Resenha: Seis passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco

Fora de catálogo havia muito tempo, a Companhia das Letras relançou em 2024 as conferências dadas por Umberto Eco na Universidade Harvard. Em seis textos repletos de informações, o autor passeia pelos bosques da ficção, discutindo suspensão da descrença, realidade, ficção e onde estão os limites de cada uma delas.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
Em 1993, Umberto Eco proferiu seis palestras, as chamadas Conferências Norton, na Universidade de Harvard. Posteriormente elas foram transcritas e lançadas em formato de um livro pequeno, rápido de ler, mas cheio de significado. Nele, Eco discute e reflete sobre os processos de criação e leitura dos romances, discutindo como a imaginação do escritor e as expectativas do leitor se encontram ao longo da narrativa.

Resenha: Seis passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco

(...) todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho. Que problema seria se um texto tivesse de dizer tudo que o receptor deve compreender - não terminaria nunca.

Ainda que fale de livros, ele não é uma obra com dicas de escrita. Eco está muito mais interessado em discorrer sobre os limites entre ficção e realidade, valendo-se da metáfora do bosque para ajudá-lo na tarefa. Os bosques a que o autor se refere é o texto de ficção, onde se encontram diferentes caminhos para se entender a construção dos personagens, os estilos narrativos e as estratégias que tornam um livro inesquecível.

Sagaz e atento, Eco se vale de várias obras para desenvolver sua argumentação. Em seis passeios, um para cada conferência dada, ele nos fala sobre como a literatura pode ser não apenas uma arte, mas também um jogo mental, onde o escritor constrói todo um universo e o leitor, do outro lado, contribui para a sua completude, preenchendo os espaços, os cenários, as características de acordo com seu próprio olhar. Cada leitor é um universo único, ainda que o livro seja o mesmo.

Abordando aspectos diferentes das obras ficcionais, que vai desde a estrutura narrativa até as influências culturais, sociais e históricas que as moldam, Eco se vale de contos de fada, literatura italiana e obras de Edgar Allan Poe. Um bosque é um jardim onde os caminhos se bifurcam e enquanto passeia por suas trilhas, sentindo o sol sendo filtrado pelas folhas, o leitor se volta para sua própria experiência de vida ou de outras histórias para poder prever o desenvolvimento de uma história.

Um exemplo bem interessante que o próprio autor deu foi de um livro seu, O pêndulo de Foucault, onde seu personagem percorre algumas ruas de Paris, em junho de 1984. Eco foi bastante preciso ao escrever a cena, percorrendo as ruas ele mesmo, munido de um mapa, e até usando uma carta celeste para descrever em qual fase da Lua ela estava naquela noite. Pois um leitor do livro descobriu que na noite em que o personagem passeia por Paris houve um incêndio em uma das ruas que ele cruza. Como foi que o protagonista não mencionou o incêndio?

A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte: o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de "suspensão da descrença". O leitor tem que saber que o que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o escritor está contando mentiras.

Além desse acordo entre leitor e autor, há também a questão do tempo, que ele trabalha no segundo e terceiro passeios. É impossível conseguir abarcar toda a experiência humana em um livro. Algo sempre ficará de fora. Gostei de como ele fala de cultura popular, até mesmo filmes pornográficos, quando o assunto é o tempo da narrativa e o tempo que o leitor leva para ler. O autor pode se demorar quando for preciso ou ser sucinto, mas tudo isso vai depender de seu enredo e de sua vontade de explicar as coisas. Alexandre Dumas, por exemplo, era especialista em esticar o tempo de suas cenas, até porque assim ele tirava um troco a mais.

Este é um livro bem curtinho, dá para ler em um dia ou menos, mas não estaríamos passando por cima de detalhes interessantes, sem nos demorar no texto, como o próprio Eco comenta em vários momentos? Ainda que a pessoa não escreva textos de ficção, o livro nos ajuda a entender nosso papel como leitores e como participamos ativamente do processo de construção da narrativa. Mas admito que em alguns momentos, as divagações de Eco ficaram chatas, como se ele não conseguisse nos mostrar a saída do bosque. Talvez essa fosse mesmo a ideia.

Muito bem traduzido por Hildegard Feist, o livro está bem revisado e se apresenta em capa comum e papel pólen.

Obra e realidade
Eco tinha uma biblioteca pessoal de cerca de 30 mil volumes. Todo mundo se admirava de sua coleção, sempre perguntando se ele teria lido todos aqueles livros. Como um acadêmico e intelectual, não duvido nada de que tenha lido mesmo, mas Eco valoriza muito mais o não-saber. Ter uma biblioteca com obras que você ainda não leu não é um amplificador de ego, mas sim um repositório de conhecimento.

Algo bem evidente neste livro é que Eco era um grande leitor, um grande apreciador da ficção e do texto narrativo, pois ele olha para vários livros e autores com admiração e respeito conforme os usa como exemplos nas conferências. Sem desprezar gêneros ou estilos, Eco incentiva seu leitor a se aventurar pela ficção sem se preocupar tanto com os rigores históricos ou científicos. Apenas aproveite a jornada.

Umberto Eco

Umberto Eco foi um escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano de fama internacional. Foi titular da cadeira de Semiótica e diretor da Escola Superior de ciências humanas na Universidade de Bolonha.

PONTOS POSITIVOS
Análise sobre literatura
Bem escrito e pesquisado
Análise sobre a ficção
PONTOS NEGATIVOS

Alguns passeios foram chatos


Título: Seis passeios pelos bosques da ficção
Título original: Six Walks in the Fictional Woods
Autor: Umberto Eco
Tradutora: Hildegard Feist
Editora: Companhia das Letras
Ano de lançamento: 2024
Páginas: 176
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Avaliação do MS?
Ainda que seja possível obter dicas de escrita com essa obra, em sua essência, essas são conversas de um leitor para o outro. Sem abandonar o ar de professor, Eco conversa com seus leitores ao mostrar como um texto narrativo se estrutura e como podemos enveredar pelas trilhas do bosque da ficção, acompanhando as placas deixadas pelos autores. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

Muito bom!

Até mais! 📖

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