A autora já foi publicada em português pela antiga coleação Argonauta, mas isso foi em 1993. Desde então, seu nome praticamente caiu no ostracismo, o que é incompreensível, visto que Leigh Brackett é um dos nomes mais importantes da ficção científica. Mas o jejum acabou! A editora Aleph publicou em 2025 seu romance mais conhecido!
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O livro
Este é um mundo pós-guerra nuclear. A desolação causada pelas bombas foi tantas que as cidades foram proibidas pela constituição norte-americana. As aglomerações humanas não poderiam ter mais de mil habitantes. A população volta a viver dos frutos do trabalho árduo na terra, a lida com os animais e a fé no divino. Mas é um divino furioso, que condena a modernidade, a ciência e qualquer parafernália antiga que tenha sobrevivido às bombas. Praticamente qualquer eletrônico é visto com desconfiança e símbolos de um tempo que ninguém mais quer de volta.
As pessoas colocaram um abrigo sobre as cabeças, fizeram da ignorância uma necessidade, do retrocesso uma paixão, e chamaram isso de Deus e o adoraram.
Se você vive em uma cidade grande, com todos os confortos tecnológicos, deve imaginar como seria difícil viver uma vida no campo, cuidando da terra dia após dia, sem internet, celular e Netflix, certo? Mas algumas sociedades, como os menonitas, que no livro são os neomenonitas, estão acostumados com esse estilo de vida e floresceram neste novo mundo. E é em uma comunidade deles que vive Len Colter e seu primo, Esaú (os dois garotos da capa).
Desde criança, Len ouve as histórias da avó, apenas uma criança na época da guerra, que lembra com saudosismo dos luxos e confortos da vida nas cidades. Mas os outros membros da família são bastante severos com disciplina e outros moradores da comunidade podem até matar se houver qualquer desconfiança de que as pessoas estão tendo contato com o mundo de antes. Isso não impede Len e Esaú de sonharem e desejarem ter contato com a tecnologia de que tanto ouviram a avó falar. É esse desejo que os coloca em ação para descobrir mais e quem sabe chegar a uma cidade proibida de que somente ouviram falar. Será ela de verdade? Quais segredos ela esconde?
Este é um típico romance de formação, onde acompanhamos o desenvolvimento de um personagem desde a infância até a idade adulta e é o que vemos aqui com Len e Esaú. Os dois garotos desafiam as normas de sua sociedade rígida ao mexerem com uma tecnologia banida: um rádio. O que os garotos não sabem é que o mundo fora de sua pequena comunidade é muito mais brutal e selvagem do que já ouviram falar. Será que vale à pena contrariar os pais, tios, mães e seguir esse sonho impossível de encontrar uma cidade mítica?
Brackett não vai te dar todas as respostas. Em vários momentos, a impressão que dá, é que os jovens nunca vão se mover ou sair da mesmice de seu pequeno mundo da fazenda. O lugar não é inteiramente horrível, pois Len lembra com saudades dos campos, do pôr do sol, da chuva batendo no telhado. Há sim o seu apelo na fazenda, mas o lugar não pode lhe fornecer as respostas de que tanto precisa. Os dois garotos agem, bem, como as crianças que são, de modo impulsivo, fazendo perguntas, que muitos adultos veem como perigosas. Por isso, eles acabam fugindo do campo e acabam em uma comunidade chamada Refúgio.
Refúgio é uma comunidade mercantil um pouco maior, onde os jovens crescem e passam a viver. A comunidade vive um dilema, pois um comerciante quer construir um armazém a mais do que a Constituição permite e o medo se espalha pela população, pois isso pode significar o surgimento de uma cidade. Pra entender esse mundo, é preciso entender o fundamentalismo. Os pregadores conseguiram fazer com que as pessoas sintam um pavor tão grande da cidade, da tecnologia e da ciência, que é o mesmo que dizer que o diabo em pessoa está presente.
O livro tem um ar pessimista que nos acompanha até o final. A gente se pega pensando: será que Len fez uma troca assim tão justa, saindo da acolhedora fazenda da família? Sabe aquela máxima de que entre o ruim e o pior, você fica com o ruim? É mais ou menos isso que os garotos enfrentam, especialmente Len, que é o mais introspectivo dos dois, o mais temeroso das mudanças que podem vir. Quer dizer, ele sente curiosidade e quer ver, saber, descobrir, aprender, mas, ao mesmo tempo, aqueles ensinamentos religiosos da infância ressoam fortemente em seu caráter.
(...) oitenta anos do controle mais rígido não conseguiram apagar a arte do pensamento independente.
Porém, ao mesmo tempo que me pareceu pessimista, ele também mantém um tom de esperança. Qualquer sociedade repressora sabe que é difícil, praticamente impossível, aniquilar o pensamento. Se uma coisa já foi descoberta, como a energia nuclear, por mais que a gente tente apagar este conhecimento do mundo, um dia ele será redescoberto. Len apenas não sabe como lidar com essa informação e essas questões emocionais são muito fortes, principalmente na última parte da leitura.
É uma pena que o livro tenha tão poucas mulheres, porém entendo que este mundo religioso seja brutalmente patriarcal. As poucas que aparecem estão ligadas aos personagens masculinos, têm pouco desenvolvimento e mais representam perigo do que qualquer outra coisa. O livro está bem revisado e diagramado, com uma ótima tradução de Marcia Men.
Obra e realidade
O longo amanhã foi publicado em 1955 e foi finalista do Prêmio Hugo. Ele é fruto do temor da guerra nuclear que qualquer pessoa vivendo em plena Guerra Fria sentiria caso o caldo engrossasse entre Estados Unidos e União Soviética. Crianças aprendiam a se proteger de bombas e da chuva radioativa caso a guerra começasse de verdade. E certamente o livro consegue imaginar o que esse medo faria com uma população pós-guerra, unido ao fundamentalismo cristão.Algo que chama a atenção na leitura é a ausência de radiação. Brackett nunca menciona locais proibidos onde as pessoas poderiam morrer devido à exposição ao material radioativo. A guerra nuclear do livro é baseada em bombas capazes de destruir cidades, como Hiroshima e Nagasaki, mas que não deixaram nuvens de radiação por usarem uma arma nuclear convencional. O primeiro teste nuclear a mostrar a devastação causada pela chuva radioativa foi feito em 1952, então Brackett provavelmente se baseou nas lembranças da Segunda Guerra Mundial para construir seu enredo.

Leigh Douglass Brackett foi uma escritora e roteirista norte-americana, especialmente de ficção científica. Roteirista de Star Wars: o Império contra-ataca, foi a mentora de ninguém menos que Ray Bradbury.
PONTOS POSITIVOS
Romance de formação
Busca pela ciência e tecnologia
A jornada dos garotos
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Poucas personagens femininas
Romance de formação
Busca pela ciência e tecnologia
A jornada dos garotos
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Poucas personagens femininas
Avaliação do MS?
Não esperava gostar tanto desse livro. Admito que no começo eu não sabia bem se estava gostado daquele ar bucólico do interior opressivo que Brackett construir, mas depois o livro pegou velocidade e termina de uma maneira ambígua que vai ficar na cabeça das pessoas por um bom tempo. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais!
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