar maternal. Um personagem pode ser cruel, mas precisa ser bem construído para isso.

O leitor precisa desta identificação nos enredos, pois a sociedade é diversa, não segue um padrão e todos nós precisamos nos identificar com personagens da ficção, seja ela científica ou não, que está aí justamente para nos desprender da atualidade e nos mostrar coisas diferentes, novas sociedades, que nos possibilite divagar e sonhar com outros mundos, outras pessoas. Mesmo não sendo negra, eu sempre me identifiquei com a Uhura de Jornada nas Estrelas, pela força, pela inteligência, pela coragem, trabalhando em um ambiente repleto de homens.

Nyota Uhura, de Jornada nas Estrelas.
Uhura, Star Trek

As mulheres costumam ter estereótipos bem definidos nas obras de ficção científica. Ou são sexy babes ou são líderes assexuadas, amantes da causa. A bibelô mor das personagens do universo da FC na minha opinião é a Barbarella, altamente erotizada, que mesmo que atue em um universo futurista, não carrega uma grande mensagem, além de uma objetificação da mulher. Como uma quebra dessa visão sensual de personagem feminino temos Ellen Ripley, que não vê problemas em raspar os cabelos em Alien 3, onde também mantém relações sexuais com o médico da prisão em que foi acolhida após a queda da EEV da Sulaco.

Mais uma vez mencionando Jornada nas Estrelas, temos a personagem Melora Pazlar, de um dos episódios de Deep Space Nine que eu mais gosto, pois fala da questão da acessibilidade a pessoas deficientes. Melora vem de um planeta com gravidade menor que a gravidade padrão da estação e sofre com os acessos mal projetados e com a dor constante no corpo devido à gravidade maior do lugar. Sua cadeira emperra em muitas passagens e corredores por conta de degraus desnecessários na estação construída pelos cardassianos. Muitos cadeirantes e deficientes se identificaram com a situação vivida por Melora e gostaram de ser ver ali representados. Em Alien 4, também temos um personagem cadeirante.

Melora Pazlar, Deep Space 9
Melora Pazlar, episódio 6 da 2ª temporada de Deep Space 9. Uma cadeirante.

Tanto na ficção científica quanto na ficção fantástica essa diversidade deve existir. Não existem apenas leitores brancos, nem apenas negros, ou homossexuais. Uma sociedade ideal seria aquela que inclua todos os gêneros, todas as orientações, cores e uma das funções de um escritor é criar mundos e sociedades como essa. Essa necessidade de fugir do real é o que torna a ficção, seja ela qual for, uma importante ferramenta de informação e de formação de opiniões e desconstrução de preconceitos.

Até mais!

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